Um impasse que se arrasta há pelo menos cinco anos no Conselho de Administração da Petrobras pode resultar em um prejuízo bilionário aos cofres da estatal. Após sucessivos adiamentos em razão de divergências entre os conselheiros, a petrolífera terá de decidir se oferece, ou não, uma proposta de acordo para indenizar a Sete Brasil, empresa criada para fornecer sondas de exploração do petróleo do pré-sal.
A cifra em debate pode chegar a R$ 1 bilhão. Se não houver acordo, a Petrobras pode ser alvo de diversas ações de cobrança de valores bem maiores. Caso evolua para uma briga judicial, a Petrobras pode ser responsabilizada pelos crimes praticados por seus ex-diretores no escândalo do petrolão, no qual a estatal é tratada como vítima na esfera penal.
A Sete Brasil foi criada em 2010, mesmo ano em que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva vestiu o casaco laranja de petroleiro e posou para fotógrafos com as mãos besuntadas de óleo da primeira amostra de exploração do pré-sal, em uma plataforma no Espírito Santo.
À época, a fundação da empresa era vista como uma forma de cumprir a lei e as exigências da Agência Nacional de Petróleo (ANP) que incentivaram a contratação de empresas nacionais para a exploração em camadas profundas. Com 9,4% de capital da Petrobras e um quadro de diretores oriundos da petrolífera, a empresa venceu concorrências para locar 28 sondas à estatal brasileira.
A partir de 2014, a Sete Brasil foi tragada para o epicentro da Operação Lava Jato. Seus diretores confessaram o recebimento de propinas milionárias e se tornaram personagens marcantes das investigações. Somente Pedro Barusco, ex-diretor da Petrobras e da Sete, devolveu US$ 100 milhões em contas no exterior. A crise fez a empresa perder garantias e financiamentos, e a construção das sondas atrasou. Em 2016, a Sete entrou em recuperação judicial, com dívidas de R$ 18 bilhões.
Se nos processos criminais da Lava Jato, a Petrobras é tida como vítima e atua como assistente de acusação dos crimes de dirigentes envolvidos em esquemas de corrupção, na esfera empresarial ações tomam um rumo bem diferente. Nessas brigas, basta haver prova da ciência do alto escalão da empresa de que havia corrupção para que pesadas multas sejam aplicadas à companhia. Acionistas estrangeiros já brigam com a estatal em câmaras de arbitragens por multas bilionárias em razão da Lava Jato.
O próprio pedido de recuperação judicial da Sete Brasil detalha que a empresa foi criada "por obra e graça" da Petrobras, e que era "umbilicalmente" ligada à estatal. Este elo pode ser usado por credores para acionar a arbitragem e o Judiciário para alegar que a Petrobras é responsável pelos prejuízos da Sete e, consequentemente, por seus calotes. A possibilidade de indenizar a empresa é considera uma vacina para este movimento.
O acordo, da maneira que está negociado, teria uma cláusula imposta aos credores da Sete para que, mediante a indenização, fiquem impedidos de ajuizar ações contra a Petrobras. Atualmente, o conselho trabalha com a possibilidade de indenizar a empresa em até R$ 1 bilhão. O acordo é defendido pelo governo e pela cúpula da estatal, presidida pelo petista Jean Paul Prates.
O valor é baixo se comparado ao total das dívidas da Sete. Com ele, daria para pagar 7% do valor devido a todos os credores. O Metrópoles apurou que, no entanto, essas empresas, bancos e fundos de investimentos— boa parte públicos — aceitariam a quantia porque dificilmente conseguiriam reaver este dinheiro no curso do processo de recuperação judicial ou até mesmo após a falência e leilão de todos os ativos da Sete Brasil.
Há, ainda, outro ponto importante na negociação. A estatal quer se ver desobrigada a manter o contrato de aluguel das sondas produzidas pela Sete Brasil. No mercado, considera-se que o atraso na conclusão destes equipamentos já o tornaram obsoletos. Com o contrato em vigor, a estatal ainda deveria pagar pelo afretamento das sondas no futuro, quando estiverem finalmente prontas.
Apesar da posição pró-acordo do governo, há, no conselho, quem defenda que a Petrobras não se disponha a arcar com qualquer prejuízo e nem negocie uma indenização — mesmo que o preço disso seja arcar com estes litígios e tentar a sorte na Justiça e em câmaras de arbitragem. Parte dos conselheiros empossados ao longo de 2023 quer mais informações para tomar suas decisões. No início do mês, o acordo estava na pauta da assembleia, mas estas divergências provocaram um novo adiamento.
O Metrópoles apurou que até mesmo o presidente da estatal, Jean Paul Prates, procurou o juiz da recuperação judicial da Sete Brasil para explicar que pretende acelerar o acordo. A pedido da Petrobras, a Justiça marcou para outubro uma audiência especial com as partes destinada justamente para debater o acordo.
O processo de recuperação judicial da Sete Brasil entrou em uma fase na qual a Justiça deverá, em breve, decidir se dá continuidade à recuperação ou se converte em uma falência. Neste caso, a empresa fecharia as portas e todos os seus bens seriam leiloados. A possibilidade já foi mencionada nos últimos meses pelo próprio administrador judicial da Sete.
Petrobras e a Sete chegaram a selar um acordo em 2019, que previu que a estatal ficasse com quatro sondas, cancelaria os outros 24 contratos, e manteria o afretamento por US$ 299 mil por dia por dez anos, além da saída do quadro societário. Como a Sete não cumpriu parte das condições, o termo nunca entrou em vigência na prática e as negociações reiniciaram.
Durante o governo Jair Bolsonaro (PL), a discussão foi adiada diversas vezes em razão das constantes trocas na cúpula da estatal pelo governo. Após a eleição de Lula, o governo também demorou a fazer nomeações. Na transição, aliados do petista defenderam, sem êxito, que conselheiros fossem nomeados logo no início do governo. Os quadros foram preenchidos apenas em maio.
Ao Metrópoles, a Petrobras afirmou que as "negociações com a Sete Brasil são protegidas por acordos de confidencialidade". "Desde janeiro de 2021, tal como referenciado no comunicado ao mercado emitido em 26/01/2021, a Petrobras e Sete Brasil passaram a negociar, em ambiente de estrita confidencialidade, termos para um futuro e eventual novo acordo, não vinculante, em virtude de o acordo anterior não ter produzido os efeitos previstos uma vez que a Sete não cumpriu algumas condições precedentes", diz a estatal.
A Petrobras ainda afirmou quem em agosto deste ano, na ocasião em que a resolução foi adiada, o Conselho de Administração "entendeu que a matéria merece aprofundamento, remetendo a mesma para a Diretoria Executiva, conforme divulgado ao mercado". "Fatos julgados relevantes serão tempestivamente comunicados ao mercado", conclui a estatal.
Fonte: Metropoles