Viralizou nas redes sociais nos últimos dias um suposto comunicado do AliExpress falando sobre um imposto de 92% em cima de compras internacionais acima de US$ 50 (cerca de R$ 245 na cotação atual). O texto informa que pessoas físicas que comprarem abaixo do valor em dólares serão tributadas em apenas 17% de ICMS.
O "gancho" do informe da loja chinesa é a aprovação da marca no programa Remessa Conforme, do governo federal. A iniciativa, que já está valendo e só aguarda a aprovação de mais empresas, zerou o Imposto de Importação de compras até US$ 50 de lojas internacionais que recolherem o ICMS corretamente.
"Com a implantação do programa, ao invés de serem taxados quando o produto chegar ao Brasil, o risco de surpresas em relação ao que será cobrado na tarifa da compra, o consumidor que comprar no AliExpress pagará o imposto diretamente no carrinho. Isso tornará a entrega do produto ainda mais rápida, já que o item chegará ao consumidor em casa e com tudo pago", informa um trecho do comunicado do AliExpress.
O comunicado supostamente enviado pelo AliExpress (Imagem: Reprodução/Twitter)
Na nota, a loja chinesa informa que após a certificação no Remessa Conforma terá início um processo de desenvolvimento e implantação de uma plataforma para calcular os impostos. A empresa ressalta que neste período a experiência de compra "segue a mesma".
"Os consumidores brasileiros podem continuar comprando na plataforma, beneficiando-se da sua ampla gama de produtos com bom custo-benefício e ótimas ofertas", diz o texto.
O que tem gerado muita dúvida na cabeça dos consumidores é de onde surgiu a informação de que as compras de itens importados acima dos US$ 50 dólares em lojas com o Shein, Shopee, AliExpress e outras serão tributadas em 92%. De acordo com fontes consultadas pelo TecMundo, a porcentagem é real, mas é uma espécie de teto da cobrança e ainda envolve uma peculiaridade tributária do nosso país.
Mariana Sanches Maia, que é especialista em direito tributário e advogada no Galvão Villani, Navarro, Zangiácomo e Bardella Advogados, explicou que as compras acima dos US$ 50 serão tributadas pelo Imposto de Importação (imposto federal), que tem uma alíquota de 60%, e também o ICMS (imposto estadual), com uma alíquota de 17%.
Maia explica, porém, que o ICMS incide sobre ele mesmo, ou seja, é o chamado "imposto por dentro". Enquanto isso, outros impostos com o IPI são calculados em cima do valor final de um produto ou serviço, sendo chamados de "imposto por fora".
A soma do ICMS cobrado praticamente duas vezes mais o Imposto de Importação faz com que a alíquota de compras acima de US$ 50 possa chegar a 92% do preço final dos produtos. Em um exemplo hipotético, desconsiderando as insenções, um produto de R$ 100 poderia custar R$ 192 para o consumidor.
Mariana Sanches Maia afirma ainda que, diferentemente do que muita gente tem dito, as regras tributárias não sofreram uma grande transformação. Ela diz que o Imposto de Importação de 60% existe desde a instituição do Regime de Tributação Simplificada, que ocorreu na década de 80, por exemplo.
Já o ICMS sofreu uma leve mudança em junho de 2023, quando os estados acordaram em definir uma alíquota padrão de 17%. Mesmo assim, anteriormente as alíquotas de ICMS dos estados brasileiros já ficavam em uma média muito próxima de 17%.
"Então não houve uma mudança radical na carga tributária. O que mudaram foram as regras de isenção e arrecadação", declara a advogada.
As regras tributárias brasileiras são complexas (Imagem: Rmcarvalho/Getty Images)
João Eduardo Cipriano, advogado da área tributária do escritório Miguel Neto Advogados, afirma em entrevista ao TecMundo que os consumidores não tinham suas compras taxadas em até 92% porque muitos comércios eletrônicos se utilizavam de táticas para "driblar" a Receita Federal. Dentre elas estava o modus operandi de declarar todas as compras como se fossem abaixo de US$ 50, independente do valor real.
"Havia muito abuso da norma de isenção de impostos até US$ 50. O que principalmente os sacoleiros faziam era importar um monte de coisa com CPF de 'laranjas' e revender os produtos por aqui. Ou seja, eles compravam como se fossem pessoas físicas, mas revendiam como pessoa jurídica", afirma.
Cipriano comenta que o Remessa Conforme foi lançado justamente para regularizar estas operações de vendas principalmente das empresas asiáticas. A partir de agora, as companhias que entrarem no programa se comprometem a cobrar os impostos já nos carrinhos nos sites e apps, declarar corretamente os valores e procedência dos itens enviados ao Brasil.
A Receita Federal lançou o Remessa Conforme para tentar diminuir as evasões fiscais (Imagem: Rmcarvalho/Getty Images)
Ambos os especialistas tributários consideram importante o novo programa do governo federal. Maia alerta, porém, que apesar da promessa de maior facilidade para todos, não há nenhuma garantia que o sistema vai "dar certo".
"É difícil prever como o consumidor vai encarar um cenário que promete, de um lado, a isenção e, de outro, uma tributação mais transparente. Além disso, não há como prever se as empresas e consumidores encontrarão outros métodos de escapar à tributação, como por exemplo dividir as compras para ficar na faixa de isenção", analisa.
O TecMundo entrou em contato com o AliExpress, que confirmou a veracidade do comunicado que circulou nas redes sociais. Contudo, a empresa preferiu não deu mais detalhes sobre o assunto.
A reportagem também entrou em contato com a Receita Federal para averiguar a posição da instituição sobre o assunto. A matéria será atualizada assim que o órgão emitir um posicionamento oficial.
Fonte: Tecmundo