Os incêndios ainda persistem na Bolívia e agora ameaçam áreas urbanas, destacando-se o caso próximo a Rurrenabaque, no departamento de Beni, a mais de 400 km da capital La Paz. Desde o início do ano, o país testemunhou a perda de 2,9 milhões de hectares em incêndios florestais. As informações são da Rádio França Internacional.
Nos últimos dias, a intensificação dos incêndios resultou, pela primeira vez, na completa destruição de casas, apesar da mobilização das comunidades locais na reserva Pilon Lajas. Uma única brasa soprada pelo vento foi suficiente para inflamar a propriedade de Albertina Gomez na comunidade de Buena Vista, em San Buenaventura. "Esta era minha casa. Poeira, tudo virou poeira", lamenta.
A jornalista Camille Bouju, enviada especial da RFI em Rurrenabaque, relatou cenas comoventes em sua reportagem, descrevendo detalhadamente quatro residências incendiadas. "Cacos de vidro estão espalhados pelo chão. Um ventilador ainda está derretendo. Ao redor, as casas estão desertas. Quarenta e cinco pessoas foram abrigadas em uma escola. As famílias foram embora, mas a fumaça acre persiste. A comunidade também perdeu muitas terras. Campos de cacau e bananas, não sobrou nada", detalha.
Dario, um fazendeiro local, expressa preocupação com seu sustento após a destruição de suas terras. "Por exemplo, o que eu ia poder colher daqui a alguns meses, não sobrou nada, está tudo queimado, o que vou comer amanhã?", questiona.
A origem do incêndio remonta a quatro meses, na região chamada de chaco, onde agricultores queimaram a vegetação natural para transformá-la em campos de pecuária e agricultura. Contudo, devido à seca e à falta de chuva, o fogo se descontrolou.
Do outro lado do rio Beni, a comunidade de Carmen Flora luta para conter as chamas. A repórter navegou "por alguns minutos em meio a uma névoa que irrita a garganta", antes de chegar às primeiras residências. "Aqui, as casas são feitas de madeira, bambu e folhas de palmeira secas e, portanto, são facilmente incendiadas", descreve a jornalista no local.
Bouju relata ter testemunhado moradores desta população amazônica lutando contra as chamas com as próprias mãos, usando até facões para cortar a mata e evitar a propagação do fogo em uma estrada assim que avistaram fumaça saindo das árvores, revezando-se dia e noite na floresta.
Segundo ela, as vidas cotidianas dos habitantes da cidade de Rurrenabaque são completamente marcadas pelos incêndios. As moradoras Luz e Valéria coletaram doações para comprar alimentos e estão distribuindo garrafas de água e lanches nas margens do rio em várias entradas da selva para apoiar os voluntários exaustos. "As pessoas estão cansadas, exaustas e com as forças esgotadas", argumentam.
"São 21 horas, por favor, precisamos de leite aqui em cima", Luz recebe essa mensagem enquanto dezenas de pessoas estavam mobilizadas perto de uma casa ameaçada pelo fogo. O leite serve para desintoxicar o corpo após a inalação de fumaça.
Os voluntários que chegavam para reforçar o combate às chamas não utilizavam proteção. Durante semanas, os moradores se sentiram abandonados à própria sorte e clamaram por ajuda internacional. O governo boliviano entrou em contato com outros países, como França, Chile e Brasil, alimentando as esperanças da população local.
Gazeta Brasil