RIO DE JANEIRO, RJ (FOLHAPRESS)–
O relatório da Polícia Federal usado para prender os suspeitos de terem mandado
matar a vereadora Marielle Franco (PSOL) e seu motorista Anderson Gomes não
apresenta provas que confirmem os encontros com os irmãos Domingos e Chiquinho
Brazão, detidos neste domingo (24), relatados na delação do ex-PM Ronnie Lessa.
Essas provas de corroboração ajudam a
comprovar que um delator falou a verdade.
As evidências para tentar comprovar os
relatos da delação premiada do ex-PM, acusado de ser o executor do crime,
sequer estabelecem uma vinculação entre a família Brazão e o delegado Rivaldo
Barbosa, ex-chefe de Polícia Civil acusado de participar da preparação do
homicídio e atuar para obstruir as investigações.
As novas provas obtidas pela PF, porém,
apontam a provável origem do veículo clonado usado para o homicídio e indicam
um possível local de descarte das munições usadas no crime. O relatório também
relata tentativas frustradas de ratificar a colaboração do ex-PM com provas
independentes.
O deputado federal Chiquinho Brazão e o
irmão Domingos Brazão, conselheiro do TCE (Tribunal de Contas do Estado), foram
presos neste domingo (24) suspeitos de serem os mandantes do crime, cometido há
seis anos. Eles negam terem participado do homicídio.
Rivaldo também foi preso sob suspeita
de garantir a impunidade dos mandantes e executores antes do crime. A PF afirma
também que ele atuou para dificultar as investigações. O delegado nega
envolvimento no caso.
As provas de corroboração para a
autorização de medidas cautelares, como prisão preventiva, se tornaram uma
exigência expressa em 2019, após a aprovação do pacote anticrime. Foi uma
reação aos alegados abusos da Operação Lava Jato.
Em seu relatório, a PF reconhece as
dificuldades em comprovar pontos da delação de Lessa em razão dos seis anos do
crime. Aponta também como empecilho o envolvimento de agentes de segurança
capazes de encobrir rastros e dificultar as investigações.
"Diante do abjeto cenário de ajuste
prévio e boicote dos trabalhos investigativos, somado à clandestinidade da
avença perpetrada pelos autores mediatos, intermediários e executor, se mostra
bem claro que, após seis anos da data do fato, não virá à tona um elemento de
convicção cabal acerca daqueles que conceberam o elemento volitivo voltado à
consecução do homicídio de Marielle Franco e, como consequência, de seu
motorista Anderson Gomes", afirma o relatório.
"Neste sentido, a concatenação dos
fatos trazidos pelos colaboradores, notadamente Ronnie Lessa, e a profusão de
elementos indiciários revestidos de um singular potencial incriminador dos
irmãos Brazão são aptos a atribuí-los a autoria intelectual dos homicídios ora
investigados."
O "potencial incriminador dos irmãos
Brazão" é descrito em capítulo a parte, na qual a PF descreve a trajetória
política polêmica do ex-deputado Domingos, suas ligações com milicianos, o
envolvimento de assessores com grilagem de terras e a intricada rede de
empresas da família.
Lessa relatou três encontros com a
família Brazão, intermediados por Edmilson de Oliveira, o Macalé. Não há prova
independente sobre a realização de nenhum deles.
O primeiro ocorreu no segundo semestre
de 2017, quando o crime teria sido encomendado. De acordo com o ex-PM, ele e
Macalé se encontraram na lanchonete Baladinha e partiram em direção às
imediações do hotel Transamérica, ambos na Barra da Tijuca (zona oeste), para
encontrar os irmãos Brazão.
A PF afirma não foi possível encontrar
registro das antenas de celulares referentes a 2017. Contudo, indicou que, em
2018, Macalé de fato frequentou a lanchonete.
Lessa afirma na delação que, após
aceitar participar do crime, Macalé foi o responsável por lhe fornecer a arma
para o crime. O ex-PM afirma ter testado o equipamento em um motel abandonado.
