Começa amanhã a segunda etapa do programa Desenrola Brasil, que oferece à população a renegociação de dívidas. Nesta fase, serão beneficiados com descontos médios de 83% os consumidores com dívidas bancárias e não bancárias feitas entre janeiro de 2019 e dezembro de 2022 de até R$ 5 mil (valor atualizado). Para participar, é preciso ainda ter renda de até dois salários mínimos mensais (R$ 2.640) ou estar inscrito no Cadastro Único (CadÚnico) como beneficiário de programas sociais, como o Bolsa Família.
Desempregada, Sandra Paixão, de 53 anos, é uma das mulheres brasileiras que esperam a chance de quitar suas pendências financeiras no Desenrola.
— Eu ouvi no noticiário que o governo daria uma oportunidade de pagar as dívidas e limpar o nome. Eu me animei. Tenho uma dívida no cartão de crédito devido à pandemia. Eu era auxiliar de serviços gerais, e o mundo virou de cabeça para baixo quando eu fui demitida. A gente ficou muito tempo em casa, e as economias foram sendo gastas — diz.
Atualmente, Sandra faz bicos em casas de festas, trabalhando como garçonete e na recreação, e faz curso técnico de Enfermagem, área em que busca uma vaga de estágio. Se equilibrando entre a formação e os serviços, ela sustenta um filho adolescente. Mesmo assim, sempre que consegue juntar uma quantia, procura seus credores ou eventos de renegociação de dívidas para saldá-las. No fim do mês passado, recorreu ao Caminhão Serasa.
— Estou limpando dívidas menores hoje, como a de telefonia. E ainda tenho fé de conseguir no Desenrola abater a dívida do cartão de crédito, que começou em R$ 500 e hoje passou de R$ 4 mil — conta Sandra: — Isso vai representar ficar com a vida livre. Nome sujo impede muitas coisas: fazer financiamento de carro, de casa... Ter dívida tira o sono.
Nesta etapa do Desenrola Brasil, serão renegociadas dívidas como contas de luz, água e internet, compras no varejo, débitos de educação, entre outras. O consumidor poderá escolher entre quitação à vista ou parcelamento em até 60 meses, com juros de até 1,99% ao mês. Os descontos vão variar caso a caso.
As dívidas de até R$ 5 mil terão a prioridade da garantia do governo Fundo de Garantia de Operações (FGO), que soma R$ 8 bilhões. Já as dívidas entre R$ 5 mil e R$ 20 mil poderão ser pagas, nesta fase do programa, pela plataforma, à vista, com o desconto oferecido pelo credor.
O assistente de obras Lucivaldo Pereira, de 34 anos, está desempregado. Enquanto recebe o seguro-desemprego e faz bicos de montagens de móveis para sustentar a família, a rescisão paga pela antiga empregadora tem destino certo. É realizar o sonho que já dura mais de seis anos.
— Tenho duas dívidas, há seis anos, com uma loja de eletrodomésticos. Comprei uma televisão e um ar-condicionado, que ficaram no total R$ 4.200. Mas fiquei desempregado na época também, e minha primeira filha nasceu. Então, não consegui pagar tudo — lembra Lucivaldo.
Ao voltar ao mercado de trabalho, neste intervalo de seis anos, Lucivaldo procurou a empresa para renegociar suas dívidas. Conseguiu diminuir o débito e pagou duas parcelas do acordo. No terceiro mês, porém, as contas apertaram novamente, e ele não conseguiu honrar o compromisso.
Em 2023, a vida continua difícil. Ele é o responsável pelo sustento da mulher, e de três filhos — de 6 anos, 3 anos e 3 meses. Mas sabe que, se fizer acordo pelo Desenrola, precisará honrá-lo. Segundo o governo federal, o não pagamento das parcelas renegociadas levará a uma nova negativação. Portanto, é importante se organizar para pagar em dia.
