Poucos dias depois de o presidente Luiz Inácio Lula da Silva ter
expressado confiança em que a Venezuela terá eleições presidenciais
democráticas este ano e, na mesma fala, ter afirmado que a oposição ao governo
de Nicolás Maduro deveria deixar de "chorar", o presidente do Chile, Gabriel
Boric, reiterou sua denúncia sobre violações dos direitos humanos e políticos
na Venezuela.
Após reunir-se com o primeiro-ministro da Espanha, Pedro Sánchez, na
última sexta-feira, o chefe de Estado chileno foi enfático ao falar sobre a
Venezuela de Maduro, abordando temas que Lula evita mencionar, especialmente a
repressão a opositores do governo. Boric iniciou suas declarações comentando o
assassinato do ex-militar venezuelano Ronald Ojeda em Santiago, recentemente,
caso que causou enorme preocupação no Palácio de la Moneda. Ojeda, que fugiu da
Venezuela após ter estado preso e ter sido acusado de traição à Pátria pelo
governo Maduro, foi sequestrado no apartamento onde morava na capital chilena e
apareceu morto alguns dias depois.
— Fui muito crítico, e não apenas crítico, denunciei em foros
internacionais as violações dos direitos humanos de um regime que, sem dúvidas,
tornou-se autoritário, como é o regime venezuelano — disse Boric. — Nós, como
governo, buscamos colaborar para que seja recuperado um rumo democrático, e
para que as eleições que devem ser realizadas este ano cumpram com todas as
garantias para todos os setores políticos na Venezuela — continuou.
O presidente do Chile defendeu sua posição, que se contrapõe abertamente
a de Lula:
— A posição do Estado chileno é coerente, tanto sobre o que acontece na
Venezuela, o que acontece na Ucrânia, ou o que acontece hoje em dia em Gaza.
Não tenho nenhum problema em continuar reafirmando isso, mesmo que cause
moléstia, mas a coerência é um valor fundamental nesses aspectos.
Na quarta-feira, Lula fez um paralelo entre a oposição venezuelana e as
eleições presidenciais brasileiras de 2018, quando foi impedido de concorrer
porque estava preso em decorrência da Operação Lava Jato. O petista afirmou
que, ao ter a candidatura vetada, "ao invés de ficar chorando", indicou outro
candidato para a disputa (o atual ministro da Fazenda, Fernando Haddad, que foi
derrotado por Jair Bolsonaro). Questionado se é possível ter uma eleição justa
no contexto atual do país, Lula ainda afirmou que olheiros do mundo inteiro
foram convidados a acompanhar o pleito, embora tenha ressaltado que, se a
oposição na Venezuela tiver o mesmo comportamento da brasileira, "nada vale".
— Sabe que eu fiquei feliz que foi marcada eleição na Venezuela. O que
disseram na reunião que tive na Guiana é que vão convidar olheiros do mundo
inteiro. Mas se o candidato da oposição tiver o mesmo comportamento da oposição
daqui, nada vale — afirmou Lula.
Principal opositora do presidente venezuelano e impedida de concorrer às
eleições de julho, María Corina Machado rebateu as declarações de Lula e disse
que o presidente brasileiro estava "validando os abusos de um autocrata que
viola a Constituição".
"Eu chorando, presidente Lula? Você está dizendo isso porque sou mulher?
Você não me conhece. Luto para fazer valer o direito de milhões de venezuelanos
que votaram em mim nas primárias e dos milhões que têm o direito de fazê-lo
numa eleição presidencial livre em que derrotarei Maduro", respondeu María
Corina no X (antigo Twitter). "O senhor está validando os abusos de um
autocrata que viola a Constituição e o Acordo de Barbados, que o senhor afirma
apoiar. A única verdade é que Maduro tem medo de me confrontar porque sabe que
o povo venezuelano está hoje na rua comigo".
A realização de eleições livres, justas e transparentes ainda este ano
fazia parte do acordo firmado em Barbados, no fim do ano passado, entre governo
e oposição venezuelana, com a presença de observadores internacionais. Uma das
cláusulas previstas no documento exigia que os candidatos contrários a Maduro
tivessem permissão para recorrer de decisões judiciais que os desqualificassem
para o cargo.
Em janeiro, no entanto, o Tribunal Supremo da Venezuela ratificou a
inabilitação da líder opositora por 15 anos, na prática impedindo que ela
concorra contra Maduro, que busca mais uma reeleição. Além de María Corina,
vencedora de primárias — que posteriormente foram anuladas — em outubro,
Henrique Capriles, que concorreu duas vezes à Presidência, também teve sua
inabilitação confirmada.
Sequestro de ex-militar venezuelano no Chile é
"gravíssimo", diz Boric
No mesmo discurso feito nesta sexta-feira, Boric comentou pela primeira
vez a morte de Ronald Ojeda, ex-militar venezuelano e opositor de Maduro que
vivia exilado no Chile, afirmando que este era um caso "gravíssimo". Na
segunda-feira, o Ministério Público chileno concluiu que a facção criminosa
Trem de Aragua, a maior da Venezuela, esteve por trás do assassinato. Boric foi
questionado sobre as declarações do presidente do Partido Comunista do Chile,
Lautaro Carmona, que evitou qualificar o governo de Maduro como uma "ditadura".
— A voz do governo e quem decide a política externa sou eu. E eu
estabeleci publicamente uma condenação clara às violações dos direitos humanos
e às restrições à liberdade de expressão que, do nosso ponto de vista,
existiram nos últimos anos na Venezuela — declarou.
Também nesta sexta-feira, María Corina recebeu o reconhecimento da
Comunidade de Madri, na Espanha, pelo Dia Internacional da Mulher. Após receber
a condecoração, entregue à sua filha na cidade espanhola, ela pediu que o mundo
fosse "a voz dos venezuelanos que nunca desistirão da busca pela liberdade",
apontando que a Venezuela precisa "mais do que nunca" das "vozes de todos os
democratas do mundo".
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