A PF afirma ter ido ao local tentar
encontrar fragmentos balísticos que corroborassem a declaração. Contudo, o
administrador do local afirmou que um trator fez uma limpeza da área entre 2018
e 2019.
Uma das poucas informações corroboradas
com prova independente foi a origem do Cobalt usado no crime. Lessa afirmou que
Otacílio Antônio Dias Junior, identificado como Hulkinho, repassou o veículo
com placa clonada para o ex-bombeiro Maxwell Simões Correa, o Suel, também
acusado de participar no crime.
Em depoimento à PF, Hulkinho confirmou
o relato de Lessa, afirmando que não sabia como o carro seria usado.
O segundo encontro, também perto do
hotel Transamérica, não tem data especificada no relatório. Segundo o delator,
a reunião teria como objetivo demover os irmãos da exigência de que o crime não
fosse cometido partindo da Câmara dos Vereadores.
De acordo com o ex-PM, essa foi uma
exigência imposta por Rivaldo para permitir a obstrução da investigação.
A terceira reunião ocorreu, de acordo
com Lessa, em abril de 2018, cerca de um mês após o crime, em local não
descrito pela PF. Esse encontro teve como objetivo tranquilizar o ex-PM sobre
as investigações. Os irmãos Brazão afirmaram, diz o delator, que Rivaldo
estaria agindo para desviar o foco da apuração.
Nesse encontro, o ex-PM diz que
Domingos reafirmou um pedido feito antes do crime: a devolução da arma do
crime.
Dias após esse encontro, Lessa e Macalé
encontraram dois homens ligados à família Brazão em Rio das Pedras (zona norte
do Rio) para entregar a submetralhadora. O ex-PM afirmou na delação que um
assessor de Domingos sacou os carregadores da arma e "se dirigiu a um córrego a
dois metros dali, momento no qual se debruçou numa cerca e dispensou as munições
sobressalentes na água".
A PF foi ao local e encontrou um rio.
Segundo moradores informaram aos agentes, a prefeitura havia realizado obras de
desassoreamento do córrego utilizando tratores e caminhões, ampliando o curso
d"água. O relatório aponta que realmente existia uma cerca, como descrito por
Lessa.
As principais provas de corroboração
obtidas pela PF se referem à relação entre Lessa e a família Brazão. O ex-PM
afirma ter conhecido os irmãos entre 1999 e 2000, através de Macalé. Eles
teriam mantido contato semanal num haras da família. Dois funcionários do local
confirmaram que o delator frequentou o espaço no período indicado.
A PF também aponta como evidência
independente o envio de mensagens de um topógrafo sobre regularização de
condomínios irregulares, segundo Lessa, ligado a paramilitares. Para a polícia,
o vínculo entre os dois reforça a informação do delator de que ele receberia da
família Brazão, como recompensa pelo crime, uma área para explorar como
miliciano.
O relatório não aponta corroboração
para o envolvimento de Rivaldo na preparação do crime de Marielle. O documento
sequer descreve vínculos entre o delegado e a família Brazão.
Para reforçar o possível envolvimento
do ex-chefe de Polícia Civil, a PF usa dados de uma investigação ainda em curso
do Ministério Público do Rio de Janeiro contra o delegado. Nela, há depoimentos
e indícios de interferência de Rivaldo em investigações envolvendo bicheiros e
milicianos.
A PF atribui a Rivaldo tentativas de
impedir a investigação do caso. Usa, para isso, fatos públicos, como sua
relação de proximidade com o delegado Giniton Lages, responsável pelo
inquérito, e as falhas na análise das imagens captadas após o crime.
O relatório também descreve
movimentações financeiras atípicas de Rivaldo, sua mulher Erika Araújo, e duas
empresas da qual era sócio. O capítulo, porém, não aponta relação com Brazão.
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