Nas últimas
semanas, as instalações de Médicos Sem Fronteiras (MSF) no norte da Nigéria
registraram um aumento expressivo no número de admissões de crianças com desnutrição
grave, algumas delas com complicações potencialmente fatais. Em alguns locais,
o aumento dos atendimentos dobrou em relação ao ano passado. É uma situação
terrível, uma vez que o elevado número de pacientes e o aumento dos casos de
desnutrição estão ocorrendo antes do pico esperado, que normalmente acontece em
julho.
"Estamos tendo
de recorrer a colchões no chão para tratar os pacientes porque as nossas
instalações estão lotadas. As crianças estão morrendo. Se não forem tomadas
medidas imediatas, mais vidas estarão em perigo. Todos precisam intervir para
salvar vidas e permitir que as crianças do norte Nigéria se livrem da
desnutrição e de suas consequências desastrosas, que a longo prazo podem ser
fatais", defende o Dr. Simba Tirima, representante nacional de MSF na Nigéria.
A assistência humanitária deve ser
urgentemente intensificada. MSF apela às autoridades nigerianas, organizações
internacionais e instituições doadoras para que tomem medidas imediatas para
diagnosticar e tratar crianças com desnutrição, prevenindo complicações e
evitando mortes. Também pedimos para que esses atores se envolvam em
iniciativas sustentáveis e de longo prazo para reduzir as causas relativas a
este problema urgente.
"Temos alertado sobre o agravamento
da crise de desnutrição nos últimos dois anos. Os anos de 2022 e 2023
já foram críticos, mas um quadro ainda mais sombrio se desenrola em 2024. Não
podemos continuar repetindo esses cenários catastróficos ano após ano. O
que é preciso fazer para que todos percebam e tomem alguma atitude?",
indaga o Dr. Tirima.
Número de admissões
dobra em Maiduguri
Em abril de 2024, a
equipe médica de MSF em Maiduguri, no nordeste da Nigéria, atendeu 1.250
crianças com desnutrição grave e complicações no centro de nutrição terapêutica
intensiva, o dobro do número em relação a abril de 2023. Forçado a aumentar
urgentemente a capacidade, no final de maio, o centro acomodou 350 pacientes,
ultrapassando em muito os 200 leitos inicialmente designados para a época de
pico da desnutrição, que é de julho a agosto.
Também no nordeste da Nigéria, a
instalação operada por MSF no hospital Kafin Madaki, no estado de Bauchi,
registrou um aumento significativo de 188% no número de admissões de crianças
com desnutrição grave durante os primeiros três meses de 2024, em comparação
com o mesmo período de 2023.
Na parte noroeste do país, no estado
de Zamfara, os centros intensivos em Shinkafi e Zurmi receberam até 30% mais
pacientes em abril em comparação com março. A instalação de Talata Mafara
registrou um aumento de cerca de 20% no mesmo período. De forma semelhante, em
abril, as instalações intensivas de MSF em grandes cidades como Kano e Sokoto
reportaram aumentos alarmantes, de 75% e 100%, respectivamente. O centro de
nutrição terapêutica no estado de Kebbi também documentou um aumento de mais de
20% nas admissões de março a abril de 2024.
Apesar da situação
alarmante, a resposta humanitária global continua inadequada. Outras
organizações sem fins lucrativos ativas no norte da Nigéria também estão
sobrecarregadas. A Organização das Nações Unidas (ONU) e as autoridades
nigerianas emitiram um apelo urgente em maio no valor de US$ 306,4 milhões para
responder às necessidades nutricionais imediatas nos estados de Borno, Adamawa
e Yobe. No entanto, isso será insuficiente, ao ignorar outras partes do norte
da Nigéria onde as necessidades também superam a capacidade atual das
organizações para responder de forma adequada.
Situação
catastrófica
A situação
nutricional catastrófica observada nos últimos anos no norte da Nigéria exige
uma resposta maior. A região já é persistentemente excluída da resposta
humanitária formal, e as reduções no limitado financiamento disponível para o
noroeste também afetaram perigosamente o fornecimento de alimentos terapêuticos
e suplementares cruciais.
Esses fornecimentos estiveram
completamente indisponíveis no estado de Zamfara durante os primeiros quatro
meses deste ano e agora só estão disponíveis em quantidades menores. Com a
redução, só é possível fornecer tratamento para casos de desnutrição mais
graves, comprometendo uma resposta eficaz que também trate a desnutrição em uma
fase mais precoce da sua progressão e evite expor as crianças a um maior risco
de mortalidade.
"Estamos alarmados
com a redução da ajuda nestes tempos críticos. Diminuir o apoio nutricional
apenas às crianças com desnutrição grave é o mesmo que esperar que uma criança
fique gravemente doente antes de fornecer os devidos cuidados. Pedimos para que
os doadores e as autoridades aumentem urgentemente o apoio às abordagens
curativas e preventivas, garantindo que todas as crianças com desnutrição
recebam os cuidados de que necessitam urgentemente", afirma o Dr. Tirima.
A persistente crise de desnutrição no
norte da Nigéria decorre de uma variedade de fatores, como inflação,
insegurança alimentar, infraestrutura de saúde insuficiente, problemas de
segurança contínuos e surtos de doenças agravados pela baixa cobertura vacinal.
O combate à
desnutrição aguda no norte da Nigéria requer medidas preventivas e curativas. A
criação e o reforço de instalações e programas de saúde capazes de diagnosticar
e tratar de forma eficaz a desnutrição são medidas necessárias e urgentes. Além
disso, reforçar os programas de vacinação que podem ajudar a prevenir doenças
evitáveis; ampliar o acesso a alimentos nutritivos por meio de iniciativas
agrícolas e programas de distribuição de alimentos e melhorar as condições da
água e do saneamento são passos fundamentais.