São Paulo, 22 – O relatório final da Polícia Federal (PF) sobre o suposto plano para manter o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) no poder, mesmo após a derrota nas eleições de 2022, o põe no centro das articulações golpistas. A PF concluiu que Bolsonaro tinha conhecimento de que seus subordinados estavam arquitetando um golpe de Estado e de que ele participou do plano.
As conclusões da Polícia Federal foram entregues ao gabinete do ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), em um relatório de 884 pĂĄginas.
A PF indiciou Bolsonaro e 36 aliados pelos crimes de golpe de Estado, abolição violenta do estado democrĂĄtico de direito e organização criminosa, o que significa que eles deixam a condição de investigados e passam a ser apontados como autores dos crimes com base nas provas colhidas no inquérito policial.
A lista inclui ex-ministros e auxiliares palacianos, dezenas de militares da ativa e da reserva do Exército e até um padre.
O criminalista Paulo Amador da Cunha Bueno, que representa Bolsonaro, diz que só irĂĄ se manifestar quando tiver acesso ao relatório final da Polícia Federal, para fazer "uma manifestação mais segura".
O indiciamento da Polícia Federal não vincula a Procuradoria-Geral da República (PGR). A atribuição para apresentar uma denúncia formal cabe ao procurador-geral Paulo Gonet, que ainda vai analisar os documentos.
A investigação sobre o golpe nasceu como um braço do inquérito das milícias digitais, que desdobrou outras apurações, como o caso das fraudes nos cartões de vacina da covid-19 e o desvio de joias do acervo da União.
O que disseram as defesas dos investigados
O criminalista Paulo Amador da Cunha Bueno, que representa Jair Bolsonaro, diz que só irĂĄ se manifestar quando tiver acesso ao relatório final da Polícia Federal, para fazer "uma manifestação mais segura". Quando o ex-presidente foi intimado a depor no inquérito, em fevereiro, ele se manteve em silĂȘncio. Ao portal "Metrópoles", nesta quinta, 21, após o indiciamento, Bolsonaro afirmou que "a luta começa na PGR" e que não pode "esperar nada de uma equipe que usa criatividade".
A defesa do ex-ministro Anderson Torres somente irĂĄ se posicionar após ter acesso ao relatório de indiciamento.
Por meio de nota, a defesa de Walter Braga Netto informou que não foi comunicada oficialmente sobre o indiciamento e criticou o que chamou de "indevida difusão de informações relativas a inquéritos, concedidas "em primeira mão" a determinados veículos de imprensa em detrimento do devido acesso às partes diretamente envolvidas e interessadas". A defesa acrescentou que, por essa razão, aguardarĂĄ "o recebimento oficial dos elementos informativos para adotar um posicionamento formal e fundamentado".
Veja o que disse a defesa de Ronald de Araújo Júnior: "À data de hoje, a Polícia Federal informou que, no âmbito da Operação Tempus Veritatis, indiciou 37 pessoas, dentre eles o Tenente-Coronel Ronald Ferreira de Araújo Júnior, pelos crimes de abolição violenta do Estado DemocrĂĄtico de Direito, golpe de Estado e organização criminosa. Embora o relatório final da investigação, ao que se sabe, ainda não tenha sido enviado ao Supremo Tribunal Federal, e tampouco tenha sido oferecida denúncia pela Procuradoria-Geral da República, o indiciamento de Ronald Ferreira de Araújo Júnior não condiz, a toda evidĂȘncia, com a realidade dos fatos. Militar por vocação, Ronald não participou, a qualquer título, dos supostos crimes investigados, tampouco concorreu, intelectual ou materialmente, para a prĂĄtica de qualquer conduta voltada à subversão da ordem jurídica do país que sempre procurou dignificar por meio da farda. A defesa, de todo modo, não obstante a conclusão da autoridade policial, confia na anĂĄlise que serĂĄ realizada pelo Ministério Público Federal e aguarda o acesso ao relatório da PF para maiores esclarecimentos."
