São Paulo – O Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) escancarou as portas
para que associações sem fins lucrativos acusadas de aplicarem descontos
indevidos em aposentadorias faturassem mais de R$ 2 bilhões desde janeiro de
2023. Essas entidades respondem a 62 mil processos judiciais em todo o país e
chegam a ganhar mais de R$ 30 milhões por mês com contribuições descontadas
diretamente da folha de pagamento dos aposentados.
Dados obtidos com exclusividade pelo Metrópoles, por meio da Lei
de Acesso à Informação, mostram que existem hoje 29 associações autorizadas
pelo INSS a praticar "desconto de mensalidade associativa" nos benefícios de
aposentadoria e pensão, por meio de acordos de cooperação técnica. No início do
ano passado, eram 21 entidades aptas a aplicar a contribuição em troca de
supostos serviços oferecidos aos associados, como assistência em saúde.
No período, o número de filiados explodiu, assim como o
faturamento mensal dessas associações, que saltou de R$ 85 milhões, no início
de 2023, para R$ 250 milhões atualmente. O problema é que dezenas de milhares
de aposentados dizem ter sido filiados a essas entidades sem autorização, o que
é ilegal, e se veem obrigados a acionar a Justiça para conseguir reaver o
dinheiro descontado indevidamente.
Associação em nome de laranja
O Metrópoles apurou que parte dessas associações está em nome de aposentados de
até 80 anos de idade e moradores da periferia das capitais do país. Esse é o
caso da Associação dos Aposentados Mutualistas para Benefícios Coletivos
(Ambec), entidade que mais cresceu no último ano, saltando de 40 mil para 600
mil associados e faturando R$ 30 milhões por mês, 1.500% a mais do que há um
ano – R$ 1,8 milhão.
A Ambec tem um acordo com o INSS para descontar R$ 45 por mês de
aposentados em troca de supostos benefícios. Em todo o país, a associação já
foi alvo de 4,7 mil processos judiciais e acumula condenações por danos morais.
A entidade fica sediada em um escritório na Vila Olímpia, na zona sul de São
Paulo, onde toda semana chegam dezenas de intimações judiciais.
Como o Metrópoles revelou em dezembro do ano passado, a Ambec foi
criada em nome de laranjas – tinha como presidente formal a auxiliar de
dentista Maria Inês Batista de Almeida, de 63 anos, que mora na periferia da
zona leste de São Paulo –, mas, na prática, é uma associação ligada a
seguradoras de saúde de um empresário próximo de lobistas e políticos do
Centrão no Congresso Nacional.
Trata-se do empresário Maurício Camisotti, dono do Grupo Total Health,
que apareceu na investigação da CPI da Covid, em 2021, como autor de uma
transferência de R$ 18 milhões à Precisa Medicamentos, do lobista Francisco
Maximiano, envolvido na negociação de compra da vacina indiana Covaxin pelo
governo federal, que acabou cancelada por suspeita de fraude.
E-mails, conversas de WhatsApp e documentos reunidos pelo advogado
Eli Cohen, advogado da empresa que cuida da gestão da Ambec – cujo sócio e
antigo homem de confiança rompeu com o empresário – sugerem a participação de
Camisotti na escolha de supostos laranjas para presidir as entidades e mostram
que as seguradoras pelas quais os aposentados pagam quando se filiam à
associação são do grupo dele.
Nas interpelações judiciais feitas pela empresa defendida por
Cohen, há menção, inclusive, a um ex-agente do INSS citado como vendedor de
dados pessoais de aposentados para a Ambec. O Ministério Público Federal (MPF)
abriu dois inquéritos para investigar fraudes contra aposentados atribuídas à
entidade. Ambos foram unificados e estão em andamento.
O Metrópoles procurou
Maurício Camisotti e a Ambec, mas não obteve retorno até a publicação desta
reportagem. O espaço segue aberto para manifestação.
Assinatura falsa
Grande parte das pessoas prejudicadas por essas entidades são
pobres, moradores de periferias e com baixo grau de escolaridade. São as que
mais dependem do dinheiro da aposentadoria e recebem o piso do INSS,
equivalente a R$ 1,4 mil mensais. Há casos nos quais fraudes em assinaturas e
abordagens predatórias ficaram comprovadas pela Justiça em duras sentenças que
aplicam às associações multas por danos morais.
Esse é o caso, por exemplo, de Emília Rodrigues, moradora de
Araraquara, no interior de São Paulo, que afirmou à Justiça ter descoberto
descontos de R$ 47 mensais da Rede Ibero Americana de Associações de Idosos do
Brasil (Riaam), de Minas Gerais. A entidade é presidida por uma aposentada de
Belo Horizonte de 75 anos de idade, fatura mensalmente R$ 1,3 milhão e tem 23
mil associados.
