No Brasil, a primeira apreensão de fentanil ilĂcito ocorreu em março, no EspĂrito Santo, e acendeu o alerta para importância para adoção de estratégias de controle e prevenção da circulação e do uso da droga no paĂs. Além disso, uma série de casos de intoxicação pelo opioide foi relatada na região metropolitana de Campinas (SP), nos primeiros meses deste ano.
No artigo publicado na versão online da revista The Lancet Regional Health – Americas, Francisco InĂĄcio Bastos, pesquisador titular do Instituto de Comunicação e Informação em SaĂșde da Fiocruz (Icict/Fiocruz) e Noa Krawczyk, professora-assistente do Centro de Epidemiologia e PolĂtica de Opioides da NYU Grossman School of Medicine, destacam medidas que o Brasil deve adotar para evitar uma crise grave, como a enfrentada atualmente nos Estados Unidos, onde mais de 70 mil pessoas morrem por ano pelo uso não médico da droga.Eles garantem que o momento não é para pânico no Brasil. "Até agora, a ameaça emergente de uma potencial crise de saĂșde pĂșblica impulsionada pela disseminação do fentanil foi basicamente tratada por uma mĂdia proativa, poucos grupos de pesquisa e as respostas imediatas da ANVISA. Um compromisso da sociedade civil, da comunidade cientĂfica e do governo em todos os nĂveis é extremamente necessĂĄrio. Olhar para as lições aprendidas em outros paĂses é fundamental, mas todos os grandes problemas que afetam as sociedades tĂȘm dimensões globais e locais. Não hĂĄ tempo para ficar parado olhando", destacam Francisco InĂĄcio Bastos e Noa Krawczyk, no artigo.
Os pesquisadores esclarecem que a crise de fentanil nos Estados Unidos traz lições importantes para o Brasil e também apresentam diferenças em relação ao consumo nos dois paĂses.
De acordo com Bastos e Krawczyk, a epidemia entre os norte-americanos tĂȘm dois fatores: prescrição excessiva de opioides e desvio da finalidade médica e o crescimento do uso de heroĂna, e depois do fentanil, em razão das altas taxas de dependĂȘncia e demanda da população.
Outra observação é que nos Estados Unidos o fentanil é ofertado misturado a outras drogas, como cocaĂna, o que não se reflete no Brasil, inclusive pelo opioide ser considerado uma substância cara em comparação a outras. "O mais provĂĄvel é que seria uma mistura de algumas apreensões de fentanil puro. Não acredito que aconteça o que estĂĄ havendo nos Estados Unidos, outras substâncias com propriedades diferentes [misturadas] com fentanil", disse Bastos em entrevista à AgĂȘncia Brasil.
Na semana passada, o assunto foi discutido durante seminĂĄrio da Secretaria Nacional de PolĂticas sobre Drogas (Senad), do Ministério da Justiça, em parceria com a Organização das Nações Unidas (ONU), do qual participaram também representantes da AgĂȘncia Nacional de Vigilância SanitĂĄria (Anvisa). O ministério ressaltou que as apreensões realizadas no paĂs foram episódicas, e não representam uma epidemia.
No artigo, os pesquisadores sugerem as seguintes frentes de atuação: investimento em vigilância e pesquisa contĂnuas para entender os padrões de mudança de uso e abuso de substâncias na população brasileira; integração das apreensões com anĂĄlises toxicológicas criteriosas; melhorar a vigilância do fentanil médico e de outros opioides, evitando potencial desvio e uso indevido, especialmente em unidades hospitalares; adoção de protocolos de tratamento e conscientização dos profissionais de saĂșde que atendem na porta de entrada (emergĂȘncias) dos setores pĂșblico e privado.
"Na época que eu clinicava, internei vĂĄrios colegas, alguns deles faziam só uso e outros acabavam se envolvendo em desviar ampolas, porque eram as pessoas que tinham acesso", revelou o pesquisador da Fiocruz.
O pesquisador cita ainda a necessidade de controle da oferta da substância pela internet e redes sociais. "O pessoal estĂĄ fazendo fentanil na cozinha. Embora não tenha a pureza do fentanil industrial, o trĂĄfico estĂĄ se lixando se é puro ou sujo".
Fonte: AgĂȘncia Brasil