No último dia 27 de julho foi comemorado o septuagésimo aniversário do acordo de cessar-fogo entre a Coreia do Sul e a Coreia do Norte. Apesar de não haver confronto armado ativo entre os países, a guerra nunca deixou de existir, as tensões têm aumentado cada vez mais e ficaram mais evidentes nos últimos tempos devido à aproximação do norte, comunista, com a Rússia e China, e do sul, capitalista, com os Estados Unidos. Essas ligações repercutem no aumento dos exercícios militares realizado por ambos os lados. Com o plano de desenvolvimento militar nuclear, Kim Jong-Un, líder norte-coreano, constantemente realiza testes de mísseis balísticos intercontinentais com capacidade nuclear. Durante o 70º aniversário do armistício da Guerra da Coreia, ele liderou um desfile em que mostrou algumas de suas armas. As comemorações contaram com a presença de delegações da Rússia e da China, as primeiras visitas conhecidas ao país desde a pandemia. Do outro lado da fronteira, a Coreia do Sul, com apoio dos Estados Unidos, tem realizado exercícios militares, ignorando os avisos dado pelo norte. Vale lembrar que em maio deste ano o governo norte-americano prometeu reforçar a segurança de Seul, que, em troca, se comprometeu em não desenvolver um arsenal nuclear próprio. Esse acordo entre os países agrava a tensão entre os países envolvidos.
As relações entre os dois se deterioraram no ano passado para um dos piores níveis em décadas, com aumento dos testes militares do norte e fortalecimento da cooperação de defesa entre o sul e os Estados Unidos. Diante deste cenário, Alexandre Uehara, doutor em ciência política, destaca que a tendência é que Kim Jong-Un se fortaleça cada vez mais. "Percebemos que o líder norte-coreano avançou na capacidade militar, e o fato de termos uma rivalidade envolvendo Estados Unidos, China e Rússia faz com que ele se aproveite deste momento para tentar ganhar bônus. Hoje, a Coreia do Norte mantém a disputa com os Estados Unidos, mas agora tem novos aliados, como os russos e chineses, o que facilita para que ela possa se fortalecer", explica o especialista. Quando as hostilidades entre as Coreias se iniciaram, entre 1950 e 1953, os norte-americanos foram os reesposáveis por o expulsar o norte do sul, durante tentativa de unificação dos dois países. Na época, quando lançaram a ofensiva, a Coreia do Norte não achou que os sulistas teriam apoio dos EUA porque estavam focados no Japão, mas foram pegos de surpresa com o envolvimento, que a obrigou a retroceder. Pedro Brites, professor de relações internacionais na Fundação Getúlio Vargas, afirma que, desde que Kim Jong-un assumiu o poder na Coreia do Norte, o número de testes cresceu significativamente. A qualquer momento, como os próprios norte-americanos alertam, ele deverá fazer um teste nuclear.
O especialista explica que a Coreia do Norte está em um contexto muito específico porque tem as principais potências do mundo como aliadas em seu entorno e sabe que essa é uma posição frágil. Não há como ir para um conflito aberto com os Estados Unidos, seria um suicídio militar. Pequim é o mais importante aliado e principal benfeitor de Pyongyang, amizade forjada durante a sangrenta Guerra da Coreia, que contou com a participação de soldados chineses. A Rússia é outra aliada histórica e uma das poucas nações com as quais a Coreia do Norte mantém relações amistosas. Desde o início da Guerra da Ucrânia, Kim Jong-un manifestou forte apoio a Moscou e, segundo os Estados Unidos, fornece inclusive armas às tropas russas, algo que Pyongyang nega. "O que Kim faz é aprofundar os testes para aumentar a capacidade de barganha e de negociação, com objetivo de mostrar que é um ator capaz de ter capacidades nucleares que podem ameaçar os Estados Unidos", aponta Brites. Apesar desse aumento de testes, ele não acredita que a Coreia do Norte vá se tornar mais agressiva, mesmo com o aumento das tensões. "Acho que podemos continuar vendo esse ciclo de aprofundamento dos testes, inclusive o aumento do número de testes, mas não agressivo no sentido de provocar algo que possa levar a um conflito militar", acrescenta o professor, lembrando que o histórico da Coreia do Norte é de chamar atenção para si. Quando consegue o que quer, recua. "É parte de uma estratégia de negociação e que permite, por exemplo, que o regime se mantenha ativo mesmo enfrentando diversas pressões internacionais", finaliza.
Coreia do Norte e do Sul foram por séculos uma única nação, com a mesma história, cultura, etnia e idioma. Mas, atualmente, são separadas por uma das fronteiras mais impenetráveis do mundo: a zona desmilitarizada do paralelo 38 — local patrulhado por soldados de ambos os lados desde 1953, quando foi assinado o acordo de cessar-fogo. Essa divisão é um resquício da Segunda Guerra Mundial. Maurício Dias, metre em relações internacionais e pesquisador associado da Coordenadoria de Estudos da Ásia da Universidade Federal de Pernambuco (CEÁSIA-UFPE), explica que esse conflito que perdura até hoje é resultado de um contexto regional e internacional criado pelas disputas hegemônicas entre os Estados Unidos e a União Soviética no pós-Segunda Guerra Mundial e no início da Guerra Fria. A península da Coreia era uma só até 1945 e era colonizada pelo Japão. Ele relembra que essa separação foi uma "linha arbitrária proposta pelos Estados Unidos e acatada pela União Soviética, separando, portanto, uma península, sem que nenhum cidadão coreano fosse contatado sobre essa questão". Para Dias, a curto prazo, é utópico pensar que as duas Coreias possam se unificar.
O especialista enfatiza que essa decisão não partiu do povo coreano, que esteve unido por séculos. "A gente acaba tento a divisão de famílias, entes queridos e a dificuldade de retorno para uma vivência pacífica, de uma região que um dia foi uma só. E nisso é interessante a gente levar em consideração também que, com o tempo passando, as gerações mais novas da Coreia do Sul, que não sofreram diretamente, emocionalmente, com a divisão da Coreia, têm um interesse cada vez menor na unificação", pontua Dias. O paralelo 38 foi mais que uma divisão territorial, diz o especialista. Também teve impacto psicológico que promoveu novas identificações nacionais, distantes de uma unificação. Para além dessa criação, pensar a junção das Coreias "exigiria uma postura muito diplomática, muito flexível, pautada na reconciliação e na qual os interesses e as particularidades de ambas as Coreias deveriam ser levadas em consideração", o que seria algo muito difícil. "A gente tem uma discrepância de desenvolvimento econômico, por exemplo, muito grande. Então, uma unificação acaba se tornando algo distante. E, por fim, a gente tem que considerar os interesses e as influências dos Estados Unidos e da China, que muito provavelmente seriam contrárias", finaliza.
Fonte: Jovem Pan