Um servidor com cargo de gerência na Agência Nacional de Transportes Terrestres
(ANTT) é acusado de golpes milionários em Brasília. O homem acumula dívidas e
processos judiciais em que vítimas narraram a mesma situação. Elas emprestaram
dinheiro ao servidor público, que pedia grandes quantias sob a desculpa de que
investiria em gados, mas, na data do pagamento, não honrava os compromissos. A
reportagem teve acesso a nove ações contra ele, que mostram, ao todo, um valor
devido de R$ 1,6 milhão.
Edinailton Silva Rodrigues é gerente de Modelagem Econômico-Financeira
substituto na ANTT. Segundo as vítimas, ele dizia ter uma fazenda no Maranhão e
pedia dinheiro para comprar gados, engordar os bovinos e pagar os empréstimos
com o valor da venda do gado gordo. Somente com dois moradores da Asa Norte,
ele conseguiu arrecadar R$ 557 mil.
Graduado em direito e economia pela Universidade de Brasília (UnB),
Edinailton fez empréstimos com amigos, conhecidos da época da faculdade e
colegas de trabalho. Para dar segurança às vítimas, ele chegava a assinar
documentos de confissão de dívidas.
"O devedor reconhece e confessa que deve R$ 464.777,00 ao credor
relativo às parcelas vencidas e inadimplidas, assim como as vincendas", diz uma
confissão que ele assinou em março de 2023, autenticado no 4º Ofício de Notas,
da Asa Norte.
A quinta cláusula do contrato prevê, ainda, multa e juros em caso de não
pagamento. O valor teria que ser pago em 17 de março de 2023, mas, como consta
na petição da defesa da vítima, "a dívida restou integralmente inadimplida". Ou
seja, nada foi recebido. O advogado atualizou o valor com a multa contratual,
custas processuais e honorários, fazendo com que a quantia devida ficasse em R$
601.849,87, somente de um dos processos, contra uma pessoa lesada.
Penhora de salário
Em outro caso, o servidor da ANTT pediu empréstimo de R$ 29.246,46 e também
assinou uma confissão de dívida. Em decisão de setembro do ano passado, a
Justiça entendeu que Edinailton usufruiu "dos bens e serviços e não cumpriu com
a obrigação, causando prejuízo à parte exequente", e afirmou que os
comprovantes de rendimentos dele "demonstram sua capacidade de pagamento do
débito, embora não de uma só vez".
"Assim, é razoável que haja desconto mensal em folha de pagamento, de
percentual sobre o salário, para fim de quitação do débito, eis que não
atingirão a dignidade do(s) executado(s), nem impedirá sua sobrevivência e de
sua família. Ante o exposto, defiro em parte o pedido do exequente,
determinando a penhora de 10% do salário líquido do(s) executado(s) Edinailton
Silva Rodrigues, a se realizar mensalmente mediante desconto em folha de
pagamento, até a satisfação integral do débito de R$ 42.171,17 (atualizado em
24/08/2023)."
Segundo o Portal da Transparência, o servidor recebe um salário bruto de
R$ 21.300,65. Ele, no entanto, recorreu. Uma nova decisão avaliou que, em
princípio, "salários são impenhoráveis para pagamento" de casos como esse, como
forma de proteger a "dignidade e sobrevivência do devedor e de seus
dependentes". "Tem-se aberto exceção em casos excepcionais que deverão ser
justificados mediante esgotamento de outros meios para satisfação da dívida e
através de cotejo analítico da situação econômico-financeira do devedor, o que
não se evidencia de plano, pelo menos em princípio", traz a decisão.
A Justiça entendeu que o "risco de dano à digna sobrevivência do devedor
é maior e mais relevante que o princípio da efetividade do processo", e aceitou
o pedido para suspender os descontos na folha de pagamento de Edinailton, até
que o colegiado julgue o mérito do recurso.
Já em outro processo, uma decisão de janeiro de 2024, da 1ª Vara de
Execução de Títulos Extrajudiciais e Conflitos Arbitrais de Brasília,
determinou a penhora de um carro do servidor, localizado no Maranhão.
Servidor se defende
Em resposta à reportagem, o servidor da ANTT acusado de calote afirmou que "os
processos de execução em andamento, decorrentes de confissões de dívidas que
foram declaradas junto à Receita Federal, são públicos e estão todos
disponíveis no Processo Judicial Eletrônico".
Edinailton ressalta que os processos de execução estão em andamento, e
não há trânsito em julgado. Nos processos, ele discute o que aponta como
excessos de execução e abusos de direito, por exemplo. Em um dos casos, em que
uma parte cobra dois pagamentos não realizados, o servidor público diz que a
vítima que o processa "se aproveitou da situação para incluir no contrato
cláusulas draconianas".
Na petição, ele contesta o montante cobrado e diz que o valor é
excessivo, e que "cláusulas abusivas" foram inseridas no contrato de confissão
de dívida. "O embargado tenta tão somente tirar proveito de uma situação de
dificuldade pela qual passa o embargante para se locupletar, para isso cria uma
narrativa fantasiosa", se defende o servidor, no processo.
Na mesma peça, Edinailton reconhece que ainda possui um débito a ser
quitado, mas alega que o valor devido, descontando o que já foi pago, "fica em
torno de 1/3 do que o embargado executou".
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