Após meses de disputa com e-commerces internacionais sobre impostos de importação, o governo federal decidiu lançar o programa Remessa Conforme, que prevê a isenção da tributação para pessoas físicas em compras internacionais de até US$ 50. A diferença da iniciativa em relação à regra anterior é que a isenção vale mesmo que os produtos sejam enviados por pessoas jurídicas. Assim, os consumidores que comprarem no exterior por meio de empresas participantes do programa não pagarão a taxa de importação. Essa é uma forma de a União tentar combater a sonegação fiscal, prática da qual empresas como a Shein e Shopee vinham sendo acusadas. A iniciativa, que passa a valer em 1º de agosto, pode gerar impactos positivos na economia e no comércio do Brasil, mas preocupa o varejo brasileiro.
Especialista em comércio exterior e diretor da AGL Cargo, Jackson Campos pondera que o programa tem potencial para trazer ganhos e perdas para o Brasil. "A medida pode facilitar as compras internacionais por pessoas físicas, o que deve aumentar o consumo e a produção. Além disso, a portaria pode ajudar a combater a sonegação fiscal e gerar mais arrecadação para o governo. No entanto, o Programa Remessa Conforme também pode ter alguns impactos negativos. A medida pode prejudicar as empresas brasileiras que vendem produtos semelhantes aos importados, pois os consumidores podem optar por comprar produtos mais baratos no exterior. A iniciativa pode facilitar a entrada de produtos falsificados no Brasil, o que pode prejudicar a economia e a saúde dos consumidores. O impacto final da medida dependerá de uma série de fatores, como a forma como ela é implementada e a reação dos consumidores e das empresas brasileiras", pondera.
O especialista também observa a possibilidade de a medida aumentar a variedade de produtos disponíveis aos consumidores brasileiros, tornar os importados mais acessíveis e seguros. Ele acrescenta que o programa pode gerar oportunidades de negócios para empresas brasileiras que vendem produtos no exterior, mas também pode expandir a concorrência no mercado brasileiro, o que pressionaria os preços para baixo. Contudo, um ponto importante que vinha sendo reivindicando pelo varejo é que as novas regras devem eliminar a vantagem competitiva dos serviços de e-commerces internacionais, o que pode beneficiar as empresas brasileiras que operam no mercado nacional. "As empresas que não aderirem ao Programa Remessa Conforme serão sujeitas às regras gerais de importação, o que significa que terão que pagar o Imposto de Importação sobre todas as compras internacionais, independentemente do valor. Além disso, elas poderão ser penalizadas pela Receita Federal, como a aplicação de multa e juros. O Programa Remessa Conforme é uma medida voluntária, mas é importante notar que as empresas que não adotarem ao programa terão que arcar com custos mais altos, o que pode torná-las menos competitivas no mercado", pontua.
Contudo, o varejo brasileiro se mostrou preocupado com o impacto da iniciativa. Em nota, o Instituto para o Desenvolvimento do Varejo afirma que o programa do governo pode levar ao fechamento de empresas e onda de demissões no país. A organização avaliou que o que foi proposto deve gerar uma situação extremamente grave. "É importante ressaltar a desigualdade presente nesse cenário. Enquanto uma compra feita por meio de plataforma digital de venda cross-border será tributada em 17%, a indústria e o comércio brasileiros continuarão sujeitos a uma carga fiscal que varia de 80% a 130% em toda a sua cadeia produtiva e de distribuição. É inaceitável que o governo incentive a não conformidade do pagamento de impostos e puna as empresas que cumprem suas obrigações fiscais. Isso acaba incentivando o fechamento de empresas e a criação de empregos em outros países", argumenta.
Não é de hoje que os e-commerces internacionais têm causado dor de cabeça para as empresas brasileiras devido a diferenciações nas regras e recolhimentos de impostos. Desde o ano passado, empresários e associações do setor pressionam o governo para taxar as operações das companhias estrangeiras com os mesmos tributos que incidem sobre o produto verde-amarelo. Segundo o grupo de varejistas nacionais, os produtos dessas plataformas são subtaxados na entrada do país, fazendo o Brasil perder bilhões em arrecadação e ser alvo do que classificam como "contrabando digital". Dados do Banco Central revelam que a importação de pacotes de pequeno valor por meio do comércio eletrônico está em pleno crescimento no país. Em 2022, esse tipo de operação somou US$ 13,14 bilhões (cerca de R$ 68,94 bilhões), mais do que o dobro do ano anterior. Apenas a Shein movimentou cerca de R$ 8 bilhões (R$ 41,97 milhões) no segmento de moda com compras do público brasileiro. O valor é comparável às operações somadas de varejistas tradicionais como C&A e Marisa, considerando tanto o e-commerce quanto as lojas físicas.
"Não mediremos esforços na defesa da igualdade concorrencial, do emprego e do recolhimento de impostos, o que, estranhamente, o governo deveria estar fazendo, e não abrindo mão de receita. Estima-se que o que deixou de ser recolhido aos cofres brasileiros nos últimos cinco anos gire em torno de R$ 137,7 bilhões. Também estamos acionando a Senacon e os Correios e, se necessário, acionaremos outras entidades para exigir que todas as obrigações de um processo de importação sejam cumpridas. Somente assim poderemos evitar a destruição de milhares de empresas e empregos no Brasil, promovendo a isonomia necessária nesse contexto", complementa o IDV. Para participar do programa, as empresas de comércio eletrônico devem estar inscritas no Cadastro Nacional de Pessoas Jurídicas (CNPJ); manter uma relação comercial com os Correios ou com uma empresa de transporte internacional; informar à Receita Federal todas as informações necessárias para o registro da declaração de importação; recolher os impostos devidos sobre as compras internacionais; e destacar, de maneira visível, a marca e o nome da empresa de comércio eletrônico na etiqueta que acompanha a mercadoria.
Fonte: Jovem Pan