O presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, não deu descanso para a caneta desde que foi empossado em Washington, na segunda-feira (20/1). Ele já assinou mais de 100 ordens executivas e medidas administrativas, alterando regras sensíveis do país. Algumas delas, no entanto, apesar das intenções do republicano, têm chance alta de serem alvo de judicialização.
Entenda o caso:
Trump assumiu o cargo pela segunda vez, com forte discurso contra a imigração. Além do decreto que cancela o direito à cidadania norte-americana para filhos de imigrantes ilegais que nascem no país, ele anunciou a definição de emergência nacional na fronteira com o México e suspendeu a entrada de refugiados por prazo inicial de 90 dias.
À luz do direito internacional, essas e diversas outras medidas de Trump são passíveis de questionamento judicial e devem render enfrentamentos futuros. Para elucidar caso a caso, o Metrópoles consultou um especialista na área, o advogado e professor de direito internacional da Universidade de São Paulo (USP) Solano de Camargo.
"Essas medidas refletem uma estratégia polarizadora que prioriza temas de forte apelo à base eleitoral de Trump, mas muitas delas enfrentam barreiras jurídicas significativas, especialmente em questões que tocam direitos fundamentais, como nacionalidade por nascimento e políticas de gênero. O risco de judicialização é altíssimo e deve gerar grandes batalhas nos tribunais dos EUA", pontua o docente.
Medidas de Trump com risco de judicialização
A reportagem selecionou 20 principais medidas e temas mencionados nas ordens executivas de Trump. Abaixo segue subdivisão dessas normas, a partir do nível do risco de judicialização – baixo, médio, alto ou altíssimo –, conforme análise do professor Solano de Camargo. Confira:
Risco altíssimo de judicialização
– Fim do direito à cidadania norte-americana para filhos de imigrantes ilegais nascidos nos EUA: a medida entra em conflito diretamente com a 14ª Emenda da Constituição, que garante a nacionalidade norte-americana a todos os nascidos nos Estados Unidos. A alteração desse direito exigiria emenda constitucional.
– Suspensão inicial por 90 dias da entrada de refugiados nos EUA: a Lei de Imigração e Nacionalidade do país prevê a ação do presidente na restrição de entradas, conforme o interesse da segurança nacional. Apesar disso, o risco de judicilização é altíssimo por possível violação de tratados internacionais, como a Convenção Relativa ao Estatuto dos Refugiados de 1951 e seu Protocolo de 1967.
– Suspensão inicial por 60 dias de programas de diversidade e inclusão: o presidente pode modificar políticas executivas, mas pode, também, enfrentar a Cláusula de Proteção Igualitária da 14ª Emenda da Constituição. O risco de judicialização é altíssimo, pois a medida é vista, manifestamente, como discriminatória e violadora do princípio do não retrocesso.
– Definição do sexo como classificação biológica imutável ("só existe homem e mulher"): medida conflita diretamente com decisões da Suprema Corte que protegem direitos da comunidade LBGTQIAPN+, conforme a Lei de Direitos Civis de 1964. Ela tem risco altíssimo de ser judicializada e barrada.
– Revogação de políticas de sustentabilidade e autorização à exploração doméstica de recursos naturais: alterações ambientais nos EUA devem seguir as regras da Lei de Procedimento Administrativo e de leis ambientais, como a Lei do Ar Limpo. O risco de judicialização da medida é altíssimo, pois tem forte oposição de grupos ambientais.
– Fim das contratações federais de inclusão, baseadas em etnia, sexo ou religião: medida pode conflitar com a Cláusula de Proteção Igualitária da 14ª Emenda da Constituição e a Lei de Direitos Civis de 1964. Pode ser interpretada como discriminatória.
Risco alto de judicialização
– Declaração de "emergência nacional" na fronteira com o México: a Lei de Emergência Nacional de 1976 permite a declaração presidencial de emergências nacionais, mas há risco alto de judicialização, quando não houver comprovação de uma emergência concreta.
– Expulsão de imigrantes ilegais e finalização da construção do muro na fronteira: a deportação está prevista na Lei de Imigração e Nacionalidade, mas a construção do muro depende de fundos aprovados pelo Congresso. O risco de judicialização é alto, principalmente se houver aplicação de recursos sem autorização prévia do legislativo.
– Suspensão de materiais que promovam "ideologia de gênero": o presidente dos EUA pode suspender materiais utilizados em programas educacionais ou federais, mas a medida pode ser contestada como violação de liberdade de expressão.
– Suspensão da entrada de imigrantes pela fronteira sul (México): a medida é amparada pela Lei de Imigração e Nacionalidade dos EUA, mas pode ser vista como discriminação ou violação de direitos de asilo.
Risco médio de judicialização
– Fortalecimento do papel militar na fronteira com o México: essa ação é regulada pela Lei de Posse Comitatus, que limita o uso das forças armadas em funções civis, e tem potencial médio de contestação jurídica, pois pode ser vista como abuso de poder.
– Orientação ao procurador-geral para incentivar a pena de morte: a pena de morte é permitida nos EUA, mas deve respeitar a Cláusula do Devido Processo da Constituição norte-americana. A medida tem risco médio de judicialização, especialmente se for aplicada de forma discriminatória e acelerada.
– Aumento de penas e deportações para imigrantes ilegais: a medida é amparada pela Lei de Imigração e Nacionalidade, mas deve respeitar direitos constitucionais. Em caso de violações do devido processo legal, pode ser alvo de judicialização.
Risco baixo de judicialização
Entre as medidas de Donald Trump que têm risco baixo de judicialização, em razão das prerrogativas presidenciais garantidas em lei, estão:
– Perdão aos invasores do Capitólio: o poder de perdão está assegurado pela Constituição. Pode render investigações políticas sobre abuso de poder, futuramente.
– Congelamento das contratações federais: é prerrogativa do presidente a adoção de medidas administrativas no funcionalismo público.
– Fim do home office para funcionários federais: da mesma forma, é prerrogativa do presidente esse tipo de alteração.
– Saída do Acordo Climático de Paris: o presidente pode retirar o país de tratados não ratificados pelo Senado.
– Saída dos EUA da Organização Mundial de Saúde (OMS): o presidente pode retirar os EUA, seguindo normas de aviso prévio da organização.
– Renomeação do Golfo do México para Golfo da América: essa decisão é, principalmente, simbólica, feita por meio do conselho norte-americano que trata de nomes geográficos.
– Saída do Acordo Global de Tributação da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico): o presidente pode retirar o país de acordos multilaterais não vinculativos.
Fonte: Agora Notícias Brasil