Os municípios afetados pelas fortes chuvas e enchentes que atingiram o
Rio Grande do Sul ao longo de todo o mês de maio estão enfrentando dificuldades
para solicitar recursos ao governo federal, segundo entidades ouvidas.
A "burocracia", como definem os interlocutores, vai desde as questões
que envolvem capacidade técnica até número de pessoal nas prefeituras.
Segundo levantamento da CNN, até o início da semana, 31% das 441 cidades
que decretaram estado de calamidade tinham pedido socorro ao governo federal –
ou seja, 137 municípios.
"Alguns estão muito afetados. Não
tiveram nem como fazer esses documentos ou ainda estão avaliando o que
precisam. E outros, talvez pela escassez de equipe", diz o prefeito de Campo
Bom, Luciano Orsi (PDT), que preside a Federação das Associações de Municípios
do Rio Grande do Sul (Famurs).
O prefeito acrescenta que, embora enxergue "uma disposição grande" do
governo federal e saiba da necessidade dos trâmites para a liberação de
recursos, o cenário é atípico.
"Você tem que, às vezes, fazer cinco ou seis solicitações, cada uma com
documentação diferente, para vários ministérios. Como é uma catástrofe, é uma
questão diferente, não é o dia a dia dos município. Isso acaba complicando um
pouquinho na gestão e, às vezes, há uma demora", explica.
O vice-presidente da Associação Gaúcha de Municípios (AGM), Jonas Calvi
(PSDB), que é prefeito de Encantado, concorda.
Precisa existir uma fiscalização, precisa existir um controle, a gente
não abre mão disso. Mas nessas situações de catástrofe, como está acontecendo,
ela tem que ser mais flexível
Jonas Calvi, vice-presidente da AGM
Segundo ele, os formulários disponibilizados pelo governo para a
solicitação de recursos são "extensos" e "complexos".
Em Encantado, uma pessoa morreu e duas seguem desaparecidas, segundo
balanço mais recente do governo gaúcho sobre as cheias no estado. Além disso,
794 pessoas estão desabrigadas e há uma estimativa da prefeitura de que entre
3.500 e 4 mil estejam desalojadas.
Vale lembrar que o conceito de desabrigado se refere aquele que perdeu a
casa e está em um abrigo público. O desalojado teve de deixar sua casa — não
necessariamente a perdeu — e não está em abrigos, mas sim na casa de um
parente, amigo ou conhecido, por exemplo.
Já o município de Campo Bom não contabiliza mortes, nem desaparecidos,
mas é um dos que integra a lista de afetados da Defesa Civil estadual.
Solicitações
Desde o início da semana, quando a prefeitura de Encantado conseguiu
estabilizar o acesso a energia elétrica e internet, a dificuldade maior está
relacionada ao número de servidores aptos ao trabalho, explica o prefeito.
"Somos municípios pequenos", diz ele, em referência a cidades da região.
"Nosso quadro de funcionários não é especializado e dedicado somente para fazer
isso. E, além disso, muitos funcionários nossos também foram atingidos."
O vice-presidente da Associação Gaúcha de Municípios ressalta, porém,
que, apesar de o recurso ainda não chegar na velocidade nem no montante
necessário, o "atendimento primário, esse atendimento humanitário, acontece".
Segundo informações da Defesa Civil de Encantado, no mês de maio foram
abertas cinco solicitações de recursos ao governo federal, relacionadas aos
eventos climáticos. Destas, duas aguardam depósito, após abertura da conta, e
as outras três esperam, respectivamente, emissão de empenho, publicação no
Diário Oficial e análise.
Além disso, o município já recebeu R$ 200 mil em recursos do governo
federal para ações humanitárias.
Confederação pede liberação direta de
recursos
Em entrevista à CNN, o presidente da Confederação Nacional de Municípios (CNM),
Paulo Ziulkoski, aponta que as medidas anunciadas pelo governo para atendimento
dos municípios dependam de requisição.
"Será que o governo não sabe o telefone, a conta da prefeitura? Será que
o município não está na condição como ente federado ou vão querer pôr em dúvida
que o dinheiro não vai ser fiscalizado?", questiona.
Fundada em 1980, a CNM é uma das principais representantes
municipalistas do país. Na quinta-feira (16), a entidade divulgou um
levantamento que aponta que os prejuízos no Rio Grande do Sul em decorrência
das enchentes já totalizam R$ 9,5 bilhões.
À reportagem, o presidente da confederação também citou falta de
liberação de recursos diretos aos municípios nos anúncios do governo.
"Tudo é muito bem-vindo, tudo é importante que seja colocado, tudo foi
encaminhado, ou está sendo, mas ali não tem um centavo previsto para as
prefeituras, para o poder local", afirma, fazendo referência ao pacote de R$ 50
bilhões anunciado no dia 9.
Ziulkoski, que é gaúcho, foi prefeito de Mariana Pimentel (RS) em dois
mandatos (1993-1996 e 2001-2004), além de integrante do Conselho Nacional de
Segurança Alimentar (Consea) durante o primeiro governo do presidente Luiz
Inácio Lula da Silva (PT). Ele está em seu terceiro período como presidente da
CNM – cargo que conquistou pela primeira vez em 1997 – e foi reeleito neste ano
para mais três anos de gestão.
Em diálogo constante com a gestão federal sobre questões que envolvem os
municípios brasileiros, Ziulkoski se reuniu no início desta semana com o
ministro da Fazenda, Fernando Haddad, o ministro das Relações Institucionais,
Alexandre Padilha, e outros membros do governo em uma conversa de mais de 2
horas, segundo relatou à CNN.
Além de discutir a questão da desoneração dos municípios, as autoridades
também falaram sobre a situação do Rio Grande do Sul.
Outro lado: governo federal cita
medidas
A Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República (Secom)
sobre os anúncios feitos pelo governo em apoio às prefeituras e sobre a burocracia
apontada pelas entidades na solicitação de recursos.
Em resposta, a Secom elencou uma série de medidas anunciadas que atendem
os municípios.
Uma delas, a portaria nº 1.466, de 7 de maio, autoriza a liberação de
recurso a partir da aprovação, em até 24 horas, de um plano de trabalho. Nesta
modalidade, as cidades são atendidas a partir do número de habitantes. A
divisão segue o seguinte critério:
· até 50 mil pessoas: R$ 200 mil;
· entre 50 mil e 100 mil habitantes: R$ 300 mil;
· mais de 100 mil habitantes: R$ 500 mil.
O governo também informou que até a última quarta-feira (15) o
Ministério da Integração e Desenvolvimento Regional (MIDR) aprovou 235 planos
de trabalho para resposta, restabelecimento e reconstrução das localidades afetadas
— somando um repasse de R$ 186,6 milhões para as ações de Defesa Civil.
Outra medida autorizada é o repasse de valores para a aquisição de
colchões, cobertores, roupa de cama, água, sabão, detergente, utensílios para
cozinhar e até estrutura para montar abrigos. Nesta categoria, até a última
terça-feira (14), 48 municípios haviam solicitado recursos.
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