O advogado Elder Alves da Silva, que representa Alexandre Castilho Bittencourt da Silva, afirmou que continua confiante na completa inocĂȘncia de seu cliente e que Castilho estĂĄ à disposição das autoridades "para colaboração com o devido processo legal e constitucional, na certeza de que os fatos serão esclarecidos e sua honra plenamente restabelecida".
JĂĄ os advogados de Alexandre Ramagem e Anderson Torres informaram que irão divulgar uma nota nas próximas horas. Procurados, Mauro Cid e Valdemar Costa Neto optaram por não se manifestar. A reportagem continua em busca de contato com os demais indiciados.
Demóstenes Torres, que defende o almirante Almir Garnier, reiterou a inocĂȘncia do investigado e disse não ter acessado a íntegra dos autos até o momento.
JĂĄ a defesa de Filipe Martins, ex-assessor especial da PresidĂȘncia no governo Bolsonaro, divulgou a seguinte nota: "A Defesa de Filipe Martins considera risível e juridicamente insustentĂĄvel o indiciamento de seu cliente, fabricado inteiramente com base em ilações e narrativas fantasiosas – jamais em fatos e evidĂȘncias concretas. A julgar verdadeiras as informações sobre o teor do indiciamento divulgadas pela imprensa, este caso ilustra o estado alarmante e decadente do Estado de Direito no Brasil, onde o devido processo legal e as garantias fundamentais são continuamente atropelados por motivações meramente políticas. Filipe Martins foi preso com base em um documento apócrifo e não oficial, providenciado exclusivamente por um delator desesperado em busca de benefícios judiciais. Esse documento foi prontamente contraditado por provas oficiais brasileiras e americanas que demonstraram de forma incontestĂĄvel que a alegada viagem jamais ocorreu. Ainda assim, sua prisão foi mantida por mais de seis meses, desconsiderando todas as evidĂȘncias de sua inocĂȘncia. A fabricação dessa viagem, por quem quer que seja, é agora objeto de investigação pelas autoridades americanas a pedido de advogados constituídos pelo Sr. Filipe Martins nos Estados Unidos. Apesar disso, a Polícia Federal insiste em sustentar essa narrativa para indiciĂĄ-lo, expondo sua desconexão total com a realidade e o evidente abuso de suas prerrogativas. O relatório da Polícia Federal atingiu um patamar surreal ao afirmar que Filipe Martins "simulou registros" para enganar a própria PF, induzindo-a a acreditar que ele teria ido aos Estados Unidos. É importante relembrar que sua prisão foi decretada com base na alegação de que ele havia deixado o país sem registros, burlando sistemas migratórios brasileiros e norte-americanos. Agora, a narrativa inverte-se completamente: Filipe não teria saído, mas sim "simulado" sua saída. Se isso for verdade, significa que a PF admite ter mantido Filipe preso por seis meses com base em uma mentira que ela própria fabricou – o oposto do que afirma agora. Agrava-se ainda o fato de que nenhuma diligĂȘncia mínima foi realizada para verificar a autenticidade das alegações antes de ordenar sua prisão. Essa narrativa absurda seria cômica, não fosse trĂĄgica. A inocĂȘncia de Filipe Martins serĂĄ mais uma vez provada, contra toda e qualquer criatividade autoritĂĄria que busque distorcer os fatos e a realidade."
O jornalista Paulo Figueiredo, que mora nos Estados Unidos, se manifestou em suas redes sociais: "Sinto-me honrado. Aguardo ansiosamente os próximos acontecimentos", escreveu em tom irônico.
Fernando Cerimedo declarou que "hĂĄ muitas provas" de que ele não esteve no Planalto "nem antes nem durante o 8 de Janeiro" e afirmou que serĂĄ necessĂĄrio um grande esforço para acusĂĄ-lo. Cerimedo também prometeu recorrer a tribunais internacionais caso venha a ser condenado.
Fonte: Estadão ConteĂșdo