Investigado por manter um patrimônio supostamente incompatível com seus
rendimentos, o juiz federal Alderico Rocha Santos tem 58 anos e ingressou na
magistratura em 1994, no Tribunal de Justiça de Goiás. O magistrado comprou
duas fazendas por R$ 33,5 milhões e responde a um processo disciplinar no
Conselho Nacional de Justiça (CNJ) que pode resultar em sua aposentadoria
compulsória.
Além das fazendas, o patrimônio de Alderico Santos inclui um carro de
luxo avaliado em R$ 500 mil e seu nome aparece vinculado a empresas. Ele figura
como sócio da Agropecuária Sucesso, em Britânia (GO), mesma cidade onde está
localizada uma das fazendas compradas, adquirida por R$ 15 milhões.
A empresa se ramifica em quatro CNPJs diferentes, referentes a uma
matriz e uma filial e às fazendas Ferrão de Prata e Capão de Anta. A atividade
principal é criação de bovinos de corte, e o capital social registrado da
empresa é de R$ 39 milhões. O juiz também aparece como sócio do Residencial Pôr
do Sol, empreendimento imobiliário na cidade de Nazário (GO), com capital
social de R$ 660 mil.
Em seu nome, Alderico Rocha Santos tem pelo menos quatro veículos, sendo
duas motos Honda CG e XLR 125 modelos 1999 e 2000, um Gol modelo 2007 e um Ford
Mustang Mach 1 modelo 2022. No mercado, um Mustang Mach 1, ano 2022, custa em
torno de R$ 500 mil.
Denúncia
A investigação do Ministério Público Federal começou a partir da
denúncia feita pela proprietária de uma das fazendas, de R$ 15 milhões. Com
base nas informações apresentadas por Adriane Borges, a procuradora Ana Paula
Mantovani Siqueira pediu a aposentadoria compulsória do magistrado.
Ela apontou o cometimento de "atos vedados à Magistratura (gestão de
empresa), sucessivos atos escandalosos e atentatórios à dignidade, honra e ao
decoro da função de juiz". E, por fim, indicou o "uso dos contatos e da posição
de juiz para fins privados".
À coluna, Alderico Rocha Santos se pronunciou sobre a ligação com
empresas: "Antes, o magistrado podia comprar e vender, era a coisa mais
natural. Agora, o CNJ [Conselho Nacional de Justiça] começou a ter uma
interpretação mais restrita, dizendo que o juiz não pode exercer essas
atividades porque são incompatíveis com a magistratura. Ok. Mas essa é uma
interpretação mais recente. Por isso que eu parei com tudo", argumentou.
Carlinhos Cachoeira
Nascido em Balsas, no Maranhão, Valderico Rocha Santos se formou em direito
pela Faculdade Anhanguera de Ciências Humanas em Goiás. O juiz iniciou a
carreira como procurador judicial da Caixa Econômica Federal em Goiânia entre
1992 a 1994. Naquele ano, ingressou na magistratura na Justiça de Goiás, onde
atuou também como juiz Eleitoral. Em 1997, foi aprovado em concurso para a
Justiça Federal. O juiz integrou o Tribunal Regional Eleitoral de Goiás
(TRE/GO) entre 2015 e 2017, como substituto, e de 2019 a 2021, como titular.
Em 2012, Valderico Santos assumiu o processo resultante da Operação
Monte Carlo, da Polícia Federal, que levou à prisão o bicheiro Carlinhos
Cachoeira. A operação investigou um esquema de exploração de jogos ilegais e
corrupção em Goiás e no Distrito Federal. Além de Cachoeira, que ficou detido
por 9 meses, 30 pessoas foram presas em quatro estados e no DF, suspeitas de
ligação com a organização. Uma frota de 21 veículos de luxo também foi
apreendida.
A operação resultou na cassação do senador Demóstenes Torres e na denúncia
de 80 pessoas pelos crimes de formação de quadrilha, corrupção ativa, violação
de sigilo funcional, advocacia administrativa, peculato e furto. No andamento
da ação, a esposa de Cachoeira na época, Andressa Mendonça, chegou a ser
processada por ameaçar e oferecer vantagens indevidas a Valderico Santos em
troca da liberdade do marido. Ela foi absolvida.
Em 2015, o juiz condenou 46 réus da Operação Monte Carlo, entre eles 21
delegados e agentes de polícia civil e policiais militares. Alderico Rocha
Santos decretou o ressarcimento de bens e a perda dos cargos públicos. Com
penas inferiores a 4 anos de reclusão, tiveram suas condenações convertidas em
prestação de serviços comunitários e pagamento de multas.
Antes, em 2002, ele determinou a prisão do ex-presidente do Congresso
Nacional Jader Barbalho em meio a investigações sobre desvios na
Superintendência de Desenvolvimento da Amazônia (Sudam).
"Patrimônio três vezes maior"
O juiz Alderico Rocha Santos entrou em contato com a coluna via WhatsApp. Ele
se manifestou por meio de mensagens de áudio: "Em 2004, 2005, eu já tinha 1.276
alqueires de terra, que era três vezes mais do que a terra que eu tenho hoje,
que é de 400 e poucos alqueires, que corresponde a R$ 33 milhões. E, em 1991,
por questão de direito hereditário, minha mãe faleceu, eu já tinha uma fazenda
lá no Maranhão".
"Eu fui advogado da Caixa Econômica, fui juiz estadual, procurador da
República, trabalhei em bancos. Então, quando eu ingressei na Justiça Federal,
meu patrimônio já era três vezes mais do que o que eu tenho hoje", argumentou.
Posição do MPF
Para a procuradora federal Ana Paulo Mantovani Siqueira, do MPF-GO, autora do
pedido de aposentadoria compulsória contra o magistrado, Alderico Santos não
conseguiu apresentar documentos que comprovassem a renda usada na aquisição do
patrimônio.
"O valor total apenas das duas fazendas compradas pelo magistrado em
2022 supera em mais de 10 vezes o patrimônio declarado em 31/12/2008, o que
reforça a necessidade de aprofundamento das investigações para análise da
licitude da origem dos bens, uma vez que o exponencial crescimento patrimonial,
salvo melhor juízo, não parece guardar compatibilidade com os rendimentos
recebidos pelo desempenho de cargos públicos", observa a procuradora.
Em sua defesa, Santos alegou que os pagamentos se referem a imóveis
vendidos pelo magistrado. Ele também atribuiu sua evolução patrimonial ao
trabalho como juiz desde 1997, a dinheiro recebido do pai, venda de imóveis e
rendimentos como sócio de um curso de disciplinas jurídicas, além da atividade
pecuária.
Os argumentos não foram acolhidos pela procuradora, que apontou a
ausência de documentação que comprovasse as fontes de renda. "Não obstante a
argumentação, a evolução do patrimônio do juiz reclamado não foi demonstrada
documentalmente, sobretudo, em suficiência e adequação para fazer frente ao
vultosos negócios aqui em consideração. De fato, o magistrado não apresentou
provas dos recursos recebidos de seu genitor e da destinação que lhes foi dada;
dos vencimentos recebidos pelo desempenho dos cargos públicos; dos lucros
auferidos na exploração da atividade educacional; nem dos ganhos com a
atividade pecuária e com os investimentos imobiliários", disse Mantovani.
"Dessa forma, não houve comprovação do desenvolvimento lícito do patrimônio
do reclamado de modo a justificar a capacidade econômico-financeira revelada
com a aquisição das fazendas referidas nestes autos pelo substancial montante
de R$ 33.558.000,18", concluiu.
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