Ana Caroline Feitosa tem 24 anos e se formou em medicina no Paraguai. Chegou ao país vizinho em 2017, quando ainda não pensava em atuar na saúde. Em 2022, jĂĄ com o diploma em mãos, retornou ao Brasil. Nascida em São Luís, a jovem viveu com a família durante muitos anos em Barreirinhas (MA), onde pôde observar as dificuldades para se conseguir atendimento médico. Atualmente, Ana Caroline integra um grupo de 1.041 profissionais, formados em medicina no exterior, e que passam por um módulo de acolhimento e formação para poderem atuar no programa Mais Médicos.
"No Paraguai, me identifiquei muito com a parte da saúde e decidi: quero ser médica, quero cuidar, quero ajudar a comunidade. Sou do Nordeste e, lĂĄ, a gente vĂȘ a comunidade, vĂȘ que ela precisa de um cuidado, de um olhar mais amplo. A gente precisa ver o paciente, o que ele precisa. LĂĄ, faltava não só médico, mas equipe. Temos bastante postos de saúde, mas hĂĄ carĂȘncia de profissionais. Falta médico, enfermeira. Temos um agente de saúde, mas sobrecarregado, com muitas famílias."
Em cerca de duas semanas, Ana Caroline e os demais médicos concluem o período de formação e serão encaminhados para 379 municípios brasileiros. Mais da metade deles vai atuar na região da Amazônia Legal. Dos profissionais que passam pelo acolhimento, 98% são brasileiros formados em medicina no exterior. Desses, 48% são formados na Bolívia; 41% no Paraguai; 3,8% na Argentina; 2,8% na Venezuela; e 1,6% na Rússia. Os demais dividem-se entre países como Cuba, Peru, Uruguai, República Dominicana, NicarĂĄgua, Equador e Colômbia. Eles atuarão com o Registro do Ministério da Saúde (RMS).
Ana Caroline serĂĄ alocada em Godofredo Viana (MA), uma viagem de nove horas de ônibus até o município onde estão os pais e o namorado. Sobre o futuro, ela conta que pretende encarar o Exame Nacional de Revalidação de Diplomas Médicos Expedidos por Instituição de Educação Superior Estrangeira (Revalida) para, um dia, trabalhar com medicina do trabalho.
"Pelo Mais Médicos, vamos atender na atenção bĂĄsica. Temos essa chance de fazer especialidade em medicina da comunidade. Também estou fazendo uma pós-graduação em saúde pública. Gosto muito de medicina do trabalho, mas, pra isso, estou no processo de revalidação do meu diploma, pra poder entrar na residĂȘncia", contou. "No começo, terei muitos desafios. Mas estou aberta pra conhecer a comunidade, saber da necessidade dos pacientes. Estar lĂĄ mesmo pra tudo o que precisarem".
Mikaelle Cruz, 35 anos de idade, também integra o grupo de médicos que passa pelo módulo de acolhimento e formação do programa. Formada em medicina na Bolívia, em 2022, a jovem, do interior da Bahia, foi selecionada para o município de Ăguia Branca (ES). "Conheço o estado do Espírito Santo, mas a cidade em si não. Visitei a grande Vitória, Colatina. Fui a passeio, nunca a trabalho. As expectativas são muito fortes, além de muita ansiedade. Quero saber logo como é o local, a equipe, a população e poder atuar no Brasil", disse.
Sobre a cidade para onde serĂĄ enviada, Mikaelle fez o dever de casa e pesquisou cada detalhe.
"Tem quase 10 mil habitantes e era bem o que eu pensava. Queria morar no interior. Prefiro o interior à cidade grande. É aconchegante, vocĂȘ consegue conhecer todo mundo, ter contato com todo mundo e dar mais atenção ao seu paciente", disse.
"Estou muito confiante. Acredito que vou ser bem recebida e que vou ter uma equipe maravilhosa. Estamos todos no mesmo barco, todo mundo acolhendo todo mundo. Todos buscando novas experiĂȘncias, com o mesmo objetivo e, com isso, todo mundo se ajudando".
