São Paulo – A iminente saída do procurador-geral de Justiça, Mário Sarrubbo,
para ocupar a Secretaria Nacional de Segurança Pública abriu uma disputa
interna pelo comando do Ministério Público de São Paulo (MPSP). Há anos, o
órgão não está tão dividido. Cinco candidatos se apresentam aos pares para
ocupar a cadeira e há, de fato, sérias divergências entre eles. Sarrubbo tem aliados
na disputa, mas, também uma oposição bastante crítica.
Candidato de oposição à gestão de Sarrubbo, o procurador de
Justiça José Carlos Bonilha quer se apresentar como antítese de ex-chefes do
MPSP que mudaram de lado e foram parar em secretarias do governo. Sobre
Sarrubbo, diz que sua ida a Brasília mostra que agora ministros do Supremo
Tribunal Federal (STF) também têm ingerência sobre o órgão. Defende quarentena
a promotores e procuradores que queiram entrar para a política e diz que a
prática tem desgastado a imagem do órgão.
Ao mesmo tempo, porém, diz ter "convergências" justamente com o
governador Tarcísio de Freitas (Republicanos), a quem caberá escolher o próprio
procurador-geral de Justiça. Como o chefe do Executivo, ele se diz católico,
critica a prioridade do procurador-geral de Justiça sobre ações contra cultos
em Câmaras Municipais e diz que "não há provas" de que câmeras em uniformes de
policiais deem mais segurança à população. Ele afirma que o MPSP não tem uma
política de combate à criminalidade e que o PCC "manda em São Paulo".
Na última, a classe estava desanimada porque ele tinha perdido a
primeira eleição dele de forma acachapante [ficou em segundo colocado em uma
lista de dois], e o João Doria (PSDB) nomeou mesmo assim. Quando ele foi
reconduzido, no biênio seguinte, a classe estava tão desestimulada que falou:
"É ele mesmo". E ele ia se apresentar até o único candidato. Aí, lá no Palácio
dos Bandeirantes, tinha um parecer que dizia o seguinte: se levar uma lista
tríplice com apenas um nome, o governador pode desprezá-la e nomear qualquer
procurador, porque uma lista com candidato único cercearia a liberdade de
escolha do governador. Então, para evitar que isso acontecesse, o Sarrubbo saiu
atrás de dois amiguinhos dele que nunca tiveram nenhuma expressão política e se
inscreveram na última hora para servirem como dama de companhia. Foi um simulacro
de lista tríplice.
Ao longo das últimas décadas, muitos chefes do MPSP deixaram o
cargo para integrar o governo do Estado. Agora, o procurador-geral deixou o
cargo para integrar o governo federal. Por que há esse fenômeno em São Paulo?
Nas últimas décadas em que houve hegemonia do PMDB e PSDB, todos
os governadores tinham o seu procurador-geral de estimação. A verdade é essa.
Todo mundo já sabia antecipadamente quem seria o nomeado e o procurador-geral
colocava Procuradoria-Geral a serviço de interesses do Executivo. Agora temos
uma história mais recente de que o MP está a serviço de um ministro da Suprema
Corte e não só aqui do governo, né? A ingerência é tão escandalosa que todo
mundo sabe disso.
Eu acho ruim. Ele está abrindo mão no curso do exercício do
mandato para ser secretário de um ministro que foi investido politicamente, que
tem o seu alinhamento político ao governo federal, então isso só reforça a
ideia de que há um viés político-partidário que me parece incompatível com o
exercício do cargo de procurador-geral. Essa aproximação não tem o meu aplauso.
Esse alinhamento político-partidário, na minha opinião, é um grave equívoco,
que provoca agravos na imagem da instituição. Todo mundo hoje fala e é nítido o
alinhamento de procurador-geral com esse ou com aquele governador, com
ministro, e isso é péssimo e não consulta aos interesses da instituição.
O sr. se mostra crítico à ida de procuradores para a política. O
que acha da quarentena para membros do MP?
