A menos de um ano das eleições, o país corre o risco de chegar a mais de um pleito sem regras estruturadas de combate a fake news.
No que se refere ao contexto específico da disputa eleitoral, já é certo que o Congresso não aprovará novas regras, já que pelo princípio da anualidade eleitoral, o que vale para 2024 teria que ter sido votado e sancionado até 5 de outubro, o que não ocorreu.
Em 2021, a Câmara aprovou um novo Código Eleitoral, que também incluiu a temática da campanha na internet e envolveu propostas polêmicas ao longo de sua discussão.
Amplo e alvo de críticas em mais de uma frente, o projeto não andou no Senado. Já a minirreforma eleitoral encampada pela Câmara perto do limite do prazo nem sequer tratou do assunto.
Um outro caminho, que serviria para aumentar as obrigações das plataformas, é o projeto de lei 2.630, que ficou conhecido como PL das Fake News.
As últimas versões da proposta previam mais responsabilidade para as empresas por aquilo que nelas circula, em especial sobre conteúdo pago, além de trazer uma série de requisitos de transparência.
Em um cenário em que o PL 2.630 não avance, o Legislativo deixará mais uma vez um vácuo que provavelmente será ocupado pela Justiça Eleitoral.
O presidente do TSE (Tribunal Superior Eleitoral), ministro Alexandre de Moraes, fez cobranças recentemente sobre o assunto, assim como o presidente do STF (Supremo Tribunal Federal), ministro Luís Roberto Barroso.
Yasmin Curzy, professora de direito da FGV-Rio, vê a inação sobre o tema como uma omissão do Legislativo e destaca que muitos dos mecanismos existentes hoje são usados para lidar com casos individuais, defendendo a importância de uma regulação ampla, que avance por exemplo nas obrigações de transparência e sobre as políticas das plataformas.
"Há necessidade urgente de atualizar e especificar a legislação para tratar adequadamente da questão da desinformação em eleições, levando em consideração a complexidade e a escala do problema no ambiente digital", diz.
Criticado por parte dos parlamentares por ultrapassar os limites de suas competências, o TSE vem nos últimos anos fazendo uso das resoluções para preencher lacunas.
"A Lei das Eleições, que protege do fato sabidamente inverídico, é uma lei de 1997, então é uma regulamentação na temática das eleições totalmente analógica", diz Anna Paula Mendes, professora de direito eleitoral e coordenadora acadêmica da Abradep (Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político).
Ela afirma que mecanismos como direito de resposta não foram revisitados e não são o desenho mais adequado para lidar com a questão. "Foi uma legislação pensada com a cabeça de outro momento", diz.
Por meio de resoluções, o TSE vetou disparos em massa e também a divulgação de fatos gravemente descontextualizados, para além dos sabidamente inverídicos.
O prazo para a corte editar resoluções para 2024 termina em 5 de março. Até lá, o tribunal terá que definir o que será feito da polêmica resolução que foi aprovada entre o primeiro e o segundo turno da eleição do ano passado.
Em 2022, em um pleito que convivia com o constante pano de fundo de risco à própria democracia, em meio à uma engendrada campanha de fake news contra as urnas eletrônicas, o tribunal mudou as regras do jogo, a dez dias da eleição, e ampliou seu poder de retirar conteúdos inverídicos e descontextualizados sobre a integridade eleitoral, mesmo sem ser acionado.
Também diminuiu para duas horas o prazo para as big techs excluírem as publicações, sob pena de multa de R$ 100 mil por hora e restringiu a veiculação de anúncios políticos desde 48 horas antes do pleito.
Em relação à presidência do TSE, previu a possibilidade de remover conteúdos idênticos sobre os quais já houvesse decisão anterior, suspender perfis, contas e canais temporariamente em caso de publicação contumaz de informações falsas ou descontextualizadas, e até mesmo a suspensão das plataformas em caso de descumprimento reiterado de ordens.
Diogo Rais, professor de direito eleitoral e digital na Universidade Mackenzie, considera que do modo como a resolução está, não seria possível aplicá-la na eleição municipal.
Ele avalia que o TSE nem sequer teria condições de lidar com o volume da eleição municipal, para manter os poderes concentrados nele, tampouco repassar a tarefa aos Tribunais Regionais Eleitorais é visto como alternativa.
"Descentralizar, por exemplo, para 27 TREs pode fazer com que a gente tenha muita incongruência ou até uma dificuldade de operacionalização", diz.
Outra frente de ação do TSE se deu com a assinatura de convênios com as principais redes sociais e plataformas, junto da criação de um programa de desinformação, com uma assessoria especial responsável por tocá-lo.
Entre os aspectos considerados positivos dos acordos estão o de tornar mais ágil o contato entre a equipe do TSE e as empresas, com a criação de canais para envio direto de links suspeitos.
Os acordos não abrangeram que tipo de conteúdo deve ou não ser removido, algo definido pelas políticas de cada empresa. Ficou previsto, porém, que elas deveriam publicar regras sobre integridade cívica.
As lacunas das regras em relação ao cenário brasileiro, entretanto, já vinham sendo apontadas por especialistas e pela sociedade civil meses antes da eleição. Apenas após o segundo turno, por exemplo, o Facebook e o Instagram passaram a remover postagens com pedidos de intervenção militar no Brasil.
Francisco Brito Cruz, diretor-executivo do Internet Lab, a principal lacuna na legislação está na falta de obrigações para as plataformas, para além de cumprir decisões judiciais, e vê no PL 2630 avanços para a eleição.
Ele vê porém que ainda é possível inovar e avançar no âmbito dos acordos de cooperação, na questão de como as plataformas elaboram e interpretam suas regras.
"As plataformas estão dispostas a discutir as suas políticas de uso nessa discussão de cooperação?", diz ele que vê as resoluções como um caminho para incluir participação social nessa discussão sobre as políticas e até mesmo alguns elementos de transparência.
Procurado pela Folha, o tribunal informou que ainda não há calendário definido para as audiências públicas para tratar das próximas resoluções.
Fonte: Renata Galf/Folhapress