Em cinco oportunidades durante o governo Bolsonaro, Marques, professor da Universidade de São Paulo (USP) e um dos novos magistrados do TSE, viu crimes responsabilidade supostamente cometidos por Bolsonaro. Ele afirmou isso em entrevistas, manifestos e em dois pedidos de impeachment do então presidente encaminhados à Câmara.
Ex-diretor da Faculdade de Direito do Largo de São Francisco, Marques sempre fez defesa pública da necessidade de se opor às investidas do governo anterior contra o estado democrĂĄtico de direito ao lado de outros integrantes do corpo docente da instituição. Foi assim que, em janeiro de 2021, ele e outros 1,5 mil ex-alunos da São Francisco assinaram uma petição encaminhada à Câmara pedindo o impeachment de Bolsonaro em razão da crise provocada pela falta de oxigĂȘnio em Manaus, durante a pandemia de covid-19.
Os signatĂĄrios do pedido entregue a Rodrigo Maia, então presidente da Casa, alegavam: "Hoje, brasileiros de Manaus não conseguem respirar; amanhã poderão ser outros nacionais. Temos de cobrar responsabilidade – jurídica e política – de quem nos trouxe a esse caos pela inação criminosa, mas sobretudo pela sistemĂĄtico ataque a tudo que poderia minimizar o sofrimento e a perda no grau que observamos. Essa omissão tem nome e se chama Jair Messias Bolsonaro".
Em 8 de dezembro do mesmo ano, Marques voltou novamente a arguir o impeachment de Bolsonaro, desta vez, subscrevendo um novo pedido encabeçado pelo colega de faculdade, o jurista Miguel Reale Júnior. A iniciativa foi endossada ainda por José Carlos Dias, Antonio ClĂĄudio Mariz de Oliveira e pelos professores Silvia Helena de Figueiredo Steiner, Helena Regina Lobo da Costa, José Rogério Cruz e Tucci e José Eduardo Campos de Oliveira Faria.
A representação dizia que por "ação e por omissão dolosas", Bolsonaro "deu causa à proliferação dos males que levaram milhares de brasileiros à morte" na pandemia, que "não teria tido essa grandeza não fosse a arquitetada política e o comportamento adotados pelo presidente".
Em outras oportunidades, o atual magistrado também se pronunciou pela existĂȘncia, em tese, de crime de responsabilidade na conduta do presidente, como quando Bolsonaro decidiu usar sua autoridade para atingir a imprensa ou em seus ataques ao Supremo Tribunal Federal (STF). Marques esteve ainda entre os juristas, como o ex-chanceler Celso Lafer, que assinaram o manifesto Estado de Direito Sempre!, reação da sociedade civil à convocação feita por Bolsonaro de manifestações para o dia 7 de setembro de 2022.
Nomeado em maio para uma das duas vagas reservadas à advocacia no TSE, Marques não quis se manifestar sobre suas manifestações na véspera do início do julgamento de Bolsonaro, na Corte.
Ex-ministro do TSE, o advogado Henrique Neves afirmou ao Estadão não crer que o fato de os atuais magistrados terem se manifestado contra ou defendido adversĂĄrios políticos do ex-presidente seja fato suficiente para a defesa de Bolsonaro poder arguir a suspeição deles no julgamento. "Todos (os magistrados) que por lĂĄ passaram, em algum momento, advogaram contra ou a favor de diversos partidos políticos", afirmou.
Para o advogado Alberto Rollo, especialista em direito eleitoral, mesmo que quisesse, a defesa do ex-presidente não poderia mais argumentar a suspeição, pois a lei estipula o prazo de 15 dias – após o conhecimento do fato, ou seja, a nomeação do magistrado – para que isso seja feito. "Eu estudei o processo e não vi essa alegação até agora."
Parecer
Além de Marques, Lula também nomeou para o TSE o advogado André Ramos Tavares, outro professor da Faculdade de Direito do Largo de São Francisco. Ambos são apontados como próximos de Alexandre de Moraes, que é visto por apoiadores de Bolsonaro como algoz do ex-presidente. Moraes, assim como os dois novos colegas de Corte, também dĂĄ aulas na mesma instituição.
O nome de Tavares não consta das petições pelo impeachment de Bolsonaro. A razão, talvez, esteja nos trabalhos anteriormente assinados pelo hoje magistrado: Tavares é responsĂĄvel por dois pareceres importantes na história recente do petismo. Um considerava ilegal o impeachment contra Dilma, datado de 2015, e outro dizia que Lula podia concorrer à eleição de 2018, apesar de preso e condenado pela Lava Jato.
Em seu parecer de oito anos atrĂĄs, o professor afirmou que não haveria "mais democracia no Brasil pós-1988 em virtude de eventual sucesso na banalização do processo de impeachment, com sua abertura em face da presidente Dilma Rousseff". De acordo com ele, o atendimento às maiorias conjunturais não configurava automaticamente uma vitória da democracia, pois o "impeachment não se confunde com o voto de desconfiança, típico dos regimes parlamentaristas".