Eu sou amplamente a favor de uma quarentena mínima. O promotor, o
PGJ é o que pode processar o governador e secretários de Estado. Ele deixa a
Procuradoria-Geral num dia, deixa a condição de fiscal, e vai trabalhar no dia
seguinte para o fiscalizado. Isso é absolutamente antiético. Deveria [ter], é
imperioso que tenha uma norma jurídica, não basta a norma ética. Nós temos
muitos exemplos de procurador-geral que sai da Procuradoria-Geral e vai
trabalhar com o governador no dia seguinte.
O Sarrubbo estabeleceu o que a imprensa chamou de cruzada contra
as leis municipais que asseguram que, no começo das sessões na Câmara
Municipal, haja alusão a Deus, certo? Então, veja bem, eu sou promotor em
Andradina, vou lá e falo para o cidadão: O senhor mora em Andradina? Moro. A
sua vida melhorou agora depois que foi declarada a inconstitucionalidade da lei
que previa alusão a Deus no começo da sessão? O cara vai dar risada na sua
cara. Vai falar: Doutor, o problema aqui é segurança viária, tem uma rodovia
aqui que tem muito acidente, morre muita gente. Em Ribeirão Preto, ele vai
dizer que é o crime organizado. Quando o Sarrubbo elege esse tipo de medida
como prioridade, ele está adotando o viés político e ideológico de militância
esquerdista. O cara está investido num baita de um cargo com poder absoluto
para ficar fazendo esse tipo de coisa? Usando linguagem neutra, ele é o cara que
fala: Bom dia a todos, todas e todes. Acha que isso é ser linha dura?
Gaeco é grupo, não é promotoria. O grupo tem um um tempo de
duração relativamente curto. No grupo, os promotores são designados, eles não
são inamovíveis. Se der certo, continuam, se não der, o grupo acaba. Eles não
têm garantia de que vão ficar lá. E se você for entrevistar um cara do Gaeco,
ele vai falar que está tudo bem. Se falar mal do procurador-geral, no dia
seguinte está na rua. É de reconhecer que esses colegas trabalham forte, mas
por conta do seu voluntarismo pessoal, não porque seja prioridade do PGJ de
oferecer estrutura a ele. O MPSP não tem política de combate à criminalidade.
Isso, rigorosamente, em São Paulo, não existe. Haja vista o que o PCC manda e
desmanda no Estado de São Paulo há muitos anos. Os promotores de execução
criminal, que acompanham o cumprimento das penas, estão abandonados. Aí você
vai perguntar para o procurador-geral e ele fala: Eu sou entusiasta da
saidinha, porque isso visa ressocialização. Ele diz ser linha dura, mas isso
não condiz com a realidade. Não mostra coincidência entre essa retórica, esse
projeto que ele está apresentando, absolutamente. Ele é conhecido por essa
adesão a uma pauta dos direitos humanos exacerbada, entendeu? De vitimizar
bandidos dizendo que ele é uma vítima da sociedade, de não dar proteção para a
vítima do crime. Ele fica é com pautas identitárias.
O sr. critica o alinhamento de colegas ao governo do Estado, mas
essas críticas sobre uso de linguagem neutra, à saidinha, elas não são uma
demonstração de alinhamento justamente ao governador Tarcísio de Freitas
(Republicanos) e seu entorno?
Não. Eu tenho o meu posicionamento, os meus valores, que são
cristãos. Eu sou católico, eu pratico. Eu participo de missa, eu tenho os meus
valores morais e éticos. Eu nunca fui vinculado a nenhum partido político ou a
algum político profissional. Eu tenho ouvido as posturas do governador,
conhecendo a origem dele, o pensamento dele, eu encontro convergências entre o
meu pensamento e o que ele externa. Mas eu não tenho, assim, vinculação com
esse ou com aquele segmento político-partidário, absolutamente. A minha
disposição em disputar é por conta do oferecimento dos valores que eu acredito,
mas principalmente pelo cumprimento do regime constitucional e de legalidade.
Eu sou contra o MP ter um chefe que queira colocar sua marca pessoal. Não tem
marca pessoal nenhuma. O procurador-geral, assim como o promotor, é um servidor
público. Ele não tem que colocar marca pessoal, ele tem que cumprir o que a lei
determina.
