O empresário mineiro Adauto Lúcio de Mesquita afirmou, em depoimento na "CPI dos Atos Antidemocráticos" da Câmara Legislativa do Distrito Federal nesta quinta-feira (4), que que fez apenas três doações "pequenas" para os bolsonaristas acampados em frente ao Quartel-General do Exército, em Brasília, onde disse ter ido "três ou quatro vezes" e "bem rápido". Também confirmou ter dado R$ 10 mil à campanha de reeleição do então presidente Jair Bolsonaro (PL).
No entanto, um relatório da Polícia Civil do Distrito Federal, citado por deputados distritais, e vídeos produzidos pelo próprio empresário e exibidos no telão do plenário da Câmara Legislativa durante o seu depoimento, mostram que ele ajudou o movimento bolsonarista com muito mais do que três "pequenas" doações. Também o forçaram a voltar atrás na declaração de que não havia participado dos atos na Esplanada dos Ministérios em 8 de janeiro.
Adauto Lucio de Mesquita tem 55 anos e é dono da rede Melhor Atacadista e das empresas Garra Food Solutions, Canal Distribuição e Marcas Premium.
Ele é apontado pela Polícia Civil do DF como grande financiador do movimento bolsonarista contra o sistema eleitoral brasileiro e a favor da derrubada do governo de Luiz Inácio Lula da Silva por meio de uma intervenção militar. Entre outras coisas, é acusado de transferir dinheiro para contas bancárias de organizadores dos atos, além de pagar o transporte até a Esplanada no dia dos ataques às sedes dos Três Poderes da República.
Todas as informações constam em relatório elaborado pela Polícia Civil do DF em função dos atos criminosos de 8 de janeiro. Cópias do documento foram compartilhadas com integrantes da "CPI dos Atos Antidemocráticos" e a Polícia Federal, que investigam tanto os atos de 8 de janeiro quanto episódios violentos anteriores, como a tentativa de explodir uma bomba perto do aeroporto de Brasília na véspera de Natal.
Em 13 de abril, a "CPI dos Atos Antidemocráticos" ouviu o sócio de Adauto Lúcio de Mesquita. Ao microfone, Joveci Xavier de Andrade negou todas as acusações. Disse até que não havia participado de nenhum ato bolsonarista. Mas acabou desmentido por fotos exibidas no telão da Câmara Legislativa.
A Polícia Civil do DF apresentou provas de que ele e seu sócio, Adauto, além de comida e água, bancavam parte dos banheiros químicos instalados em frente ao Quartel General do Exército, em Brasília, para uso dos bolsonaristas que frequentavam o acampamento contra a vitória de Lula.
Empresário diz ter dado dinheiro para aluguel de tenda ao ouvir apelo de uma senhora
Antes de ser questionado pelos deputados, Adauto de Mesquita falou por 10 minutos da sua vida e ressaltou que estava ali de espontânea vontade para aproveitar a oportunidade de se defender. No entanto, o presidente da CPI, Chico Vigilante (PT), lembrou que o empresário, no dia anterior, foi duas vezes ao Tribunal de Justiça do DF com a intenção de conseguir uma liminar que o livrasse da obrigação de comparecer à Câmara Legislativa para prestar depoimento nesta quinta.
Natural de Unaí (MG) e dono de supermercados no DF e 21 propriedades rurais em Goiás, Adauto de Mesquita disse na CPI que três doações foram feitas a frequentadores do acampamento bolsonarista, em forma de boa ação, para manter as tendas erguidas ao redor do QG, transformado em uma espécie de cidade pelos ex-apoiadores do ex-presidente.
"Tive quatro doações pequenas que estão aqui, no meu extrato. Uma de R$ 100, de R$ 110 e outra de R$ 1 mil. Foram três", disse o empresário aos deputados distritais. Ele explicou que os R$ 110 foram entregues a uma senhora em uma das tendas montadas ao redor do QG para abrigar os apoiadores de Bolsonaro.
Adauto de Mesquita fez questão de ressaltar que não contratou nada e deu o dinheiro a uma senhora por ficar comovido com as palavras dela.
"Eu estava andando [pelo acampamento], e tinha uma tenda com uma cozinha. A senhorinha [da tenda] falando que estava trabalhando pelo Brasil. A mulher, quase chorando, dizendo que tirariam a tenda. Aí, fui lá e fiz a doação", relatou o empresário.
O deputado distrital Fábio Felix (PSol) questionou Adauto de Mesquita sobre o crime de incitamento à animosidade das Forças Armadas, devido a pedidos de golpe de Estado no acampamento. O empresário afirmou que só "um ou outro maluco pedia intervenção militar", diferentemente do que mostram vídeos produzidos pelos próprios manifestantes.
Foi do QG que saíram os extremistas que protagonizaram as cenas de violência na capital do país em manifestações contrárias à eleição de Lula e a favor de uma intervenção militar. São esses episódios o foco da CPI instalada pelos deputados distritais.
Apoiadores de Jair Bolsonaro deixaram o QG do Exército para a tentativa de invasão da sede da Polícia Federal em 12 de dezembro, colocar uma bomba sob um caminhão de combustíveis perto do aeroporto da capital na véspera de Natal e invadir e depredar as sedes dos Três Poderes em 8 de janeiro.
