BRASÍLIA, 28 de dezembro — Vários ditos movimentos sociais, entre eles a Associação Brasileira de Juristas pela Democracia e a famosa ABI, a Associação Brasileira de Imprensa, que ganhou destaque no último mês ao divulgar duas cartas, uma pedindo a prisão de todos os envolvidos nos atos de 08/01 e outra solicitando a regulamentação das redes sociais "para combater o discurso de ódio e a desinformação", assinaram uma carta pública na qual pediram formalmente que o presidente Lula "reconheça a legitimidade" da "reeleição" do ditador venezuelano Nicolás Maduro.
O argumento exposto no pedido foi o de que "o reconhecimento dessa eleição não apenas reafirma nosso compromisso com o respeito à soberania venezuelana, mas também fortalece os laços de amizade e cooperação que historicamente unem nossas duas nações".
A carta assinada em 26/12 também fala dos "riscos que a ascensão de movimentos extremistas na Venezuela representa para toda a região" como justificativa para que o governo brasileiro legitime o regime venezuelano, que há muitos anos tem prendido diversos opositores, utilizado centros de tortura amplamente conhecidos para deter críticos, incluindo inúmeros jornalistas, e é acusado, com evidências, por vários órgãos internacionais de crimes contra a humanidade.
"CARTA AO PRESIDENTE DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL, COMPANHEIRO LUIZ INÁCIO LULA DA SILVA.
C.C.: COMPANHEIRO CELSO AMORIM, ASSESSOR-CHEFE DA ASSESSORIA ESPECIAL DO PRESIDENTE DA REPÚBLICA.
Estimado companheiro Presidente da República Federativa do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, Com os mais respeitosos e cordiais cumprimentos, dirigimo-nos a Vossa Excelência para abordar uma questão de extrema relevância para as relações internacionais de nosso país e, em particular, para a estabilidade e harmonia na América Latina.
Gostaríamos de ressaltar a importância da manutenção de boas relações de vizinhança entre o nosso país e a República Bolivariana da Venezuela, baseadas no respeito mútuo, na cooperação e na compreensão das complexidades internas de cada nação. Os princípios da soberania e da autodeterminação dos povos, consagrados na Constituição Federal de 1988 e na Carta das Nações Unidas, guiam a nossa política externa independente, uma conquista importante da nossa nação, sob vossa liderança.
Neste contexto, vimos respeitosamente solicitar que o governo brasileiro reconheça a legitimidade da reeleição do Presidente Nicolás Maduro, ocorrida de acordo com os processos internos da Venezuela. O próprio candidato da oposição, Edmundo González, reconheceu os resultados e a institucionalidade venezuelana ao acatar a decisão da Sala Eleitoral do Supremo Tribunal de Justiça, argumentando que acata a decisão "por se tratar de uma resolução do máximo tribunal da República", conforme consta na carta assinada pelo senhor González que veio à público em 18 de setembro.
O reconhecimento dessa eleição não apenas reafirma nosso compromisso com o respeito à soberania venezuelana, mas também fortalece os laços de amizade e cooperação que historicamente unem nossas duas nações.
A política externa brasileira de seu governo, altiva e ativa, tem como um de seus mais importantes eixos a Integração Regional em nossa região, como uma das condições essenciais para uma inserção mais soberana no contexto mundial, conforme o documento Consenso de Brasília, aprovado pelos países sul-americanos por iniciativa de seu governo em maio de 2023.
Neste sentido, aplaudimos as muitas iniciativas de seu governo e declarações da Presidência no sentido de ter compreensão e empatia pelas necessidades dos nossos vizinhos, como o oferecimento ao Uruguai da possibilidade de construir um possível acordo Mercosul-China em substituição ao acordo Uruguai-China, cujas negociações avançavam em janeiro de 2023. Ou a postura empática e de diálogo com relação à renovação do Acordo da Itaipu Binacional com o governo do Paraguai.
Em nossa opinião, relações diplomáticas, de abertura ao diálogo, sincero, empático e direto com o governo da Venezuela, especialmente nesse momento crítico pós-eleitoral, assim como com outros países de nossa região, é essencial para construir de maneira mais estrutural, institucional e permanente a Integração Regional.