Determina, é claro, não tem como abolir a saidinha. Eu só acho que
a gente tem que pensar mais sobre isso, aperfeiçoar essa saída. Não sou contra,
isso está na Lei Processual Penal, Lei de Execuções Criminais, na própria
Constituição. Não tem como negar isso. O que eu acho é que não pode ver isso
como uma forma de ressocialização de preso. Isso, não. Isso é um direito
concedido ao preso, ele pode visitar a família, ele pode sair no Natal. Agora,
vender esse instituto como algo que ressocializa preso, isso é falacioso. Isso
não é verdade, a ressocialização tem que se dar no dia a dia no cárcere.
Trabalho, estudo e etc. Não adianta deixar o cara lá um ano inteiro trancafiado
numa jaula e depois falar: Amanhã, você tem sete dias para sair. Como é que o
cara vai sair ? O cara vai sair babando.
Esse é mais uma tema técnico que está sendo politizado. O MP
exerce o controle externo da atividade policial por força de seu papel
constitucional. Ao longo da história, foi se construindo um relacionamento
institucional e responsável entre MP e polícias. Os governos estaduais têm
dificuldades econômicas para a implantação das câmeras em todos os fardamentos,
e agora terão os municípios, também. O Ministério da Justiça baixou uma
recomendação no sentido de uso de câmeras. Não se trata de resolução. Não há
obrigatoriedade. Argumenta-se que as câmeras podem ajudar em casos criminais,
na produção de provas, e até protegem os policiais, em certa medida. Todavia, a
questão é que a defesa das câmeras é feita a partir do preconceito de que a
polícia age despoticamente e na ilegalidade. Essa é uma situação excepcional,
não é a maioria dos policiais que viola a presunção de legalidade. Não existe
lei que imponha ao governante a implantação de câmeras nos fardamentos.
Havendo, não tenho dúvidas de que os governantes darão cumprimento à lei. E, na
omissão, caberá ao MP atuar pelos instrumentos legais existentes. A
convergência que podemos ter com o governador é no sentido de que ele não está
obrigado legalmente à implantação. Mas isso não impede que o Estado adote a
medida, nas forças de seu orçamento.
O que acontece é que muitos créditos já reconhecidos legalmente
não foram pagos. A instituição tem um passivo para com os seus membros porque
ela deixou de pagar valores que eram devidos durante muito tempo, e os
promotores reclamam o recebimento desses valores. O TJ tem o orçamento do
Tesouro, mas ele tem a totalidade das custas judiciais. Foi aprovada no governo
Alckmin uma lei que deu a totalidade dos valores das custas. Esses valores
podem ser utilizados para pagamento da folha e isso gerou uma desequiparação em
relação ao MP, que tem que ter paridade com a magistratura pela Constituição.
Então, a "promotorada" fica se sentindo muito subalterna, porque essa
equiparação na prática não existe. Em outra gestão, trabalhei para que o MP
ganhasse parte dos emolumentos de cartórios. Tenho uma proposta de que
promotores possam oficiar na Junta Comercial para ter uma fonte mais
probatória, mais robusta de provas em investigações sobre o crime organizado e
fazer, eventualmente, jus a valores, assim como acontece nos cartórios. Seria
uma forma de pagar os créditos devidos e não tirar do Tesouro.
É péssimo, eu concordo com você em gênero, número e grau. Eu só
estou querendo legitimar essa grita de alguns colegas que pleiteiam a
equiparação e receber aquilo que já foi legalmente reconhecido como crédito, entendeu?
Acho que não tem que haver aumento do subsídio, isso não. Promotor já ganha
bem. o que ele precisa é receber aquilo que é passivo da instituição, que tem
um passivo com ele, não é? Ele tem esse direito. Então, para receber esse
direito, ele não pode sangrar o Tesouro. Ele tem que buscar uma fonte
alternativa, entendeu? E quitado esse passivo, toca a vida. A própria
Constituição estabelece o limite [de pagamento] e em relação ao qual não pode
haver ultrapassagem.
Fonte: Metrópoles