Os impasses sobre os investimentos da empresa ucraniana de fabricação de aviões Antonov no Brasil impactou as relações entre o Palácio dos Bandeirantes , Palácio do Planalto , secretários e deputados da Assembleia Legislativa de São Paulo (Alesp) nesta semana.
O iG obteve acesso a documentos que apontam as conversas entre a estatal europeia e o governo paulista.
No começo da semana, o governo paulista anunciou a suspensão das negociações de investimentos da empresa ucraniana no estado. Segundo o Bandeirantes, o motivo foi as declarações de Lula, que colocou a Ucrânia como uma das culpadas pela invasão russa ao país.
Após a afirmação, a Antonov negou que tivesse representantes no Brasil, mas recuou após a repercussão. A declaração da empresa ucraniana causou mal-estar entre o Bandeirantes e o Planalto.
Após a Antonov expressar preocupação sobre a declaração de Lula em relação ao investimento da empresa no Brasil, o governo federal divulgou uma nota afirmando que a informação era falsa.
- Segundo a nota, o investimento da Antonov corresponderia a um quarto do PIB da Ucrânia, estimado em US$ 200 bilhões pelo Banco Mundial
Na sexta-feira (28), o deputado estadual Paulo Fiorillo (PT), acionou o Ministério Público contra o Palácio dos Bandeirantes por propagação de notícia falsa por viés político. Já Lula teria ficado enfurecido com Tarcísio após a divulgação das informações.
O iG obteve acesso a documentos que comprovam as conversas, que começaram há pouco mais de três semanas. A primeira reunião foi realizada no dia 11 de abril, no Palácio dos Bandeirantes.
A empresa, representada pelo advogado Eduardo Kuntz, apresentou a primeira proposta ao secretário de Negócios Internacionais, Lucas Ferraz . O encontro aconteceu nas dependências do Palácio dos Bandeirantes.
A Antonov informou o interesse de investir US$ 50 bilhões, em cinco anos, na construção de uma fábrica. O local citado na reunião foi São José dos Campos, aproveitando a proximidade com a Embraer.
Além da fábrica, a empresa ainda seria responsável pela construção uma pista com 2,4 mil metros de comprimento, o que permite o pouso de grandes aeronaves.
"Com enorme prazer informo que a intenção da ANTONOV foi muitíssimo bem recebida, porém precisamos proceder às necessidades protocolares do Estado", aponta um e-mail do advogado à diretoria da empresa ucraniana, enviado no dia 13 de abril.
As negociações estavam correndo, quando no dia 20 de abril, um diretor da empresa acionou seus representantes no Brasil para informar a desistência do acordo. O motivo, segundo a Antonov, foi as declarações de Lula na China, que apontou a Ucrânia como uma das responsáveis pela invasão russa ao país.
"Diante das declarações do Governo Federal, a Antonov decidiu suspender as negociações", informa o representante da empresa ao Palácio dos Bandeirantes.
Fontes ligadas à negociação, porém, afirmaram que a empresa mantém a vontade de negociar com o Palácio dos Bandeirantes a sua instalação no Brasil. As negociações devem ser retomadas nos próximos dias.
Relações estremecidas
A confusão sobre a Antonov gerou um mal-estar entre o Palácio do Planalto e Tarcísio de Freitas nos últimos dias. Lula ligou para o governador paulista para cobrar explicações sobre o caso.
Tarcísio confirmou as tratativas e tentou contornar a tensão com o petista. Para isso, cogitou a demissão do secretário Lucas Ferraz.
A saída deveria ter sido confirmada ainda ontem, mas a pressão da ala política do Bandeirantes fez Tarcísio mudar de ideia. A avaliação da cúpula governista é que Ferraz faz um bom trabalho e que não teve culpa na confusão.
Uma fonte próxima de Tarcísio, porém, disse que Lucas Ferraz ganhou um voto de confiança, mas está enfraquecido.
Na Alesp, a oposição quer convocar o secretário para prestar esclarecimentos. O requerimento foi protocolado pelo deputado Guilherme Cortez (PSOL), que questiona a divulgação de possíveis informações falsas sobre as negociações.
"Sem trégua para fake news! Exigimos que o Secretário de Negócios Internacionais de Tarcísio, Lucas Ferraz, comprove a suposta reunião que teve com a Antonov e que essa negociação teria sido prejudicada por Lula", disse o parlamentar, em suas redes sociais.
Já a base governista quer segurar a possível convocação. Internamente, os deputados afirmam que as negociações foram comprovadas e que não há motivos para manter o requerimento.
O deputado Leonardo Siqueira (NOVO) criticou a tentativa de Cortez e disse que não votará a matéria.
"Com todo respeito, Guilherme Cortez nem da comissão faz parte. Eu sou membro e já falo de antemão que o Lucas Ferraz é um dos melhores secretários de negócios internacionais que qualquer governo deveria ter. Claro que não vão contar com meu apoio em chamar para uma comissão que você nem parte faz", rebateu o parlamentar.
Antonov no Brasil
Uma fonte ligada às negociações, informou à coluna que a Antonov tem interesse no Brasil. Há outros estados interessados na proposta da empresa ucraniana.
- Além de São Paulo, as tratativas também foram cogitadas com o Paraná, mas ainda não avançou
A proposta prevê a construção de um espaço para a fabricação de aeronaves da empresa, com foco maior no An-124, um dos maiores cargueiros do mundo. A Antonov, porém, não descarta a fabricação do An-225, que era o maior avião do mundo em operação até fevereiro de 2022, quando foi destruído pelo exército russo no aeroporto de Hostomel.
Fontes ainda afirmaram que as portas estão abertas e que pretende avançar com as negociações nas próximas semanas. A empresa ainda não descarta a participação do governo federal nas conversas.
IG