Organização não governamental alvo do Supremo Tribunal Federal (STF) por receber quase R$ 3 milhões em emenda do novo orçamento secreto para um projeto de capacitação de mulheres, o Instituto Brasileiro de Cidadania e Ação Social (Ibras) tem uma ampla cartela de atuação. A ONG também foi contratada pelo governo de Roraima para realizar shows sertanejos milionários e para promover ações com jovens evangélicos. Sua sede, porém, fica num pequeno estúdio, onde funcionam uma escola de judô e uma academia de pilates, no número 709 da Rua Amapá, na capital Boa Vista.
Relembre a briga das emendas:
O montante de R$ 2.999.855,00 foi enviado por meio de uma emenda da bancada do Tocantins, paga pelo Ministério das Mulheres em maio de 2024. O projeto que recebeu esse valor chama-se "Mulheres que Transformam", uma iniciativa do Ibras com a pasta para "oferecer oficinas de qualificação teórica e treinamento prático" em Palmas (TO), sobre temas como "empreendedorismo social, inteligência emocional, desenvolvimento pessoal e técnicas de beleza e maquiagem". O público-alvo são vítimas de violência ou em situação de vulnerabilidade social.
Em seu cadastro na Receita Federal, o Ibras elenca uma ampla lista de atividades desempenhadas. A ONG faz 88 serviços, de diversas especialidades, por exemplo: alvenaria; cultivo de plantas; instrução profissional; realização de shows; aluguel de palcos; comércio varejista de antiguidades; restauração de obras; edição de livros; serviços de advocacia, engenharia e arquitetura; locação de automóveis etc. São três páginas para descrever a atuação de uma ONG com endereço em uma pequena construção, com sede dividida.
A entidade entrou no cadastro de Entidades Privadas Sem Fins Lucrativos Impedidas (Cepim) e no Cadastro Nacional de Empresas Inidôneas e Suspensas (Ceis). De acordo com relatório da Controladoria-Geral da União (CGU) sobre as ONGs que mais receberam emendas, o Ibras não forneceu a transparência adequada. Ainda de acordo com o órgão, a entidade possui outros quatro empenhos milionários emitidos em dezembro de 2024. São eles:
Shows sertanejos da ONG na mira do TCE
O Ibras também entrou na mira do Tribunal de Contas do Estado de Roraima (TCE-RR) pela realização da 42ª Exposição-Feira Agropecuária de Roraima (Expoferr). O evento do agronegócio foi realizado em novembro de 2023 e contou com shows de nomes como Wesley Safadão, Tarcísio do Acordeon e Dorgival Dantas. O valor desembolsado pelo governo foi R$ 16,9 milhões.
Na ocasião, a Corte bloqueou bens do secretário de Agricultura, Márcio Grangeiro, e da empresária Bruna Antony de Oliveira, presidente do Ibras. Os conselheiros entenderam que houve indícios de irregularidades no valor de R$ 3,3 milhões, referentes à "liquidação e ao pagamento supostamente em duplicidade e por serviços não executados relacionados à realização da Expoferr".
De acordo com a Corte, "a investigação aponta que a verba destinada à Expoferr foi liquidada e paga à empresa Brasil Shows e Eventos, mesmo com fortes indícios de que os serviços foram executados pelo Instituto Ibras". Os bens do secretário e da empresária foram desbloqueados.
Bruna tinha cargo comissionado na Assembleia Legislativa de Roraima até março de 2023, com salário de pouco mais de R$ 3 mil. Ela foi exonerada sete meses antes de, como presidente do Ibras, fechar o contrato para realização do evento por quase R$ 17 milhões.
Além de fazer shows sertanejos, o Ibras também firmou contratos com o governo de Roraima para iniciativas como a formação cidadã dos membros da comunidade jovem evangélica (R$ 149 mil) e o desenvolvimento de estudo integrado para modernizar e remodelar o sistema de transporte público do estado (R$ 2,3 milhões).
ONG pediu ao STF reconsideração sobre emendas
Ao Supremo Tribunal Federal o Ibras pediu a liberação dos repasses à entidade, alegando "impacto negativo causado à credibilidade da instituição, os prejuízos decorrentes da paralisação na execução dos projetos e, consequentemente, os danos aos resultados que seriam entregues à sociedade". Ela também pede exclusão dos cadastros Cepim e Ceis.
A ONG também alegou a Dino que "as informações foram adequadamente fornecidas" e que a realização de uma nova auditoria é "desnecessária". Caso a decisão do STF não seja revista, outros projetos da organização podem ser ameaçados. Ao todo, o instituto tem R$ 29 milhões em projetos empenhados e ainda não pagos.
Um dos contratos com o governo federal financiados por meio de emendas pelo Ministério dos Esportes prevê a realização dos Jogos Roraimenses de Esportes Amadores 2025. O valor da ação é de R$ 10,6 milhões, custeados justamente por uma emenda de bancada. O campeonato ocorrerá em seis municípios do estado, incluindo a capital, Boa Vista.
Presidente do Ibras se manifesta
Procurada pelo Metrópoles, Bruna Antony, presidente do Ibras, explicou que organizações como a que ela comanda "desempenham um papel relevante na garantia de direitos aos cidadãos, alcançando áreas em que, muitas vezes, o poder público enfrenta dificuldades para atuar de forma isolada".
Ela também justifica que os valores recebidos são aplicados nos projetos. "Assim, embora tenha trabalhado com valores significativos na execução de diversos projetos, a instituição aplica os recursos exclusivamente nas políticas públicas relacionadas às parcerias realizadas com o poder público."
Sobre a timidez da sede do instituto diante da quantidade de projetos tocados por ele, a presidente alega que, quando é necessário, outros espaços são locados. "Quando há necessidade de espaço físico para atender a demandas específicas, a instituição realiza a locação provisória da estrutura, de forma a atender pontualmente as exigências de cada projeto, contratando, também, equipes de trabalho conforme a finalidade", justifica.
Fonte: Agora Notícias Brasil