— Antes do financiamento da dívida, poucos se preocupam se os valores assumidos poderão ser honrados sem prejudicar o futuro financeiro e gerar novas dívidas. É crucial organizar as finanças pessoais para garantir que os pagamentos sejam feitos em dia — orienta Reinaldo Domingos, presidente da DSOP Educação Financeira: — O primeiro passo é criar um diagnóstico detalhado de todos os gastos, listando todas as despesas mensais, como moradia, alimentação, transporte e outras necessidades básicas. A partir daí, reduzir gastos supérfluos e ajustar o estilo de vida para economizar, sem se esquecer de separar parte do dinheiro para sonhos e projetos futuros e também para uma reserva estratégica
A negociação vai acontecer numa plataforma criada pelo governo federal especialmente para o programa. Não haverá necessidade de fazer nenhum download de aplicativo: o site poderá ser acessado pelo computador ou celular. O endereço do link e o horário em que o serviço começa ainda não foi divulgado pelo governo.
Apesar da renegociação na plataforma do Desenrola Brasil começar apenas amanhã, já é possível cumprir uma etapa do processo, fazendo o cadastro no Gov.br.
A primeira tarefa de quem quer participar da segunda fase do Desenrola Brasil é acesssar o portal www.gov.br e preencher um formulário simples, que será validado na Receita Federal ou no INSS. Neste ponto, o nível da conta criada será o mais básico: bronze.
Para entrar na plataforma do Desenrola Brasil, porém, deve-se ter conta de nível prata ou ouro. Para subir para o nível prata, é preciso fazer biometria facial com a Carteira Nacional de Habilitação (CNH), ser servidor federal ou fazer o login pelo banco. Ainda é preciso ter o número de telefone cadastrado na instituição financeira para o recebimento de um SMS de confirmação do acesso. Os bancos credenciados são: Banco do Brasil, Banrisul, Bradesco, Banco de Brasília, Caixa, Sicoob, Santander, Itaú, Agibank, Sicredi, Mercantil do Brasil.
Já a conta Ouro exige o reconhecimento facial pelo aplicativo para conferência da foto nas bases da Justiça Eleitoral (TSE) ou validação a partir do QR Code da sua Carteira de Identidade Nacional ou com Certificado Digital compatível com ICP-Brasil. Também é possível aumentar o nível da conta via app.
A dívida do cartão de crédito da professora de dança Lorena Santos, de 21 anos, surgiu em 2020, quando a jovem precisou arcar com despesas médicas da mãe, que enfrentou um quadro de trombose.
Sem renda após deixar uma vaga de jovem aprendiz num banco, e com a mãe sem trabalhar por conta da doença, a fatura do cartão deixou de ser paga. Mãe do pequeno Alayê, de dois meses, ela tenta encontrar uma oportunidade formal de trabalho para ter mais segurança financeira, e pensa no Desenrola Brasil para quitar a dívida e limpar o nome.
— Ficar sem crédito é muito ruim. O crédito dá liberdade para a gente. Fiz uma viagem para Salvador, para um festival de dança, e acabei ficando lá por três meses para conseguir juntar o dinheiro para pagar a passagem de volta. Se tivesse com o cartão, seria diferente — conta.
A renegociação da dívida de Lorena será possível graças a um leilão realizado pelo governo federal com a participação de 654 empresas. A ação alcançou R$ 126 bilhões em descontos oferecidos — R$ 59 bilhões para dívidas até R$ 5 mil e R$ 68 bilhões para dívidas de R$ 5 mil a R$ 20 mil. Segundo a divisão em lotes, o que teve o maior abatimento médio foi referente a dívidas de cartão de crédito: 96%. A média geral de desconto foi de 83%.
A primeira etapa do Desenrola Brasil, iniciada em 17 de junho, já contemplou milhares de pessoas. Um dos objetivos era beneficiar o público com dívidas de até R$ 100. E ao todo, dez milhões de registros de dívidas com esse teto foram desnegativadas.
