Advogados espalhados por todo o país, casas de apoio e transporte para parentes de integrantes presos ficarem em dias de visita. As supostas "facilidades" ofertadas pelo PCC para quem se filia a ele não são de graça. Chamada de "cebola", a contribuição mensal cobrada é de R$ 1.600, ou seja, quase R$ 20 mil anuais, segundo Marcos*, um ex-integrante da organização que concedeu entrevista a O TEMPO. O valor é maior do que o salário mínimo no Brasil. Em um passado recente, o custo era de R$ 500 para pessoas em liberdade e R$ 25 para os que estavam dentro das celas.
De acordo com o homem, esses valores deixaram, há algum tempo, de serem cobrados de quem está em cumprimento de pena. "É igual comida, a inflação foi aumentando o preço. Hoje, quem está cumprindo pena, seja fechado, aberto ou semiaberto, não paga nada mais. Só quem está fora (em liberdade) que precisa de pagar, mas é R$ 1.600 por mês", afirmou. Em 2023, o salário mínimo está em R$ 1.320.
"Ela ('cebola') serve para garantir as visitas, com o transporte para quem tem parente no interior, por exemplo; ajuda a pagar cesta básica para família, kit higiene para levar para o presídio, o advogado para os 'manos' que estão lá dentro. Basicamente, garante um auxílio para a família e o irmão 'na tranca'. Além disso, quem paga garante que, se rodar (for preso), não vão deixar a polícia oprimir ele e a família", completa o homem, que passou cerca de 20 anos atrás das grades.
Um advogado criminalista, que atua diretamente com pessoas cumprindo pena no sistema prisional, mas que preferiu não ser identificado, conta que é fácil constatar esse "suporte" pago pelos membros da facção. "Lá em São Paulo, se você vai no fim de semana ali no Brás, na 25 de Março, são vistos cerca de 50 ônibus parados, todos do "partido". Eles estão ali para levar as famílias para as visitas no interior", detalhou.
Outra questão que mudou ao longo dos anos foram os rituais da facção. Enquanto antigamente para se "batizar" (filiar) era preciso matar algum policial ou resgatar algum membro do PCC de uma unidade prisional, hoje, isso já não é mais necessário. "Eles só puxam a sua caminhada, quantas passagens, por quais crimes e tal. Hoje é mais tranquilo, você só tem que mostrar o seu valor, financeiramente mesmo, para os irmãos", garantiu Marcos.
Assim como o valor da "cebola", que constantemente era alvo de suposições sobre seu valor, não são raras as vezes que surgem textos apontados como o suposto "Estatuto", que seria o conjunto de normas que precisam ser seguidas por todos que integram a facção. Entre as regras, está a importância da lealdade ao PCC.
Na internet, basta uma rápida pesquisa para localizar um site que traz inúmeras referências ao PCC. Criado por Ricard Wagner Rizzi, o homem diz ser um aficionado no assunto e que, após a página passar a ser acompanhada por criminosos, ele teria sido incluído em grupos de WhatsApp da organização criminosa, o que possibilitou manter o site sempre atualizado com "informações em primeira mão".
O site traz, inclusive, o chamado "Estatuto", com todos os seus 18 artigos. Nos primeiros registros dessas normas, com folhas de papel escritas à mão que foram apreendidas em presídios brasileiros, existia inclusive a proibição de que homossexuais participassem da facção. Nos últimos anos, entretanto, essa regra foi retirada, mantendo o impedimento de participar da facção apenas para estupradores, pedófilos e caguetas (delatores).
Esse "abrandamento" nas regras também foi confirmado na entrevista com Marcos. Segundo ele, no início, estupradores, "talaricos" (quem se relaciona com a mulher de algum criminoso da facção) e "X9s" (que repassam informações sigilosas do grupo) eram executados assim que davam entrada nos presídios. Hoje, a facção garante que eles possam ir para o chamado "seguro", que são alas específicas da cadeia para onde vão presos que poderiam ser morthttps://www.otempo.com.br/cidades/facilidades-do-pcc-custam-quase-r-20-mil-por-ano-a-integrantes-da-faccao-1.3226170os pelos demais detentos. "A morte chamava atenção, enchia a cadeia de polícia. Dava prejuízo, perdia os celulares, transferiam de unidade. Ficavam os presos se matando. Hoje, só manda essa galera para o seguro", disse o ex-faccionado.
Mais uma vez, a afirmação do homem que diz ser ex-membro do "Comando" foi confirmada pela pesquisadora Ludmila Ribeiro, da UFMG. Segundo ela, o "Estatuto" foi se adaptando à medida que o perfil do grupo criminoso se tornou mais focado no lucro. "As análises mostram que, com o passar do tempo, há cada vez mais uma preocupação com a dimensão empresarial. Então ela se tornou mais importante, virou determinante sobre todas as demais lógicas. Hoje, eles (PCC) estão mais suscetíveis a essa ideia de que, se não tiver morte, não vai chamar atenção da polícia", completou.
*Nome fictício*
O Tempo