Cerca de 175 moradores do
Distrito Federal que sofrem de hipertensão arterial pulmonar (HAP) estão há
dois meses sem acesso ao ambrisentana, medicamento usado para tratar a doença
rara. O fármaco, que custa, em média, R$ 5 mil e só é encontrado em drogarias
especializadas, está em falta nas Farmácias de Alto Custo da capital desde o
fim de junho, e pacientes temem ver seus quadros de saúde se agravarem.
O número referente à quantidade
de pacientes cadastrados nas Farmácias de Alto Custo do DF para receber o
ambrisentana é da Secretaria de Saúde (SES-DF) e da Associação Brasileira de
Apoio à Família com Hipertensão Pulmonar e Doenças Correlatas (Abraf),
organização não-governamental que apoia a comunidade.
Quem tem hipertensão arterial
pulmonar costuma sentir cansaço e falta de ar quando para de tomar o
medicamento. Esses sintomas, porém, não são leves como os nomes induzem: os
pacientes têm dificuldade para respirar até mesmo quando estão deitados e não
conseguem fazer atividades simples, como tomar banho e pentear o cabelo.
Alguns casos
Diagnosticada com HAP em 2009, a aposentada Roberta Fontinele, 45 anos, estava
adaptando o próprio organismo ao ambrisentana quando o medicamento parou de
chegar nas Farmácias de Alto Custo, em julho deste ano. "Eu faço uso [do
remédio] há pouco mais de dois meses. Logo que comecei, o fornecimento foi
interrompido. Se eu parar de tomar, meu quadro pode piorar drasticamente e me
levar a uma internação", comenta a mulher.
Roberta precisa de um comprimido
de dez miligramas do ambrisentana todos os dias. "Estou tomando doses reduzidas
porque recebi uma doação, mas a qualquer momento a minha cartela pode ficar
vazia", complementa.
Mesmo tomando o medicamento, a
aposentada não consegue mais exercer a própria profissão devido à hipertensão
rara. "Eu não trabalho mais, não consigo. Eu era confeiteira, fazia doces. Mas
de 2009 para cá, a doença foi avançando a cada ano e, agora, sem o
ambrisentana, estou pior", explica. "Tem sido muito difícil, porque a falta
dessa medicação descompensa meu tratamento. Fico cansada, com falta de ar,
muita sensação de desmaio e tontura", descreve.
Os sintomas de Roberta são
parecidos com os de outra moradora do DF, a também aposentada Silvani Siqueira,
50 anos. "Ficar sem o ambrisentana me traz muito cansaço e falta de ar ao fazer
pequenos esforços. Sinto dor no peito ao realizar atividades simples, como me
abaixar e levantar rapidamente, passar um pano na casa, varrer
qualquer
esforço dói", afirma Silvani.
A mulher sofre com a hipertensão
arterial pulmonar desde 2014. Silvani conta que, de lá para cá, enfrenta
períodos de desabastecimento anualmente. "Eu também tomo um comprimido de
ambrisentana por dia, mas, há dois meses, não consigo retirar o medicamento na
Farmácia de Alto Custo do Gama. Não posso interromper o tratamento, isso pode
me levar a uma internação."
Cinco paradas
cardiorrespiratórias
Roseane Diniz, 50 anos, também vive com HAP. Ela descobriu a doença de um jeito
trágico: no aniversário de 44 anos, em 2017, sofreu cinco paradas
cardiorrespiratórias, três paradas respiratórias e uma embolia pulmonar.
"Depois de socorrida, fui diagnosticada com a HAP", relembra.
A mulher, que trabalhava com
decoração floral em eventos como casamentos e aniversários, conta que o
ambrisentana dá "mais qualidade de vida" a ela. Roseane reclama, no entanto,
que a Farmácia de Alto Custo costuma falhar na distribuição. "Quando eu recebia
[o ambrisentana] na Farmácia Judicial, era maravilhoso, pois tínhamos data
certa para receber. No entanto, quando passamos a retirar na Farmácia de Alto
Custo, em 2023, sempre ocorre de faltar o medicamento."
"Vou à farmácia orando para que
lá esteja o meu remédio e, infelizmente, há quase três meses, não tem dado
certo."
