O déficit da previdência atingiu R$ 306 bilhões em 2023. O número
equivale a um aumento de 17,2% em relação a 2022, e se refere ao RGPS (Regime
Geral de Previdência Social), sistema voltado para os trabalhadores do setor
privado.
A alta coincide com o recorde de concessões de novas aposentadorias e
pensões do INSS (Instituto Nacional do Seguro Social) e com pagamento de
precatórios, títulos de dívidas da União com sentenças definitivas da Justiça.
No ano passado, foram concedidos 5,9 milhões de novos benefícios, maior
número da série histórica, desde 2006, no valor total de R$ 10 bilhões. Os
dados constam do Boletim Estatístico da Previdência Social, de dezembro,
publicado na última semana.
O Ministério da Previdência Social afirma que o pagamento extraordinário
de R$ 27,6 bilhões em precatórios no mês de dezembro aumentou a despesa
estimada para o ano. "Isso repercutiu na NFPS (Necessidade de Financiamento da
Previdência Social). Desconsiderando os precatórios extraordinários, a NFPS de
2023 foi de cerca de R$ 278,7 bilhões", explica a pasta em nota.
Para o professor Luís Eduardo Afonso, da FEA (Faculdade de Economia,
Administração e Contabilidade) da USP, ao mesmo tempo que aumentou a
arrecadação líquida em 10,6% no ano passado em relação a 2022, o total de benefícios
subiu 12,79%, mais de dois pontos percentuais, o que levou ao aumento do rombo.
"A despesa subiu mais que a receita. Obviamente, o déficit aumentou. Tem
um ponto importante que é o número de novas concessões no ano, além do aumento
expressivo no total de benefícios emitidos, que superou 39 milhões, maior alta
desde 2017. Entraram muito mais benefícios no sistema em 2023 do que nos anos
anteriores. Isso fez subir o estoque e aumentar a despesa de uma maneira
geral", afirma Afonso.
Para reduzir a espera, que atualmente tem 1,5 milhão de pedidos em
análise, foi implementado o Programa de Enfrentamento à Fila da Previdência
Social. O tempo médio de concessão dos benefícios chegou a cair para 50 dias. A
meta do INSS é chegar a 30 dias até o fim deste ano.
Além disso, começou a vigorar em setembro do ano passado o Atestmed, que
substitui a perícia médica presencial pela análise documental eletrônica nos
casos de benefícios de curta duração, além da adoção de inteligência artificial
para detectar fraudes. Com isso, a expectativa é que a previdência consiga
reduzir os gastos.
O outro ponto citado pelo professor da FEA se refere ao valor médio dos
benefícios, que tiveram aumento superior à inflação do ano, de 4,62%.
Segundo o Ministério da Previdência Social, a relação entre
aumento das concessões e aumento da despesa é direta, mas ponderações devem ser
feitas. "Somente impactam as despesas do Fundo do Regime Geral de Previdência
Social os gastos com benefícios previdenciários, devendo ser desconsiderados os
benefícios operados pelo INSS, mas financiados pelo Fundo Nacional de
Assistência Social e pelo Tesouro Nacional", afirma em nota.
Além das concessões, o ministério cita que as cessações de
benefícios devem ser consideradas, porque ajudam a reduzir as despesas. "Outros
fatores também impactam o crescimento da despesa, como o reajuste no valor dos
benefícios previdenciários, lembrando que o piso previdenciário (igual ao
salário-mínimo) teve dois reajustes no ano passado, em janeiro e em maio",
acrescenta a pasta.
Equilíbrio fiscal
O professor Luís Eduardo Afonso afirma que o impacto do resultado
negativo da previdência é um ponto central nas contas públicas do governo
federal. "A previdência está perigosamente esquecida", alerta. A existência de
um déficit drena recursos de outras áreas. O Tesouro precisa transferir esses
recursos, porque o governo tem que pagar os benefícios.
Na discussão que pautou a agenda política do país, principalmente
no segundo semestre de 2023, com a questão da reforma tributária e de um novo
arcabouço fiscal, um elemento central é a parte previdenciárias. Quanto menos a
previdência tiver as suas contas equacionadas, mais difícil vai ser o governo
equilibrar as contas públicas.
A gente tem um desequilíbrio grande na previdência. Isso afeta
muito o equilíbrio fiscal. É mais uma evidência que a reforma da previdência de
2019 não eliminou o déficit. Ela reduziu bastante e permitiu um certo alívio
nas contas públicas, mas a questão previdenciária continua muito preocupante e
muito importante para o país.
LUÍS EDUARDO AFONSO