Empresário nega presença na Esplanada, mas recua ao ser confrontado por deputados
Chico Vigilante pediu para exibir no telão do plenário da Câmara Legislativa um vídeo feito por Adauto de Mesquita no QG. Nele, o empresário convoca "patriotas" para engrossarem o movimento contra a eleição de Lula. O empresário postou o conteúdo nas redes sociais.
"A gente se empolga, presidente. Não sou um influencer", alegou Adauto de Mesquita, ao lado de Chico Vigilante. Em seguida, o empresário ressaltou que "nunca" participou de nenhum ato na Esplanada dos Ministérios, e chamou de "movimento pacífico" a reunião de bolsonaristas no QG do Exército.
No entanto, ao ser confrontado, Adauto de Mesquita admitiu que esteve na Esplanada em 8 de janeiro, mas negou ter invadido prédios dos Três Poderes. Disse ter ido embora quando percebeu a violência.
Polícia Civil diz que empresário pagou R$ 30 mil por aluguel de trio elétrico
Chico Vigilante também pediu para exibir no telão da Câmara Legislativa outro vídeo feito e divulgado por Adauto de Mesquita em que ele exibe o trio elétrico de nome Coyote, dizendo ser "o maior de Brasília", alugado, segundo o empresário, para o movimento bolsonarista contra a eleição de Lula. Segundo a Polícia Civil, ele pagou R$ 30 mil pelo aluguel do veículo.
Confrontado pelo presidente da CPI após a exibição do vídeo, o empresário alegou ter visto, em uma de suas visitas ao acampamento do QG, apenas uma negociação sobre o preço e decidiu intervir para ajudar os bolsonaristas a "pechinchar", por ser um "comprador" e ter "habilidade em negociar".
"Fui, apresentei-me, negociei e pedi um preço menor. Tenho habilidade de pechinchar. Mas não dei um centavo. Eles já contrataram. Só ajudei a negociar", afirmou Adauto de Mesquita.
Chico Vigilante disse, em tom de ironia, que o empresário era um ótimo comprador porque participou das negociações sem tirar dinheiro do bolso. Em seguida, questionou Adauto de Mesquita sobre o fato de ter ido receber o Coyote em frente à Rodoferroviária, em 2 de novembro, pouco antes de o trio elétrico sair em direção ao QG do Exército para ser usado atos de bolsonaristas, que pediram anulação da eleição de Lula, em 2, 5 e 6 de novembro.
"Eu tava parado lá na pista e decidi gravar um vídeo", respondeu o empresário, que contou estar a caminho do acampamento bolsonarista. "Foi empolgação", completou.
Investigação da Polícia Civil aponta empresário como financiador de outdoors ilegais pró-Bolsonaro
Conforme a apuração da Polícia Civil do DF, em um dos protestos a favor de Bolsonaro e contra o resultado das urnas, Adauto de Mesquita afirmou em público que a Polícia Militar estava "ajudando" os apoiadores do ex-presidente Jair Bolsonaro.
"Chegando aqui no nosso local de evento. Já estamos abrindo as asas. Polícia Militar nos auxiliando aqui, galera chapa quente, fechou a via preparando pro trio chegar lá. Vai arrasar! Polícia Militar ajudando a gente. É hoje!", ressaltou o empresário em vídeo compartilhado nas redes sociais.
A Polícia Civil também diz que Adauto de Mesquita integrou um grupo de empresários e ruralistas do DF que mandou instalar outdoors colocados na capital do país, em apoio a Bolsonaro, durante a campanha de 2022, cometendo um crime eleitoral, já que tal propaganda é vetada pela legislação eleitoral.
Em uma tentativa de enganar a Justiça, segundo a Polícia Civil, Adauto de Mesquita mandou mensagens em grupo de Whatsapp de empresários apoiadores de Bolsonaro informando que havia pedido à empresa responsável pela confecção dos outdoors a mascarar a campanha pró-Bolsonaro com mensagens que remeteram à Copa do Mundo de 2022, que aconteceria após a eleição, no Catar. Com isso, peças políticas ganharam mensagens como "Agora é 22!" e "Brasil 22" – 22 era o número de Bolsonaro nas urnas.
"Cita o denunciante que, quando o ministro do Tribunal Superior Eleitoral Alexandre de Moraes proibiu outdoors em favor de candidatos a eleição, Adauto e seus sócios teriam orientado a empresa de publicidade a mudar as frases citando a Copa do Mundo para disfarçar o intuito político de tal publicidade", destaca trecho do relatório da Polícia Civil.
Em nota, empresário diz ter entregue cópias de seus extratos bancários à CPI
Por meio de nota enviada pela assessoria do Melhor Atacadista, o empresário disse ter entregue à "CPI dos Atos Antimdemocráticos", "por livre e espontânea vontade", documentos e cópias de seus extratos bancários. A intenção, segundo o texto, é "comprovar que ele não teve nenhuma relação com os atos de vandalismo realizados no dia 8".
"Conforme falado em seu depoimento, Adauto repudia veementemente os atos de vandalismo, que culminaram na destruição dos símbolos da democracia brasileira. Adauto reitera que é contra o vandalismo e a intolerância política, e acredita que a democracia é feita com pensamentos diferentes, mas jamais com violência. Ele reafirma a sua crença na justiça brasileira, no parlamento do Distrito Federal e nas demais instituições da nossa República", diz a nota.
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