O médico Allyson Nunes Choma, 31 anos, é natural de GuajarĂĄ-Mirim (RO) e também se formou na Bolívia, em 2021. Ele foi alocado para trabalhar em Santa Isabel do Rio Negro (AM). A cidade tem cerca de 28 mil habitantes e estĂĄ inaugurando sua terceira unidade de saúde, mas conta com apenas um médico, que trabalha no hospital municipal.
"Somos nove médicos indo pra lĂĄ. Acredito que a gente vai mudar significativamente a questão da saúde no município", disse.
"As enfermeiras, acredito, estavam fazendo esse trabalho de imunização, preventivos, pré-natal. Mas elas precisam de uma assistĂȘncia, até pela sobrecarga de serviço que elas tĂȘm. Então, acredito que a gente consiga mudar significativamente e melhorar bastante a saúde, tanto da população de lĂĄ como das comunidades em volta."
"Venho de uma cidade do interior. A saúde lĂĄ é precĂĄria. Não chegam os recursos adequados. E, quando vĂȘm, os médicos da capital geralmente não querem ficar no interior. Ficam um, dois, trĂȘs meses e acabam saindo e deixando a saúde e a população desassistida. Estou saindo de um interior e indo para outro. Sei mais ou menos como funciona. Foi uma escolha minha porque havia uma demanda maior para a Amazônia. Mil vagas. Queria me desafiar a conhecer outro estado e tentar implementar uma coisa boa", disse Allysson.
Entenda
Ao todo, 1.041 profissionais do Mais Médicos passam por um módulo de acolhimento e formação em Brasília. Os profissionais, selecionados no primeiro edital após a retomada do programa, tĂȘm habilitação para exercício da medicina no exterior e devem passar pelo curso antes de iniciar a atuação em unidades bĂĄsicas de saúde. Após esse período de trĂȘs semanas, os médicos serão encaminhados para 379 municípios brasileiros. Ao todo, o Ministério da Saúde ofertou mil vagas para a Amazônia Legal que, historicamente, sofre com a falta de profissionais e a dificuldade de fixação de médicos.
Criado no governo Dilma Rousseff, o Mais Médicos foi desmontado no governo de Jair Bolsonaro. Quando lançado, em 2013, o programa sofreu diversas críticas de entidades profissionais por causa da contratação de médicos estrangeiros ou com diplomas no exterior. Alguns desses médicos foram vaiados e hostilizados ao chegarem ao Brasil. Anos depois, mesmo contribuindo para melhorar os indicadores de saúde, os profissionais de saúde cubanos acabaram expulsos por Bolsonaro.
Acolhimento
O primeiro Ciclo Formativo do Módulo de Acolhimento tem o objetivo de aproximar o médico participante do Sistema Único de Saúde (SUS) e da realidade enfrentada pela população em regiões onde hĂĄ falta de médicos. O conteúdo é voltado para a legislação do SUS, o funcionamento e as atribuições da rede de saúde, os protocolos clínicos de atendimentos definidos pelo Ministério da Saúde e o código de ética médica. O acolhimento consiste no primeiro momento formativo do profissional intercambista, formado no exterior, no Mais Médicos. A etapa é obrigatória.
Avaliação
A carga horĂĄria mínima da formação é de 160 horas, dividida em 140 horas de responsabilidade dos ministérios da Saúde e da Educação, e 20 horas voltadas para os municípios, que devem recepcionar os profissionais no momento de chegada aos postos de atuação. Ao final do curso, os médicos são avaliados sobre os conteúdos estudados e, logo após, são encaminhados aos municípios em que atuarão, fortalecendo o atendimento à população nas regiões de maior vulnerabilidade do país.
Atuação
Além desses profissionais, outros 4.096 médicos selecionados no edital do 28Âș ciclo – que ofertou 5.968 novas vagas pelo programa – jĂĄ começaram a atuar em postos de saúde. Nesse caso, eles não precisaram passar pelo treinamento porque tĂȘm registro profissional no Brasil. A previsão do governo é que a retomada do Mais Médicos garanta acesso à saúde para mais de 96 milhões de brasileiros por meio da participação, até o fim de 2023, de 28 mil profissionais, sobretudo em regiões de maior vulnerabilidade social.
Agencia Brasil