Em junho de 2022, um grupo de mais de 70 empresas
britânicas começou a testar um novo modelo de trabalho em seus escritórios: a
semana de quatro dias. O projeto The 4-Day Week surgiu na esteira de um movimento que jĂĄ se desenrolava globalmente para a
redução das jornadas como medida de prevenção de problemas de saúde mental
relacionados ao serviço e como tentativa de aumentar a produtividade. Na Islândia, por
exemplo, cerca de 85% dos trabalhadores jĂĄ podem optar por trabalhar quatro
dias por semana.
De acordo com um estudo desenvolvido
a partir de uma parceria inédita entre a Organização Mundial da Saúde (OMS) e a
Organização Internacional do Trabalho (OIT), em 2016 quase 9% da população
global – um número equivalente a 488 milhões de pessoas – trabalhava em
excesso, cumprindo jornadas de 55 horas semanais ou mais.
Embora a OIT determine que o expediente não
ultrapasse oito horas diĂĄrias e 48 horas semanais, a legislação varia de país
para país. Desde 1935, a entidade incentiva que
as nações implementem jornadas de até 40 horas semanais, porém os dados daquele
estudo demonstram que, entre 2010 e 2016, a prevalĂȘncia de trabalhadores
expostos a jornadas extensas aumentou. E essa tendĂȘncia deve seguir nos
próximos anos, devido ao maior número de pessoas em regime informal, às
incertezas no mercado e aos novos arranjos laborais – como o
teletrabalho.
O impacto na saúde é enorme. A pesquisa alertou para
o fato que quase 400 mil mortes causadas por derrames em 2016 e 350 mil por
infarto poderiam ser atribuídas à exposição a jornadas de trabalho muito
longas.
Isso por causa do estresse psicossocial causado
pelas jornadas extensas. Segundo os pesquisadores, o estresse crônico provoca a
liberação excessiva de hormônios que desregulam o sistema cardiovascular. O
impacto também pode ser indireto: para aliviar a tensão, o trabalhador acaba
caindo em hĂĄbitos como o uso de tabaco e ĂĄlcool, sedentarismo e mĂĄ alimentação.
Ou ele deixa de dormir adequadamente.
Jornadas extensas no expediente, contudo, não são o
único fator de risco para as chamadas doenças ocupacionais. "O excesso de
trabalho é uma nomenclatura subjetiva, porque o que se apresenta como excesso
para um indivíduo pode não ser para outro", explica a médica Rosylane Rocha,
presidente da Associação Nacional de Medicina do Trabalho (ANAMT). "Devemos
valorizar a qualidade de vida no trabalho, que perpassa trĂȘs dimensões:
organização, condições e relacionamento socioprofissional", completa.
Rosylane exemplifica os problemas de gestão mais
comuns: sobrecarga, acúmulo de funções, falta de pausas e metas inalcançĂĄveis,
além da falta de infraestrutura e exposição a riscos, como produtos tóxicos.
Até mesmo um trabalho de escritório pode ter impactos no corpo para além do
estresse, em função da falta de ergonomia e das longas horas sem movimentação.
"Algumas das doenças ocupacionais recorrentes são distúrbios osteomusculares,
que acometem as articulações e a coluna vertebral", afirma Rosylane. "JĂĄ em
relação à saúde mental, transtornos como depressão, ansiedade, síndrome do
pânico podem ter alguma relação com o trabalho."
Na pandemia de covid-19, o controle das horas
cumpridas pelo funcionĂĄrio em regime de teletrabalho se tornou uma tarefa mais
difícil. "No home office, muitas vezes os
trabalhadores lidam com outras demandas, como afazeres domésticos e familiares,
o que pode aumentar a sensação de sobrecarga e cansaço. Além disso, nem sempre
o trabalhador tem estrutura adequada em casa para um bom desempenho, o que
aumenta a exaustão", argumenta a médica.
Cortando os
excessos
Por enquanto, os resultados das
empresas britânicas participantes daquele projeto The 4-Day Week Global são positivos: a
semana reduzida parece manter, ou até aumentar, o nível de produtividade dos
trabalhadores. Nesse período de teste, a viabilidade do projeto é avaliada em
um estudo conduzido pelas universidades de Oxford e Cambridge, junto com o
Boston College, dos EUA.
Mas a redução da jornada é só uma das medidas
possíveis para criar um ambiente de trabalho saudĂĄvel. Estratégias mais
consolidadas, como dispor de um médico de trabalho, jĂĄ são obrigações das
empresas. "Os serviços de saúde ocupacional devem identificar e reduzir os riscos
ocupacionais, realizar exames ocupacionais periódicos nos funcionĂĄrios,
estabelecer e acompanhar o tratamento de trabalhadores que apresentem doenças
ocupacionais, ou então encaminhĂĄ-los a outros profissionais", explica
Rosylane. No caso de transtornos mentais, por exemplo, é possível que o
médico do trabalho encaminhe para um psiquiatra.
O burnout
Uma das consequĂȘncias da exaustão que ganharam
destaque é o burnout, condição também
conhecida como síndrome do esgotamento profissional, que afeta tanto a saúde
mental quanto física. De acordo com um levantamento da International Stress
Management Association (ISMA), estima-se que ele afete cerca de 30% dos
trabalhadores brasileiros.
O termo "burnout" surgiu nos anos 1970, criado pelo
psicólogo norte-americano Herbert Freudenberger. Inicialmente, a classificação
foi utilizada para nomear o resultado do estresse crônico nas "profissões do
cuidado", como é o caso de médicos e enfermeiros. Hoje, o burnout é considerado
um fenômeno ocupacional pela OMS, não se restringindo às profissões originais.
Em 2022, ele foi incluído na
Classificação Internacional de Doenças (CID), o que significa que o funcionĂĄrio
passa a ter direito a licença médica caso desenvolva a condição.
"O burnout é um fenômeno ocupacional, e não uma
doença em si. Segundo a OMS, é entendido como um dos fatores que levam as
pessoas a buscarem um serviço de saúde", explica Rosylane.
Os sintomas
do burnout
O Ministério da Saúde fez uma lista – lembre-se de
que isso deve estar relacionado ao trabalho:
Para fazer o diagnóstico
pelo Sistema Único de Saúde (SUS), o Ministério da Saúde indica buscar
atendimento na Rede de Atenção Psicossocial, acessada inicialmente a partir dos
Centros de Atenção Psicossocial (CAPS