Durante o período de transição de governo no final de 2022, a equipe de segurança de Luiz InĂĄcio Lula da Silva (PT), composta em grande parte por policiais federais, teria recebido uma série de relatórios da AgĂȘncia Brasileira de InteligĂȘncia (Abin) alertando sobre possíveis ameaças contra a sede dos TrĂȘs Poderes. A informação foi divulgada pela Folha de S. Paulo, que teve acesso a trechos dos relatórios.
Os documentos, produzidos ainda em dezembro de 2022, detalhavam movimentações que antecederiam os atos de 8 de janeiro de 2023, incluindo uma tentativa de invasão à Polícia Federal em 12 de dezembro do mesmo ano, e riscos à segurança de Lula, com uma tentativa de acesso ao andar de seu hotel.
Esses documentos contradizem a versão da Polícia Federal (PF), que afirmou não ter recebido informações claras e antecipadas sobre os atos de janeiro. De acordo com o jornal, os relatórios da Abin continham detalhes sobre veículos que circulavam nas proximidades do hotel onde o presidente eleito estava hospedado, perfis de militantes considerados "potencialmente perigosos" e relatos sobre um homem que tentou acessar, por duas vezes, o andar do hotel onde Lula estava.
A Folha de S. Paulo também aponta que, embora os relatórios evidenciassem um monitoramento prévio das ameaças, não foi dado seguimento a essas informações, o que sugeriria que, se tivessem sido devidamente analisadas, poderiam ter facilitado a identificação dos envolvidos nos ataques de 8 de janeiro. A Gazeta do Povo procurou a PF e a Abin para esclarecer a elaboração, envio e conteúdo dos relatórios, mas não obteve resposta até a publicação da reportagem.
Os relatórios foram produzidos pela Abin no contexto de um grupo de trabalho liderado por Andrei Rodrigues, então responsĂĄvel pela segurança de Lula e atual diretor-geral da Polícia Federal. Esse grupo foi formado durante a transição e contou com a participação de membros da Abin e da PF. No entanto, segundo a reportagem, havia desconfiança por parte de Rodrigues em relação à gestão dos serviços de inteligĂȘncia durante o governo de Jair Bolsonaro (PL).
Os documentos da Abin também mencionavam nomes de pessoas envolvidas em manifestações no entorno do hotel de Lula, que mais tarde foram identificadas como participantes de atos violentos, como a tentativa de explosão no aeroporto de Brasília em dezembro de 2022 e os eventos de 8 de janeiro. Entre os nomes citados estavam o blogueiro Wellington Sousa, preso por tentar explodir uma bomba nas imediações do aeroporto, e o major aposentado ClĂĄudio Santa Cruz, apontado como líder de acampamentos em frente ao QG do Exército em Brasília.
Segundo a Folha, a Abin teria produzido pelo menos trĂȘs relatórios sobre movimentações suspeitas em torno do hotel de Lula, começando em 5 de dezembro de 2022. Um dos relatórios, datado de 11 de dezembro, identificava 15 participantes de um protesto supostamente liderado por Oswaldo EustĂĄquio, considerado foragido pela justiça. Outros relatórios, de 14 e 31 de dezembro, também detalhavam eventos de manifestações e tentativas de invasões.
Apesar da precisão dos relatórios, um levantamento da PF indicou falhas na coordenação e no fluxo de informações da Abin, o que teria comprometido a resposta à invasão dos prédios dos TrĂȘs Poderes. A PF apontou que as informações críticas não foram compartilhadas com todos os responsĂĄveis pela segurança.
Em depoimento à Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) sobre os eventos de 8 de janeiro, o ex-diretor-adjunto da Abin, Saulo Moura da Cunha, afirmou que entre 2 e 8 de janeiro de 2023, a agĂȘncia produziu 33 alertas sobre o movimento de manifestantes que poderiam resultar em atos violentos. No entanto, ele destacou que, até 5 de janeiro, a Abin considerava que as manifestações teriam baixa adesão, baseando-se no envio de 43 ônibus para Brasília. A mudança na avaliação só ocorreu em 6 e 7 de janeiro, quando a ANTT informou a chegada de mais 105 ônibus, levando a Abin a perceber o potencial de violĂȘncia.
Na manhã de 8 de janeiro, a Abin começou a repassar informações ao Gabinete de Segurança Institucional (GSI), com Saulo Cunha afirmando ter tido convicção de que os manifestantes planejavam invadir os prédios dos Poderes. Mesmo assim, o ex-ministro do GSI, Gonçalves Dias, considerou a situação tranquila até o alerta de Cunha.
Em outubro de 2024, a PF concluiu um relatório identificando falhas de segurança que contribuíram para a demora nas respostas aos ataques de 8 de janeiro. O documento apontou a ausĂȘncia de Anderson Torres, então secretĂĄrio de Segurança do Distrito Federal, como fator decisivo para a falta de resposta imediata. O relatório também revelou que, embora houvesse vĂĄrias informações críticas sobre o risco de violĂȘncia, elas não foram compiladas, analisadas ou compartilhadas adequadamente com as forças de segurança competentes.
A PF, como parte do Sistema Brasileiro de InteligĂȘncia (Sisbin), criticou a falta de atualização e compartilhamento de dados críticos pelo GSI, mas não mencionou falhas dentro da própria Polícia Federal no que diz respeito à prevenção e resposta aos atos.
Fonte: Gazeta Brasil