O programa Médicos pelo Brasil (PMpB), criado em 2022, sofreu mudanças significativas sob o governo Lula, gerando indignação entre os profissionais de saĂșde envolvidos. Inicialmente, o programa prometia aos médicos aprovados em concurso pĂșblico a titulação de especialista em Medicina de FamĂlia e Comunidade (MFC) após dois anos de trabalho com carga horĂĄria de 60 horas semanais.
No entanto, em outubro de 2024, o Ministério da SaĂșde anunciou uma reviravolta: os médicos não receberiam o tĂtulo de especialista como prometido. Em vez disso, seriam submetidos a um novo teste eliminatório em 2025 para ingressar no programa Mais Médicos.
"Caso algum médico não seja aprovado, poderĂĄ permanecer no mesmo local [de trabalho] como bolsista do Programa Mais Médicos [não mais do Programa Médicos pelo Brasil]", explicou o Ministério da SaĂșde.
Ministério da SaĂșde.
Essa mudança gerou forte reação do Conselho Federal de Medicina (CFM).
"Isso é um desrespeito com esse grupo, que aceitou o apelo de cuidar dos brasileiros diante da promessa de contratação pela CLT", diz o presidente do CFM, José Hiran Gallo.
José Hiran Gallo, presidente do CFM.
Segundo Gallo, a alteração é ilegal, pois não hĂĄ previsão em edital ou legislação para tal mudança. A transição para o Mais Médicos preocupa os profissionais, pois este programa oferece menos estabilidade e benefĂcios trabalhistas em comparação ao PMpB, que oferecia contratação em regime CLT.
"O Mais Médicos trabalha com bolsas e tem rotatividade muito alta, enquanto o PMpB seleciona profissionais por concurso, os especializa na ĂĄrea e contrata em regime CLT, com estabilidade, melhores salĂĄrios e garantia de que o médico não serĂĄ demitido por qualquer motivo", explica Raphael Câmara, ex-SecretĂĄrio de Atenção PrimĂĄria à SaĂșde.
Raphael Câmara, ex-SecretĂĄrio de Atenção PrimĂĄria à SaĂșde.
A Associação dos Médicos pelo Brasil (AMPB) também se manifestou, criticando a situação como uma "total hipocrisia" por parte do governo que se diz defensor dos direitos trabalhistas e sociais. A AMPB destaca que os médicos cumpriram integralmente a jornada de 60 horas semanais por dois anos, mas agora se veem sem a titulação prometida.
"TĂnhamos receio de que o Programa Médicos pelo Brasil fosse desconstruĂdo por ter sido feito pela oposição", diz Carlos Camacho, presidente da AMPB. "E estamos vendo isso acontecer."
Carlos Camacho, presidente da AMPB.
Médicos como Camila IgnĂĄcio, que cumpriu a extenuante jornada de trabalho e estudos, sentem-se enganados. Ela relata a intensa dedicação ao programa, sacrificando tempo com a famĂlia e lazer, em troca da promessa de titulação que não foi cumprida. A ministra NĂsia Trindade anunciou a integração dos programas Médicos pelo Brasil e Mais Médicos em novembro de 2024, mas a falta de clareza quanto à titulação causou incerteza e preocupação.
"Me sinto enganada", lamentou Camila, ao descrever o sentimento de desespero em acompanhar as informações divulgadas pelo governo.
Camila IgnĂĄcio, médica participante do PMpB.
Outras entidades médicas, como a Associação Médica Brasileira (AMB), também criticaram as mudanças, alegando que a Lei 13.958 garante o direito à prova de tĂtulo para bolsistas que cumpriram todas as etapas do programa. Fernando Sabia Tallo, conselheiro da AMB, pontua que o programa não foi vinculado à Sociedade Brasileira de Medicina de FamĂlia e Comunidade (SBMFC), gerando o impasse atual. Diogo Leite Sampaio, vice-presidente da AMB à época do lançamento do PMpB, lembra que o programa surgiu da necessidade de especialistas em regiões remotas. A AMB, segundo Sampaio, buscava suprir a carĂȘncia de médicos de famĂlia em ĂĄreas vulnerĂĄveis que não eram atendidas pelo programa Mais Médicos.
A Sociedade Brasileira de Medicina de FamĂlia e Comunidade (SBMFC), apesar de ter apoiado inicialmente o programa, destaca em nota que não houve a construção conjunta do projeto pedagógico e nem o monitoramento e avaliação, e que a titulação de especialistas em MFC sem residĂȘncia exige quatro anos de atuação na ĂĄrea.
A AgĂȘncia de Serviços de SaĂșde (AgSUS) esclarece que a prova agendada para abril de 2025 serĂĄ realizada em parceria com a SBMFC, mas sem carĂĄter de titulação. Profissionais aprovados serão contratados no programa Mais Médicos. A AMPB entrou na justiça para solicitar a suspensão do teste e realização da prova de tĂtulo prevista na lei.
O CFM acompanha o caso com preocupação, temendo que a prova seja dificultada intencionalmente. O Ministério da SaĂșde afirma que o exame serĂĄ baseado nos conteĂșdos estudados pelos médicos ao longo dos dois anos de especialização. O caso segue na Justiça.
*Reportagem produzida com auxĂlio de IA