Uma cooperativa do MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra) em São Paulo conseguiu captar R$ 3 milhões junto ao mercado de capitais para financiar sua produção agropecuária e agroindustrial.
O investimento foi obtido por meio da emissão de Certificados de Recebíveis do Agronegócio (CRA), instrumento que normalmente é utilizado por grandes produtores e companhias do setor.
O valor arrecadado tem como destino a Cooperativa de Produção Agropecuária dos Assentados e Pequenos Produtores da Região Noroeste do estado de São Paulo (Coapar), localizada na cidade paulista de Andradina. Estima-se que cerca de 500 famílias de assentados e pequenos produtores estão sendo beneficiadas com o investimento.
A Coapar comercializa, em média, 35 mil litros de leite por dia e fornece insumos agrícolas para a produção de leite in natura e seus derivados, como iogurtes, queijos e requeijão, além de feijão e hortaliças.
A operação no mercado de capitais foi realizada pela Gaia Impacto Securitizadora, que em 2021 já havia captado R$ 17,5 milhões para cooperativas do MST por meio de CRAs. Embora tenha sido alvo de inúmeros ataques, a iniciativa, na época, reuniu mais de 5.000 interessados.
Além da Gaia, a operação em prol da Coapar contou com a assessoria jurídica do escritório GGM Advogados, tendo participação do sócio Luiz Rafael de Vargas Maluf e dos associados Luiz Gustavo Panizza Brandao Britts e Rafael Ferreira Monti.
O presidente do grupo Gaia, João Paulo Pacífico, diz que o investimento na cooperativa se destaca por sua transparência e por seus impactos social e ambiental. "Num mundo em que o dinheiro tem sido usado só para aumentar a concentração de renda e a exclusão das pessoas, a gente usa ele para fomentar algo positivo", diz.
Pacífico explica que cooperativas do MST não têm fácil acesso a crédito bancário por causa do "preconceito enorme" de que seriam alvo. Assim como qualquer empresa, no entanto, elas precisam de capital de giro, já que há custos entre o processo de produção e venda do produto agrícola.
Por meio da operação no mercado de capitais, diz Pacífico, as cooperativas podem obter os recursos de que precisam, enquanto os que investem têm lucro. No caso da Coapar, os rendimentos líquidos são estimados em 13% ao ano. O vencimento dos títulos ocorrerá em 3 de janeiro de 2025.
"É uma operação que não passa pelo banco. Quem está emprestado são pessoas do mercado de capitais", explica o presidente da Gaia.
"A gente ignora o fato de que, quando colocamos dinheiro no banco, ele não fica no cofre parado. O banco pega e empresta para empresas como Vale, JBS e Petrobras, para alguém que está endividado. Ele vai fazer coisas com o seu dinheiro que você não sabe. Já no caso da cooperativa, a transparência é absoluta", acrescenta.
Pacífico ainda afirma que o valor de R$ 3 milhões não está sendo direcionado ao MST, mas, sim, a cooperativas de assentados da reforma agrária. "É um investimento que ajuda a reduzir a desigualdade social e ajuda trabalhadores que estão na base da pirâmide e não têm acesso a capital", diz.
Coordenadora do Finapop (Financiamento Popular da Agricultura Familiar), do MST, a engenheira agrônoma Ana Terra afirma que as cooperativas que buscam recursos por meio desse tipo de operação se profissionalizam mais, uma vez que precisam cumprir uma série de exigências para ter acesso ao crédito. Nos últimos três anos, 82 unidades já recorreram à modalidade de financiamento.
"A operação é simbólica porque se dá em um momento em que as taxas de juros estão muito altas, indo de 30 a 40% ao ano. Queremos remunerar bem o investidor, mas não podemos onerar muito as cooperativas", diz Terra. Todo o processo de venda de CRAs gerou, para a Coapar, custos da ordem de 15%.
Como as terras utilizadas pelos produtores e assentados são públicas e não podem ser colocadas à disposição, a garantia dada aos investidores consiste nos contratos de venda já firmados com outras empresas.
A Coapar, que tem parte de sua produção de leite destinada à merenda escolar, já havia acessado uma fatia dos recursos obtidos na operação que captou R$ 17,5 milhões, em 2021. Na ocasião, foram comprados equipamentos e maquinários para organizar sua indústria.
Dessa vez, diz Terra, a ideia é utilizar os recursos para aumentar a capacidade produtiva da fábrica de leite e adquirir matéria-prima, entre outros insumos.
"O movimento organiza cooperativas há 40 anos e sempre teve muita necessidade de crédito. Ao se ver em um contexto de crise, ele tem que buscar alternativas no mercado privado. É uma virada para o movimento", afirma a coordenadora do Finapop.
Mônica Bergamo/Folhapress