Os atentados nas escolas se tornaram uma triste realidade no Brasil. Com o aumento da frequência desses terríveis eventos, é fundamental entender com responsabilidade as causas por trás deles e buscar maneiras de preveni-los.
Confira a seguir as razões por trás dos massacres nas escolas, por que a frequência vem aumentando no Brasil e como a facilidade de acesso a armas, a prática do bullying e as redes sociais tem influenciado o comportamento de milhares de jovens estudantes.
Infelizmente, o ataque do dia 23 de outubro na Escola Estadual Sapopemba (SP) veio a somar nas estatísticas de violência no ambiente escolar brasileiro. De casos isolados no início do anos 2000, vinte e três anos depois vemos a frequência dos massacres em escolas no país alcançar números alarmantes.
De acordo com o levantamento feito pela organização sem fins lucrativos Instituto Sou da Paz, "Raio-x de 20 anos de ataques a escolas no Brasil", o Brasil sofreu 24 ataques a escolas entre 2002 e abril de 2023, deixando 137 vítimas fatais e não fatais.
As escolas públicas são as mais atingidas, com 76% dos casos. O estudo também concluiu que os "ataques a tiros geraram três vezes mais vítimas fatais do que as ocorrências com armas cortantes ou perfurantes".
A sensação de que os atentados nos ambientes escolares vem se tornando cada vez mais frequentes é real. Os pesquisadores do Instituto Sou da Paz verificaram uma tendência de alta a partir de 2019. Somente os anos de 2022 e 2023 somam 12 casos, metade dos ataques registrados em 20 anos.
Massacres em escolas vem registrando números recordes após a pandemia do COVID-19.Fonte: Instituto Sou da Paz
O perfil dos autores é sempre o mesmo: homens brancos e jovens, sendo que a maioria (57%) ainda tem vínculo com a escola alvo. Outro dado importante está relacionado a fortes indícios de que os ataques são planejados com semanas, e até meses, de antecedência.
Isso significa que há tempo para a comunidade escolar e os órgãos públicos intervirem, acolhendo esses adolescentes que se isolam e que acabam recorrendo à violência para lidar com a baixa autoestima e o bullying sofrido pelos colegas de classe, antes de uma tragédia acontecer.
Para o professor e pesquisador da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (USP), Daniel Cara, "hoje a sociedade brasileira já se assemelha àquilo que existe de pior em termos de segurança pública na sociedade dos Estados Unidos" (via jornal Extra Classe).
As pesquisas científicas norte-americanas sobre massacres nas escolas são bem mais numerosas que o arcabouço brasileiro, o que faz sentido quando olhamos para o escalonamento de ataques nos EUA: 377 incidentes identificados pelo Washington Post desde 1999, sendo um quarto deles realizados entre 2021 e 2022.
A descrição dos autores é semelhante, majoritariamente homens brancos, sem registros anteriores de sintomas psicóticos e menos da metade dos assassinos comete suicídio após o ato.
A cada episódio cometido nos colégios brasileiros, os governantes são pressionados a criarem protocolos de prevenção, alocar policiais dentro das escolas e elaborar políticas públicas mais efetivas a fim de evitar novos casos. Mas o problema é bem mais complexo e discutiremos ponto a ponto a seguir!
O Brasil tem uma longa história de violência armada e o acesso a esse tipo de ferramenta é uma questão profundamente enraizada em sua cultura. Quando olhamos para o contexto escolar, há um agravante.
A exibição de armas passou a ser visto como motivo de prestígio entre os jovens com perfis semelhantes aos dos autores de atentados. Aliado a isso, a legislação brasileira que restringia a posse de armas de fogo foi flexibilizada em 2019 no governo Bolsonaro pelo Decreto nº 9.785, tornando o processo de aquisição menos burocrático.
O bullying é uma forma de assédio repetitivo, que pode assumir diversas formas, como assédio verbal, social, psicológico e, em alguns casos, físico. O problema está presente em muitas escolas brasileiras e é considerado pelos especialistas como uma das principais causas dos atentados.
Para a psicóloga Samantha Froelich, o primeiro ponto de prevenção nesse processo é o trabalho do psicólogo escolar. "O profissional pode promover atividades de conscientização em grupo, abrindo espaço dentro da escola para que as crianças saibam que podem ser escutadas e ajudadas".
