A conferência internacional convocada pelo governo do presidente colombiano Gustavo Petro para discutir a crise na Venezuela tinha um objetivo ambicioso: reativar os diálogos entre governo e oposição, definir um cronograma eleitoral e eliminar as sanções contra o país vizinho.
Delegações de 20 países se reuniram na última terça-feira (25) em Bogotá, capital da Colômbia, para debater as propostas de Petro. Foi a primeira vez que os formuladores das sanções, EUA e União Europeia, participaram de um encontro multilateral para discutir o fim do bloqueio. Apesar disso, os resultados da cúpula foram modestos.
Horas após a finalização da reunião, o chanceler da Colômbia, Álvaro Leyva, se limitou a dizer que os membros haviam alcançado "posições comuns" sobre a necessidade de definir um cronograma eleitoral e de eliminar sanções. No entanto, não houve uma declaração conjunta assinada pelas participantes e nem anúncios coletivos para direcionar a próxima reunião, que ainda não tem data para ocorrer.
Analistas ouvidos pelo Brasil de Fato afirmam que há um impasse complexo entre Caracas e Washington e que um alívio imediato nas sanções é pouco provável. Para Steve Ellner, cientista político estadunidense e autor de diversos livros sobre política venezuelana, os EUA e os opositores não parecem dispostos a ceder.
"Tudo gira em torno das concessões, se as concessões serão aceitáveis para a oposição e se serão aceitáveis para Washington. O que está bem claro é que a exigência que Petro está fazendo e a exigência que [o presidente venezuelano] Nicolás Maduro está fazendo, que todas as sanções devem ser eliminadas, é improvável de acontecer, pelo menos a curto prazo", diz.
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Os estadunidenses insistem que estariam prontos para revisar sua política de sanções na medida em que a Venezuela defina um cronograma eleitoral para o próximo pleito presidencial, com o que eles chamam de "regras justas e condições democráticas". Desde 2013, Washington vem colocando em dúvida o sistema eleitoral venezuelano, chegando ao limite de não reconhecer o mandato do presidente Nicolás Maduro quando ele saiu vitorioso das eleições presidenciais de 2018.
Após a conferência, os EUA emitiram um comunicado afirmando que o enviado a Bogotá, Jonathan Finer, deixou claro durante a reunião "a visão de uma abordagem passo a passo dos EUA, na qual ações concretas [...] levem a eleições livres e justas seriam correspondidas com alívio de sanções dos Estados Unidos".
O alto representante da União Europeia para Assuntos Exteriores, Josep Borrell, foi ainda mais enfático ao dizer que o bloco não está disposto a retirar sanções imediatamente. Após participar da conferência, ele afirmou que "essa janela de oportunidades se fechará se nas próximas semanas um acordo sobre as eleições de 2024 não for alcançado".
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Caracas, por sua vez, exige que, antes de qualquer medida eleitoral, sanções devem ser eliminadas e, principalmente, o último acordo assinado na mesa de negociação do México deve ser cumprido pela oposição. Em novembro do ano passado, os opositores concordaram em liberar mais de US$ 3 bilhões que pertencem ao Estado venezuelano e que estão bloqueados no exterior. Até o momento, a quantia não foi liberada e o descumprimento do acordo motivou o governo a paralisar os diálogos que vinham ocorrendo no México.
"Historicamente, quem sabota as tentativas de diálogo é a oposição", afirma José Luis Granados. Ao Brasil de Fato, o jornalista mexicano especializado em direito internacional e direitos humanos relembra de mesas de negociação que fracassaram anteriormente e afirma que os opositores venezuelanos possuem pouca autonomia política porque se aproximaram excessivamente dos EUA e terminaram se tornando dependentes dos norte-americanos.
