Os trĂȘs paĂses tĂȘm superĂĄvit comercial com os Estados Unidos, ou seja, vendem mais do que compram dos americanos. O Brasil vive situação oposta, tem déficit comercial, comprou mais do que vendeu aos americanos. Mesmo nessa situação, acreditam especialistas, o paĂs deve receber reflexos da guerra de tarifas.
De acordo com a economista Lia Valls Pereira, professora da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj) e pesquisadora associada do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV Ibre), a imprevisibilidade criada por Donald Trump é um dos primeiros grandes reflexos que afetarão a economia mundial, incluindo o Brasil.
"É tudo muito incerto, hoje é uma coisa, amanhã pode ser outra", disse a economista à AgĂȘncia Brasil logo após o anĂșncio da suspensão da taxação de itens mexicanos e antes do alĂvio aos canadenses.
"Um dos piores efeitos é esse grau de imprevisibilidade que causa no comércio. Comércio internacional é uma coisa que tem planejamento, tem contrato. Se vocĂȘ fica em cenĂĄrio totalmente incerto, é ruim para todos, inclusive para o Brasil", afirma.
Donald Trump também tem ameaçado a União Europeia (UE) com a taxação de importações americanas. A UE tem dito que "deve responder com firmeza a qualquer parceiro comercial que imponha tarifas injustas ou arbitrĂĄrias sobre produtos do bloco".
Antes de chegarem a um acordo com Trump, México e CanadĂĄ tinham prometido medidas retaliatórias, caminho efetivamente seguido pela China.
"Se todo mundo começar a aumentar a tarifa, o comércio internacional recua, a demanda mundial recua", afirma Valls.
Para o professor de economia da Uerj Caio Ferrari, uma guerra tarifĂĄria tem potencial para provocar a desaceleração da economia mundial. Segundo ele, à medida que os paĂses colocam retaliações em prĂĄtica, a economia mundial diminui.
"Os ganhos do comércio, da especialização e da escala de produção eficiente global se reduzem. Isso afeta o Brasil na medida que as exportações brasileiras dependem da renda gerada no resto do mundo", diz Cario Ferrari.
O professor explica, que se a renda é menor, a demanda por exportações é menor. "Logo, terĂamos um prejuĂzo ao setor externo exportador brasileiro", completa.
Em 2024ž a balança comercial entre Brasil e Estados Unidos ficou negativa no lado brasileiro em US$ 253 milhões. Vendemos para os americanos US$ 40.330 milhões e compramos US$ 40.583 milhões, de acordo com o Ministério do Desenvolvimento, IndĂșstria, Comércio e Serviços (Mdic).
Os EUA são o segundo principal parceiro comercial do Brasil, atrĂĄs da China. Os itens que mais vendemos para os estadunidenses foram petróleo (14% do total exportado), produtos semiacabados de ferro ou aço (8,8%), aeronaves, incluindo partes e equipamentos (6,7%) e café (4,7%).
Apesar do déficit comercial brasileiro, Donald Trump jĂĄ fez menções ao Brasil como um dos paĂses que também podem ter itens taxados. Segundo o governante americano, o Brasil e a América Latina precisam mais dos EUA do que o inverso.
Enquanto o Brasil foi o nono maior importador de produtos dos EUA em 2024, segundo dados até novembro do governo americano, somos apenas o 18° que mais exporta para eles.
Na Ășltima quinta-feira (30), o presidente Luiz InĂĄcio Lula da Silva afirmou que a relação entre os dois paĂses serĂĄ de reciprocidade.
Para o economista Gilberto Braga, professor do Ibmec, o Brasil deve sofrer efeitos diretos de medidas protecionistas americanas, "muito provavelmente, em curto prazo".
"Uma das dĂșvidas principais é se as medidas serão lineares, um percentual fixo de taxa adicional sobre todos os produtos exportados ou se de forma seletiva, produto a produto", diz.
Lia Valls, da FGV, cita itens de siderurgia e agrĂcolas como os mais provĂĄveis de serem taxados, por causa do sucesso brasileiro nesses setores.
Caio Ferrari, da Uerj, acredita que o Brasil pode estar em uma lista futura de paĂses sobretaxados.
"O Brasil pode ser afetado diretamente se a escalada tarifĂĄria americana incluir os produtos primĂĄrios produzidos no Brasil".
Para ele, uma decisão americana nesse sentido seria um atraso. "Os paĂses emergentes tentam reduzir as tarifas de produtos primĂĄrios nas rodadas da Organização Mundial do Comércio (OMC) desde sua criação. As medidas de Trump seriam um retrocesso grande nessa ĂĄrea".
O professor Gilberto Braga observa que as medidas protecionistas americanas podem afetar a polĂtica de juros aqui no Brasil. Ele lembra que a ata da Ășltima reunião do ComitĂȘ de PolĂtica MonetĂĄria (Copom) do Banco Central (BC) classificou como risco de cenĂĄrio externo a situação americana.
Um dos receios é que, para conter pressão inflacionĂĄria, o Federal Reserve (Fed, banco central americano) não consiga diminuir a taxa americana de juros – hoje entre 4,25% a 4,50% ao ano, patamar considerado alto para padrões mundiais, o que atrai dólares dos investidores internacionais, que retiram seus recursos de outras economias, como a brasileira.
A fuga de dólares do Brasil tem o impacto de aumentar o preço da moeda americana, causando pressão na inflação por aqui, efeito que o BC tentaria frear com aumento de juros, tornando o crédito no Brasil mais custoso.
"Ou seja, a polĂtica econômica de Trump jĂĄ é [para o Banco Central brasileiro] um dos fatores considerados para a alta dos juros no Brasil", explica Braga.
Caso medidas protecionistas de Trump se alastrem, como ele mesmo tem ameaçado, mirando na União Europeia, por exemplo, uma consequĂȘncia pode ser novos dinamismos em correntes de comércio de outros paĂses.
"HĂĄ algumas décadas a participação de outros paĂses na demanda externa por produtos brasileiros tem crescido, e os EUA não são mais o principal parceiro comercial, acredito que as medidas do governo americano podem intensificar ainda mais esse processo", avalia Ferrari.
A economista Lia Valls vĂȘ espaço para o Brasil se aproximar de outros mercados, como a União Europeia e o México. "Ao Brasil interessa exportar mais para esse mercado. Ver se consegue criar mais laços, mais acordos, se consolidar". Ela lembra do acordo Mercosul-União Europeia. "Realmente causa mais desvio de comércio dos Estados Unidos".
Para Braga, uma das alternativas a este cerco das medidas protecionistas de Donald Trump é a busca por acordo comerciais diretos entre os paĂses e blocos comerciais. Ele faz uma analogia entre comércio internacional e um jogo de xadrez, "em que os Estados Unidos estão jogando de peças brancas, mexendo primeiro as suas peças no tabuleiro, e os demais paĂses jogam as pretas, se defendendo".
"Qualquer peça movimentada não tem consequĂȘncia isolada, mas em todo o jogo comercial internacional", compara.
Fonte: EBC