Em um momento em que os ministérios da Fazenda e do Planejamento são
cobrados pelo mercado e pelo setor produtivo a realizar um ajuste fiscal pelo
lado das despesas, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva afirmou que não vê
problema se o déficit fiscal for zero, de 0,1% ou de 0,2% do PIB. Ele disse
ainda ser aceitável não cumprir a meta fiscal se houver "coisas mais
importantes para serem feitas".
"Você não é obrigado a estabelecer uma meta e cumpri-la se você tiver
coisas mais importantes para fazer. Este país é muito grande, este país é muito
poderoso. O que é pequeno é a cabeça dos dirigentes e a cabeça de alguns
especuladores", afirmou o presidente, em entrevista à TV Record que foi ao ar
ontem à noite. Trechos da entrevista foram divulgados durante o dia pelo portal
R7, ligado à emissora.
Lula disse que o "importante é que este país esteja crescendo, que a
economia esteja crescendo, que o emprego esteja crescendo, que o salário esteja
crescendo". Também afirmou que precisa "estar convencido" se "há necessidade ou
não de cortar (gastos)". Em outro trecho da entrevista, porém, disse que fará o
"necessário para cumprir o arcabouço fiscal" – que prevê o déficit zero.
A reação no mercado foi quase imediata. O dólar à vista, que operava em
baixa pela manhã, ganhou força, trocou de sinal e chegou a bater em R$ 5,46 às
13h39, quando as primeiras declarações começaram a circular. Voltou a
desacelerar ao longo da tarde, para fechar em R$ 5,42, com queda de 0,28%, na
esteira da projeção de corte dos juros nos EUA.
A fala de Lula reacendeu a preocupação no mercado de que a equipe
econômica anuncie, na próxima semana, um contingenciamento (congelamento
preventivo de despesas) menor do que o considerado necessário para cumprir a meta
de déficit zero para 2024.
Na segunda-feira, 22, está prevista a divulgação do terceiro relatório
bimestral de receitas e despesas, e a expectativa dos analistas é de anúncio de
um bloqueio de recursos mais expressivo, a fim de demonstrar compromisso com a
meta e com o limite de gastos estabelecido pelo arcabouço – que prevê alta real
(acima da inflação) de até 2,5% ao ano.
Interlocutores ouvidos pelo Estadão/Broadcast apontam que as cifras
iniciais de contingenciamento em debate dentro do governo estavam na faixa de
R$ 10 bilhões. Economistas projetam, porém, que seria necessário um montante
bem mais expressivo: ao redor de R$ 40 bilhões.
Haddad: Relatório deve trazer contingenciamento de gastos
O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, afirmou ontem que "possivelmente"
haverá bloqueio e contingenciamento (congelamento preventivo de gastos) no
anúncio do novo relatório bimestral de receitas e despesas – previsto para a
próxima segunda-feira. Ele acrescentou que o número, no entanto, não foi ainda
levado ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
Segundo Haddad, a Junta de Execução Orçamentária (JEO) deve se reunir
nesta semana para tratar do tema e divulgar o quadro fiscal ao chefe do
Executivo na semana que vem. O anúncio da próxima segunda-feira é encarado no
mercado como um teste sobre o comprometimento efetivo do governo com a meta
fiscal deste ano.
Haddad também minimizou as declarações de Lula sobre não haver problema
em registrar um déficit de 0,1% ou de 0,2% do PIB nas contas públicas do País.
Lula disse também que ainda precisa "ser convencido" sobre a necessidade de
cortar gastos. Haddad afirmou que a divulgação das falas do presidente – feitas
em entrevista à TV Record, mas que teve trechos divulgados ao longo da tarde
pelo portal da emissora – se deu de forma "descontextualizada", e reiterou o
compromisso do chefe do Executivo com o cumprimento do arcabouço fiscal.
"O problema é que, quando você solta uma frase descontextualizada, você
gera desnecessariamente uma especulação em torno do assunto. Eu colhi algumas
frases, não tinha visto a entrevista ainda, liguei para a Secom (Secretaria de
Comunicação) e pedi a íntegra da resposta", disse Haddad.
Haddad reforçou que o presidente reiterou seu compromisso com o
arcabouço fiscal. "A lei é deste governo. Ele (Lula) falou: "Vou fazer o
possível para cumprir o arcabouço fiscal porque não cheguei agora à
Presidência, já tenho dois governos entregues e aprendi a administrar as contas
da minha casa e do País com a mesma seriedade e tranquilidade"", afirmou.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.