Além disso, é necessário considerar os riscos que a ascensão de movimentos extremistas na Venezuela representa para toda a região. A mais recente apreensão por parte das autoridades venezuelanas, de 400 fuzis de uso exclusivo dos Estados Unidos e 6 pessoas, evidencia o caráter anti-democrático e terrorista de alguns setores da oposição venezuelana e dos Estados Unidos. Entre estas pessoas estão venezuelanos recrutados pelo Centro Nacional de Inteligência espanhol e um militar da ativa da Marinha dos Estados Unidos, Wilbert Joseph Castañeda Gómez.
A extrema direita venezuelana e seus aliados fora do país, promovem uma agenda polarizadora e desestabilizadora, ameaçando não só a paz interna do país, mas também a estabilidade de toda a América Latina. Esta situação pode ter reflexos negativos em nosso próprio país, gerando tensões que poderiam ser evitadas por meio de uma ação do Brasil pautada no diálogo e no respeito às escolhas legítimas do povo venezuelano.
Ao reconhecer a reeleição de Nicolás Maduro, o Brasil não apenas reafirma seu compromisso com os princípios de soberania e autodeterminação, mas também envia uma mensagem clara de apoio à paz e à estabilidade regional, promovendo o fortalecimento da integração latino-americana em um momento de grandes desafios globais.
Agradecendo a atenção de Vossa Excelência, reafirmamos o nosso compromisso com a democracia, o progresso social, a soberania brasileira e a integração regional.
Brasília, 26 de dezembro de 2024" -Íntegra da carta
O texto chega a mencionar uma declaração do opositor venezuelano Edmundo González, vencedor do último "pleito" presidencial da Venezuela de acordo com 83,5% das atas de votação do país, na qual ele assinou um reconhecimento do resultado da eleição para poder deixar a Venezuela (vivo) e se refugiar na Espanha.
Também assinaram a carta: Afronte – Movimento Nacional de Juventude, Centro Brasileiro de Solidariedade Aos Povos e Luta Pela Paz, Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil, Confederação Nacional das Associações de Moradores, Federação Árabe Palestina do Brasil, Instituto Brasil Palestina, Levante Popular da Juventude, Marcha Mundial das Mulheres, Movimento Brasil Popular, Movimento de Trabalhadoras e Trabalhadores por Direitos, Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, Movimento pela Soberania Popular na Mineração, União Brasileira de Mulheres, União Brasileira dos Estudantes Secundaristas, União da Juventude Socialista, União de Negros pela Igualdade e União Nacional LGBT.
Ainda não há sinais de que a diplomacia brasileira vá reconhecer o resultado das "eleições" venezuelanas, mas espera-se que o governo adote, após um período de espera, o antigo discurso de que, apesar de tudo, o Brasil manterá relações normais com a Venezuela, argumentando que não pode cortar laços com um país vizinho.
Seguindo a burocracia venezuelana, Maduro deverá realizar a cerimônia de posse de seu cargo vitalício no próximo dia 10 de janeiro.
Posição do partido de Lula: Em outubro, o partido governista PT (Partido dos Trabalhadores) assinou, sem divulgar para evitar prejuízo político nas últimas eleições municipais brasileiras, uma resolução do Foro de São Paulo que reconheceu o ditador Nicolás Maduro como vencedor das "eleições presidenciais" venezuelanas de julho.
O documento foi produzido e assinado por partidos de esquerda no México, durante um evento do Foro de São Paulo, com a presença de Mônica Valente, integrante da executiva nacional do PT e Secretária Executiva do Foro de São Paulo.
Antes disso, em julho, o partido chegou a divulgar uma nota oficial, no próprio site do PT, saudando a "vitória" de Maduro.
Na nota, que foi assinada pela Executiva Nacional do PT, o partido afirmou que as "eleições" na Venezuela foram uma "jornada pacífica, democrática e soberana", destacando que o CNE (equivalente ao TSE), controlado pelo regime local, daria "um tratamento respeitoso a todos os recursos recebidos conforme a Constituição".
Em meados de agosto, durante uma viagem ao sul do Brasil e em entrevista à Rádio Gaúcha, ao ser questionado sobre a Venezuela, Lula, que está em seu terceiro mandato presidencial nesta mesma sigla política, rechaçou a nota pública de seu partido, afirmando que não concordava com seu conteúdo. Apesar do posicionamento do mandatário brasileiro, a entrevista ganhou destaque nos noticiários após Lula afirmar que não considera a Venezuela uma ditadura, mas sim um "regime muito desagradável".
(Matéria em atualização)
O Apolo Brasil