Assim como Emília, mais de mil pessoas processaram a entidade. No
caso dela, a Riaam tentou provar que a aposentada era associada a uma ficha
supostamente assinada por ela. Não deu certo. Uma perita nomeada pela Justiça
atestou que a assinatura era falsa, o que deu ensejo a uma condenação da entidade.
Procurada pelo Metrópoles,
a Riaam não respondeu até a publicação desta reportagem. O espaço segue aberto
para manifestação.
Entidade de Sergipe filiou paulista com RG antigo
Outra entidade cujo salto de filiados e faturamento chama a atenção é a
Associação Universo, que dobrou de tamanho entre 2023 e 2024 e tem 296 mil
filiados. Segundo dados do INSS, ela fatura R$ 11 milhões por mês. No início do
ano passado, eram R$ 2 milhões mensais. No boleto dos aposentados, ela aparece
como "APPS Universo". Sua presidente é uma aposentada de 79 anos.
A Universo tem a peculiaridade de ser alvo de ações inclusive no
interior de São Paulo, apesar de sediada em Sergipe. Em uma delas, o próprio
juiz do caso notou que um homem residente em Presidente Venceslau desde 2012
seria um associado em Mato Grosso do Sul. O RG dele em posse da entidade é de
antes de 2017, mas, segundo a própria Universo, ele foi filiado em 2022. A
entidade foi condenada a pagar R$ 3 mil a ele por danos morais.
A advogada Joana Vargas, que representa a Universo, afirmou que a
entidade existe há 17 anos e oferece "uma série de benefícios e vantagens
essenciais à terceira idade".
"Estamos em constante evolução na implementação de procedimentos
de segurança, no sentido de propiciar ao associado máxima clareza no objeto da
adesão, como também mecanismos de certificação da idoneidade da operação. Não
obstante, eventuais equívocos detectados no momento da filiação são imediatamente
resolvidos e, se necessário, indenizados", afirmou.
Inscrita há 4 meses já fatura R$ 10 milhões
Na lista de entidades com nomes exóticos que têm aparecido como destinatárias
de pequenos descontos nas folhas de pagamento dos aposentados está, por
exemplo, a Master Prev. Ela firmou seu termo de cooperação com o INSS em
novembro de 2023 e já fatura R$ 10 milhões.
Na Justiça, há 431 processos contra a entidade sobre cobranças
abusivas de aposentados que dizem desconhecê-la. A presidente do local é uma
aposentada de 65 anos moradora de Santos, no litoral paulista. Ela assumiu o
posto em julho do ano passado, em uma ata registrada num cartório de São Paulo.
Procurada, a Master Prev não se manifestou.
Salto de 400% no faturamento
A Amar Brasil tinha faturamento de R$ 2,4 milhões em janeiro de 2023 e hoje
arrecada R$ 10 milhões mensais com contribuições de aposentados. Até 2022,
quando foi registrada a eleição de sua nova diretoria, repleta de aposentados
de São Paulo, a entidade estava registrada em Belo Horizonte (MG).
Após a troca de dirigentes, muito comum em diversas associações
que firmaram contratos com o governo nos últimos anos, o endereço mudou para
uma sala na Vila Olímpia, em São Paulo. A mudança foi registrada em cartório em
novembro de 2022, mesmo ano em que a Amar Brasil firmou seu contrato com o
INSS.
Em uma das condenações na Justiça por descontos indevidos, o juiz
do caso afirmou que a associação "não trouxe nenhum documento comprovando a
referida contratação" da aposentada que a processou. Segundo dados do INSS, no
início deste ano, a Amar tinha 212 mil filiados. Ela responde a 3,3 mil
processos judiciais.
Questionada pelo Metrópoles, a Amar Brasil apenas afirmou que
estaria comprometida "com os associados" e que acionou o setor responsável para
"prestar os devidos esclarecimentos" ao que foi apresentado pela reportagem,
sem dar mais esclarecimentos.
O que diz o INSS
O Metrópoles questionou o INSS sobre os descontos indevidos feitos por entidades
e sobre o aumento das parcerias e reclamações contra elas. O órgão não se
manifestou.
Em dezembro, o INSS afirmou apenas que "mantém acordos de
cooperação técnica com entidades de classe para desconto de mensalidade
associativa com algumas instituições", com base na Lei nº 8.213/1992 e no
Decreto nº 3.048/1999. "Desde que autorizada pelos filiados, a mensalidade
associativa pode ser descontada diretamente do benefício. Cabe destacar que o
desconto não é do INSS, mas sim da entidade", diz o órgão. Ainda segundo o
INSS, "o beneficiário que for descontado indevidamente deve entrar em contato
com a entidade por meio do SAC, que consta na própria rubrica de desconto no
extrato de pagamento, ou pode pedir o serviço de excluir mensalidade
associativa pelo Meu INSS ou Central 135."
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