Ainda na Faixa 2, dívidas bancárias negativadas de clientes com renda até R$ 20 mil puderem ser renegociadas. De julho até setembro, R$ 15,8 bilhões foram negociados em condições especiais, diz a Federação Brasileira de Bancos — isto é, 2,22 milhões contratos de 1,73 milhão de clientes bancários.
Quem serão os beneficiários?
Pessoas que recebem até dois salários mínimos (R$ 2.640) por mês ou estejam inscritas no CadÚnico como beneficiárias de programas sociais. As dívidas somandas devem ser de até R$ 5 mil, contraídas entre janeiro de 2019 e dezembro de 2022.
Quem são os credores?
Incluem-se no conceito de credores as empresas securitizadoras, os Fundos de Investimentos em Direitos Creditórios ou quaisquer outros cessionários de créditos.
Que dívidas serão financiadas?
Dívidas negativadas registradas na Serasa, no SPC e em outros birôs de crédito entre janeiro de 2019 até 31 de dezembro de 2022. Será possível negociar dívidas bancárias e não bancárias, como débitos de consumo (contas de água, luz, telefone etc.) e varejo (parcelas atrasadas de lojas, carnês etc).
Que dívidas não poderão ser financiadas?
Só não entrarão no Desenrola Brasil as dívidas com o setor público (impostos, Fies etc.), dívidas com garantia real, dívidas de crédito rural, financiamento imobiliário ou operações com funding ou risco de terceiros.
O que fazer caso a conta gov.br seja bloqueada por excesso de tentativas de login?
A orientação é redefinir a senha. Para isso, basta acessar o site ou o aplicativo, clicar em "Entrar com Gov.br" e, então, optar por "Esqueci minha senha" para a verificação de segurança e a redefinição de senha.
Como consultar a lista de dívidas habilitadas para o programa?
A plataforma do Desenrola Brasil mostrará para cada cidadão a lista de suas dívidas que poderão ser negociadas por meio do programa, o desconto ofertado pelo credor e a respectiva situação de cada uma delas.
Quais serão as condições de pagamento?
As dívidas renegociadas poderão ser parceladas em até 60 vezes, com parcela mínima de R$ 50 e juros de até 1,99% ao mês. Em caso de financiamento da dívida junto a uma instituição financeira, as parcelas poderão ser pagas por débito em conta-corrente, boleto bancário ou Pix. Em caso de quitação à vista, o pagamento será feito via plataforma, e o valor será repassado diretamente ao credor.
Será possível simular a renegociação antes de contratar o financiamento?
Sim, a plataforma oferecerá a simulação, considerando as informações registradas pelo devedor e as condições estabelecidas pelo programa e pelos agentes financeiros.
Como será feita a solicitação ao agente financeiro?
A adesão e a contratação serão feitas de forma totalmente digital. Após o beneficiário selecionar o agente financeiro, a plataforma enviará a solicitação de financiamento, informando as condições negociais escolhidas e a lista de débitos objeto da operação. O agente financeiro retornará à situação do pedido de financiamento para a plataforma, que fará a comunicação com o cidadão sobre o aceite ou a recusa.
Os devedores visualizarão e assinarão eletronicamente os contratos na plataforma, via autenticação no Gov.br. O operador comunicará a assinatura e liberará o documento assinado eletronicamente ao agente financeiro e ao devedor.
O que acontecerá se o devedor não pagar a dívida renegociada?
O não pagamento das parcelas renegociadas levará a uma nova negativação. Portanto, é importante se organizar para pagar em dia.
Como será feita a desnegativação do devedor?
A baixa será feita pelos credores junto aos birôs de crédito e acompanhada pela plataforma. Para ter acesso a crédito novamente, será necessário que, a partir da renegociação das operações negativadas, o cidadão atualize seus dados junto ao banco no qual deseja obter crédito. Não ter dívidas negativadas aumenta as chances de conseguir, mas cabe ao banco decidir.
Fonte: EXTRA GLOBO