Os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) rejeitaram, na última semana o recurso apresentado por Luciane Barbosa Farias, a "Dama do Tráfico". O recurso foi apresentado por ela e pelo marido, o traficante Clemilson dos Santos Farias, o "Tio Patinhas", apontado pelo Ministério Público do Amazonas como um dos líderes do Comando Vermelho no Amazonas. A decisão do STF foi unânime entre os 11 ministros da Corte. O relator foi o ministro Luís Roberto Barroso, atual presidente do STF. Depois de concluída a votação no plenário virtual do STF, o tribunal publicou o acórdão da decisão nesta segunda-feira, 18.
Com isso, se encerra a fase de discussão do mérito do processo – ou seja, não é possível mais discutir a condenação em si. Luciane Barbosa Farias e Tio Patinhas foram condenados a 10 anos de prisão por associação para o tráfico, formação de organização criminosa e lavagem de dinheiro.
Procurada pelo Estadão, a defesa de Luciane Barbosa e Clemilson dos Santos Faria não se manifestou até o momento. O espaço segue aberto.
Na tarde desta quarta-feira, 20, a defesa apresentou embargos de declaração contra a decisão. Esses embargos são os últimos possíveis e visam esclarecer eventuais omissões ou trechos obscuros da decisão, explica a advogada criminalista Fernanda de Almeida Carneiro, que é sócia do escritório Castelo Branco Advogados. Só depois da análise dos embargos de declaração é que o caso pode ser considerado "transitado em julgado", ou seja, encerrado.
Inocentada em primeira instância, Luciane Barbosa Farias foi depois condenada em segunda instância pelo Tribunal de Justiça do Amazonas (TJAM). Os advogados dela e de Tio Patinhas acionaram o STF depois de perder o prazo para recurso, de 15 dias, no próprio TJ. No agravo ao STF, os defensores alegam que o cálculo do prazo foi feito de forma equivocada. Os advogados também recorreram diversas vezes ao Superior Tribunal de Justiça (STJ) ao longo deste ano, mas foram derrotados.
Reuniões no Ministério da Justiça e nos Direitos Humanos
Mesmo sendo considerada pelo Ministério Público do Amazonas como integrante do Comando Vermelho e responsável por lavar dinheiro da facção no Amazonas, Luciane foi recebida duas vezes no Ministério da Justiça e Segurança Pública (MJSP) para reuniões com dirigentes da pasta, durante a gestão do ex-ministro da Justiça e atual ministro do STF Flávio Dino. Dino nunca recebeu ou se encontrou com Luciane.
Em março de 2023, ela se reuniu com o então Secretário Nacional de Assuntos Legislativos da pasta, Elias Vaz. Ele era o responsável por cuidar da relação do MJSP com o Congresso. Em maio, Luciane voltou ao MJ e se encontrou com Rafael Velasco Brandani, então titular da Secretaria Nacional de Políticas Penais (Senappen). Luciane foi levada aos encontros no Ministério da Justiça pela advogada criminalista e ex-deputada estadual pelo PSOL Janira Rocha. Ela foi colega de partido e de tendência interna de Elias Vaz, mas já deixou a legenda, assim como ele.
Na época, os registros de agendas do Ministério da Justiça traziam apenas o nome de Janira Rocha. "Hoje em Brasília, nas articulações políticas no Congresso Nacional, em reuniões no Ministério da Justiça e no debate de construção de estratégias para trazer a luz a pauta de direitos fundamentais e humanos para o sistema prisional brasileiro só deu esse time de mulheres ( ) Ficou notória a diferença política na sensibilidade de tratar o tema, outro governo, outra conversa, seguiremos!!!", escreveu Janira ao postar uma foto com Luciane no Instagram.
Na ocasião, o Ministério da Justiça disse, em nota, que as audiências foram pedidas pela Associação Nacional da Advocacia Criminal (ANACRIM), entidade de Janira Rocha, e não por Luciane. "A cidadã (Luciane Barbosa Farias) mencionada no pedido de nota não foi a requerente da audiência, e sim uma entidade de advogados. A presença de acompanhantes é de responsabilidade exclusiva da entidade requerente e das advogadas que se apresentaram como suas dirigentes", disse o MJ, à época. Tanto Brandani quanto Elias Vaz deixaram a pasta.
À época da divulgação das reuniões, autoridades do governo, como Flávio Dino e a presidente nacional do PT, Gleisi Hoffmann, divulgaram informações falsas sobre o ocorrido. Gleisi disse, por exemplo, que Luciane esteve em Brasília a convite do Governo do Amazonas – o que é mentira. As duas primeiras visitas dela à capital, quando esteve no Ministério da Justiça, não tiveram relação com o governo amazonense.
Lavagem de dinheiro para o Comando Vermelho
De acordo com as investigações da Polícia Civil do Amazonas, Luciane Barbosa Farias usava a Organização Não Governamental (ONG) Associação Instituto Liberdade do Amazonas, criada por ela, para "perpetuar a existência da facção criminosa e obter capital político para negociações com o Estado". Ela também seria a responsável, de acordo com os investigadores, por "acobertar a ilicitude do tráfico", por meio da lavagem de dinheiro. A verba seria usada para compra de veículos, imóveis e para a abertura de negócios.
Clemilson e Luciane se casaram em 30 de outubro de 2012. Na época, ela abriu um salão de beleza que, segundo os investigadores, era usado para lavar dinheiro do tráfico. O casal prosperou: a declaração de Imposto de Renda de Luciane apresentava bens de R$ 30 mil em dezembro de 2015. No ano seguinte, passou para R$ 346 mil, alta de 1.053%. Segundo os investigadores, os dois também eram donos de ao menos três imóveis no Amazonas e em Pernambuco, além de seis veículos (sendo uma moto, três carros e dois caminhões).
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