Crianças e adolescentes são mais vulneráveis aos efeitos do bullying.Fonte: GettyImages
Além disso, o psicólogo consegue atuar junto aos professores, analisando suas percepções dentro de sala de aula, fazendo o acolhimento do aluno, repassando direcionamentos aos familiares e recomendando tratamentos específicos para cada caso.
No entanto, a presença de psicólogos nas escolas é insuficiente no Brasil. Segundo o Conselho Federal de Psicologia, o país conta com apenas um psicólogo para cada 1.853 estudantes na educação básica. Esse déficit de profissionais de saúde mental nas escolas é mais um obstáculo significativo para os programas de prevenção.
3) Discursos de ódio na internet
O acompanhamento próximo feito por profissionais capacitados também é o melhor caminho para evitar que estudantes do ensino fundamental e médio sejam aliciados pelos discursos de ódio presentes nas redes sociais, como os incitados por grupos neonazistas.
Em entrevista para a BBC News Brasil, a socióloga e diretora do Instituto Sou da Paz, Carolina Ricardo, ressalta que o efeito desses discursos extremistas em chats de jogos online são intensificados em pessoas que sofrem cyberbullying ou se sentem excluídas da comunidade em que vivem.
Com a disseminação de plataformas de mídia social e a falta de uma regulamentação eficaz no Brasil, as vítimas não conseguem escapar do assédio nem mesmo em casa. As redes sociais forneceram aos agressores um novo meio para disseminar o ódio e a violência.
Logo, a exposição constante às redes sociais pode ter um impacto negativo na saúde mental dos jovens, cuja faixa etária tem a tendência a buscar por validação e pertencimento naturalmente.
4) A espetacularização dos crimes pela imprensa
Casos passados, como o trágico evento em Suzano (2019), frequentemente servem de inspiração para futuros ataques. Alguns indivíduos envolvidos nesse tipo de crime buscam notoriedade, pois as comunidades extremistas incentivam e glorificam tais atos.
Muitos deles examinam detalhes mórbidos, como o quarto do agressor, trocas de mensagens e objetos pessoais, buscando, de alguma forma, se identificar.
Especialistas alertam para o fenômeno conhecido como "efeito contágio". Quando um ataque violento em uma escola é amplamente divulgado, isso aumenta a probabilidade de ataques similares.
A imprensa tem um papel fundamental: informar com responsabilidade.Fonte: GettyImages
Para conter esse efeito prejudicial, grandes redes de notícias, como CNN, Band, Grupo Globo e Canal Meio, optaram por não divulgar nomes, fotos ou vídeos dos suspeitos em casos de atentados.
Essa medida foi adotada apenas em abril de 2023, após um trágico incidente na creche Cantinho Bom Pastor, em Blumenau (SC), onde quatro crianças foram mortas e outras três ficaram feridas.
Na experiência de Fabiana Rissato de Paula Carvalho, professora há 30 anos, é difícil assistir a cenas lamentáveis como as que assistimos recorrentemente na mídia e ressalta que o emocional da comunidade escolar fica abalado.
"Leciono somente na rede particular de ensino, que diante desse quadro, mobilizou-se para evitar e afastar tais atitudes cruéis. Houve investimento na infraestrutura (mais saídas de emergência, cerca elétrica), contratação de seguranças, que rondam pela escola o tempo todo, treinamento de todos os colaboradores e detectores de mental. A escola parece mais um presídio", compartilha Carvalho.
Como pais e professores podem reconhecer os sinais
A prevenção dos massacres nas escolas não é responsabilidade apenas das instituições educacionais e dos órgãos públicos. Familiares, professores, pedagogos e diretores também desempenham papéis fundamentais nesse processo.
Reconhecer os sinais de alerta e agir precocemente é essencial para identificar estudantes em risco e buscar ajuda adequada. Aqui estão algumas maneiras de como a comunidade escolar podem desempenhar esse papel que salva vidas:
Com esforços coordenados entre o governo, escolas, famílias e organizações, é possível trabalharmos juntos para prevenir massacres nas escolas e proteger nossas crianças e adolescentes. Um desafio complexo, mas é um que não podemos ignorar, pois o futuro da juventude está em jogo.
Fonte: Créditos: Tecmundo