Os sintomas de Roseane são
similares aos dos demais pacientes. "O cansaço e a falta de ar que eu sinto me
obrigam a usar oxigênio. Fico sem condições de fazer nada, é muito complicado.
Isso abala nosso psicológico."
Por que tanto cansaço e falta de
ar?
A pneumologista Verônica Amado, do Hospital Universitário de Brasília (HUB),
explica por que os pacientes com hipertensão arterial pulmonar têm sintomas tão
intensos. "A HAP é uma doença que compromete os vasos arteriais pulmonares,
causando estreitamento da parte interna e dificultando a passagem do sangue
através desses vasos. Para tentar manter o fluxo sanguíneo, o lado direito do
coração precisa gerar mais pressão, mas com o progredir da doença, o coração
entra em falência, o que chamamos de insuficiência cardíaca direita", afirma a
especialista.
"Assim, os pacientes passam a não
receber o fluxo de sangue necessário para executar tarefas básicas, como
caminhar e tomar banho, e sentem progressiva falta de ar ao realizar esforços,
podendo ainda apresentar desmaios e inchaços nas pernas."
Verônica, que também é professora
da Universidade de Brasília (UnB), alerta que a doença rara pode levar à morte.
"Com o agravamento do quadro e o desenvolvimento da insuficiência cardíaca
direita, o fluxo de sangue para o corpo se reduz progressivamente e, em
estágios avançados da HAP, o paciente pode vir a falecer", conta.
A partir daí, a importância da
medicina e dos medicamentos corretos. Sem os fármacos como o ambrisentana, a
taxa de mortalidade era muito maior. "Antes de dispormos das medicações
vasodilatadoras pulmonares, 50% dos pacientes morriam após cerca de 2 anos e 8
meses do diagnóstico da doença. Com o tratamento vasodilatador adequado, temos,
atualmente, entre 75% e 80% de sobrevida após três anos de diagnóstico do
paciente", frisa a pneumologista.
Para a educadora, falta melhor
controle por parte do poder público no que diz respeito à aquisição e
distribuição do ambrisentana e de outras drogas contra a HAP. "É necessário
controlar as demandas e saber o tempo necessário para aquisição de novo
estoque; controlar o número de novas demandas, estimando os acréscimos de
produtos necessários periodicamente; e manter diálogo com os centros que tratam
desses pacientes para o planejamento de novas compras, baseando-se em
estratégias compartilhadas de tratamento."
"Não se trata de nenhum fluxo
anormal de gestão de suprimento, tampouco de falta de verba, uma vez que essas
medicações são reembolsadas pelo Ministério da Saúde", aponta Verônica Amado.
·
"Na capital do país"
A presidente da Associação Brasileira de Apoio à Família com Hipertensão
Pulmonar e Doenças Correlatas (Abraf), Flávia Lima, acredita que o DF tem
falhado em processos licitatórios. "A gente sempre procura a Secretaria de
Saúde para tentar entender o que está acontecendo e, às vezes, eles alegam que
há uma licitação em andamento, mas acontece de um fornecedor vencer o processo
e não entregar a medicação. Isso não pode ocorrer", alega Flávia. "Em estados
como São Paulo, por exemplo, isso não acontece."
Para a presidente da Abraf, é
necessário um "processo de compra contínuo". "Estamos tratando de uma doença
crônica e muito grave, não podemos lidar com falta de medicamentos de forma
alguma. É lamentável que, na capital do país, ocorram desabastecimentos com
tanta frequência".
Desabastecimentos anteriores
Não é a primeira vez que faltam medicamentos para pacientes com hipertensão
arterial pulmonar no DF. Em abril de 2022, pacientes que usavam o sildenafila
com dosagem de 20 mg lidaram com a falta do fármaco; em setembro do mesmo ano,
a droga em escassez foi a bosentana.
O que diz a SES-DF
Em nota à reportagem, a Secretaria de Saúde do Distrito Federal (SES-DF)
informou que o processo para compra do ambrisentana está em andamento, nas doses
de 5 mg e 10 mg. Perguntada sobre em que pé anda o processo, a pasta respondeu
que a aquisição "segue os ritos obrigatórios de licitação", sem dar detalhes
nem prazos.
Fonte: agoranoticiasbrasil.com.br/