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"Nas últimas negociações de 2018, havia um acordo preparado, o documento já estava pronto e era praticamente o mesmo acordo que estão discutindo hoje, com todas as condições que a oposição está exigindo: uma rota eleitoral, mudanças no Conselho Nacional Eleitoral etc. No dia em que o acordo seria assinado, a oposição se levanta da mesa e diz que não iria participar. E porquê? Porque, naquele momento, Washington já tinha outra estratégia: o interinato, o reconhecimento a Juan Guaidó e todo esse movimento que fracassou", afirma.
Biden tem outra estratégia
Apesar de seguir com ações hostis à Venezuela, o governo de Joe Biden adotou uma estratégia diferente à utilizada por Donald Trump. Com o ex-presidente republicano, a Casa Branca apoiou diversas tentativas de golpes de Estado organizadas pelo ex-deputado Juan Guaidó, a quem Washington reconheceu como "presidente interino" do país.
"A política de Trump para a Venezuela foi um desastre", argumenta Steve Ellner. Para o pesquisador, Biden sabia que deveria alterar a abordagem diplomática em relação ao país sul-americano e que isso incluía participar de diálogos sobre as sanções.
"O fato de o governo Biden estar interessado em se engajar em diálogos e chegar a alguns acordos não deveria ser uma surpresa, porque ele sabe que tem que fazer alguma coisa, mas isso não significa, necessariamente, que ele irá ceder às demandas do governo Maduro e eliminar todas as sanções", diz.
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Em 2022, a Casa Branca chegou a enviar a Caracas duas vezes uma delegação para discutir diretamente com o governo Maduro possíveis alívios no bloqueio, principalmente nas medidas relacionadas à indústria petroleira, já que EUA e Europa passam por uma crise de fornecimento de combustíveis causada pela guerra na Ucrânia.
No final do ano passado, Washington permitiu que a gigante energética Chevron voltasse a operar em território venezuelano, ainda que tenha mantido uma série de limitações financeiras à empresa para dificultar pagamentos à estatal petroleira da Venezuela, a PDVSA.
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José Luis Granados argumenta que as medidas adotadas pelos EUA não podem ser consideradas alívios no bloqueio, já que juridicamente nenhuma sanção foi suspensa. "É mentira dizer que houve alívio de sanções, eles apenas publicaram licenças muito específicas que permitem exploração e exportação de petróleo. Essas licenças estão desenhadas para negar recursos diretos ao governo e isso não é aliviar sanções", afirma.
Eleições em 2023 ou em 2024?
Com o impasse entre Caracas e Washington sobre a suspensão de sanções antes ou depois das eleições, a definição de uma data para a realização do pleito se tornou tema essencial no debate político venezuelano.
Constitucionalmente, o país deveria ir às urnas em 2024, mas membros do governo e o próprio presidente Nicolás Maduro já chegaram a cogitar uma antecipação para este ano. A oposição, por sua vez, já definiu o dia 22 de outubro para a realização de eleições primárias, que buscam eleger um candidato único para enfrentar o chavismo.
No entanto, esse setor da direita venezuelano chega muito desgastado em um possível cenário de campanha, tanto pelo fracasso da estratégia do "interinato" de Guaidó quanto pelos escândalos envolvendo seu grupo político.
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"As revelações sobre corrupção dentro desse governo paralelo não foram denunciadas apenas pelo chavismo, mas também por figuras importantes da oposição. Guaidó e seu grupo estão completamente desacreditados dentro da oposição", argumenta Ellner.
Granados, no entanto, acredita que será a oposição a primeira a ceder nessa disputa, já que sua estratégia insurrecional dos últimos anos não funcionou e, portanto, precisa recorrer ao caminho eleitoral para planejar um possível triunfo sobre o chavismo.
"Eles já têm um longo histórico tentando romper a ordem constitucional, mas agora terão que ceder e aceitar que, de um jeito ou de outro, as eleições vão ocorrer e eles terão que participar. Agora, se isso significa que haverá eliminação de sanções antes da eleição, eu duvido muito", diz.
Edição: Thales Schmidt