Poucos anos depois de julgar o foro especial por prerrogativa de função,
conhecido como foro privilegiado, o Supremo Tribunal Federal (STF) retoma
discussão sobre o tema para avaliar o alcance da prerrogativa para deputados,
senadores, ministros e outras autoridades que cometerem crimes usando sua
função ainda que eles tenham saído do cargo.
O relator da ação na Corte, ministro Gilmar Mendes, sustentou que, no
fim do mandato, o investigado só perde o foro se os crimes tiverem sido
praticados antes de a pessoa assumir o cargo ou não possuírem relação com o
exercício da função.
O foro privilegiado está previsto na Constituição de 1988 e passou por
algumas revisões. A prerrogativa é alvo de contestação da sociedade civil e o
Congresso já propôs uma proposta de emenda à Constituição (PEC) para extinguir
a prerrogativa. Deputados apoiadores do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) já pediram
algumas vezes entre 2023 e 2024, a inclusão da matéria para ser votada no
plenário da Câmara.
O QUE É O FORO PRIVILEGIADO?
O foro privilegiado determina que quem ocupa certos cargos seja julgado em
esferas específicas do Poder Judiciário. Pelo entendimento em vigor, inquéritos
e processos criminais envolvendo autoridades como deputados e senadores só
precisam começar e terminar no STF se tiverem relação com o exercício do
mandato.
QUANDO SURGIU?
A prerrogativa já existia na primeira Constituição brasileira, de 1824. Cabia
ao Senado imperial "conhecer dos delitos individuais, cometidos pelos membros
da Família Imperial, ministros de Estado, conselheiros de Estado, e senadores;
e dos delitos dos deputados, durante o período da legislatura".
Esse mesmo texto diz que o imperador tinha personalidade "inviolável e
sagrada".
– Ele não está sujeito a responsabilidade alguma – diz o texto.
QUEM JULGA QUEM?
O STF é quem julga a maioria dos casos. À Corte compete julgar o presidente da
República, o vice-presidente, os ministros, os deputados, os senadores, o
procurador-geral da República, comandantes das Forças Armadas, ministros de
Tribunal de Contas da União (TCU) e chefes de missão diplomática.
Cabe ao Senado julgar crimes de responsabilidade do presidente e do
vice-presidente, de ministros do STF, do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), do
Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), do procurador-geral da
República e do advogado-geral da União.
QUAL A JUSTIFICATIVA PARA A EXISTÊNCIA DO FORO PRIVILEGADIO?
O recurso foi criado para assegurar a imparcialidade dos órgãos julgadores e
impedir o uso indevido do Poder Judiciário em conflitos político-eleitorais,
evitando que instâncias inferiores estejam sob a influência de disputas
regionais, se os casos ali fossem julgados.
QUANDO SE PERDE O FORO PRIVILEGIADO?
Neste momento, a pessoa deixa de ser beneficiada assim que deixa o cargo que
contava com foro privilegiado.
O QUE O STF JULGA?
Em 2018, o STF definiu, por sete votos a quatro, que deputados federais e
senadores só têm o foro privilegiado previsto quando os crimes são cometidos no
exercício do mandato e em função do cargo em que ocupam. Crimes comuns
realizados antes de os parlamentares assumirem seus cargos ou sem nenhuma
ligação com as funções são julgados por tribunais de primeira instância. É esse
ponto que agora pode mudar.
O pano de fundo do atual julgamento é um habeas corpus do senador
Zequinha Marinho (Podemos-PA). Ele é réu em uma ação penal na Justiça Federal
do Distrito Federal por suspeita operar um esquema de "rachadinha" quando
exercia a função de deputado federal. A defesa nega as acusações e diz que o
processo deveria tramitar no Supremo, porque desde então ele exerce cargos com
prerrogativa de foro.
Nesse caso, a nova regra valeria para casos de renúncia, não reeleição,
cassação, entre outros.
COMO ESTÁ O JULGAMENTO NO STF?
Neste momento, o julgamento foi suspenso, por pedido de vista (mais tempo para
análise) do presidente do STF, Luís Roberto Barroso, feito nesta sexta (29). O
placar está com cinco votos favoráveis à manutenção da prerrogativa mesmo após
a saída das funções. Os ministros Cristiano Zanin, Dias Toffoli e Flávio Dino
acompanharam Gilmar antes de Barroso pedir vista. Mesmo com a suspensão, o
ministro Alexandre de Moraes decidiu antecipar o voto e acompanhar o voto do
relator.
*AE