Uma delação feita ao Grupo de Atuação Especial de
Combate ao Crime Organizado (Gaeco), do Ministério Público de São Paulo,
revelou que dinheiro proveniente do tráfico de drogas pode ter sido usado em
negociações de jogadores de futebol que atuam em grandes clubes brasileiros e
internacionais.
O delator, Antônio Vinícius Gritzbach, empresário
acusado de ser o mandante do assassinato do traficante Anselmo Santa Fausta, um
dos líderes do Primeiro Comando da Capital (PCC), fez um acordo de delação
premiada com os promotores de Justiça na tentativa de reduzir sua pena. Santa
Fausta foi executado em plena luz do dia, no bairro do Tatuapé, em São Paulo,
no dia 27 de dezembro de 2021.
A delação de Gritzbach foi homologada pela Justiça
no dia 19 de junho deste ano. Em troca de sua colaboração, ele terá sua pena
reduzida em um terço, mas também terá que pagar uma multa de R$ 15 milhões.
Jogadores de futebol
Além dos negócios imobiliários, o delator destacou o envolvimento de criminosos
do PCC no agenciamento de jogadores de futebol. Segundo ele, três empresas – a
FFP, a UJ Football e a Lion Soccer Sports – usam dinheiro do tráfico para
negociar jogadores no Brasil e no exterior. A Lion Soccer Sports, comandada por
Danilo Lima de Oliveira, conhecido como "Tripa", é uma das responsáveis por
transferir atletas para a UJ Football, empresa que agencia a carreira de Éder
Militão, jogador da seleção brasileira e do Real Madrid.
Outro nome citado foi Rafael Maeda Pires, o "Japa",
que também agenciava jogadores e teria tirado a própria vida em maio do ano
passado. No entanto, a polícia suspeita que ele tenha sido obrigado a cometer
suicídio por membros da facção. Uma operação no dia 16 de agosto apreendeu
celulares em endereços que pertencem a agentes da Polícia Civil suspeitos de
envolvimento na execução. Eles agem como empresários dos jogadores, oferecendo
atletas aos clubes e gerenciando a assinatura de contratos. Em geral, o esquema
funcionava com o dinheiro do tráfico para pagamento do jogador e, quando o
contrato era fechado, recebiam a comissão em dinheiro limpo, efetuando a
lavagem dos valores.
Imóveis de luxo
O empresário entregou detalhes dos diversos negócios realizados pelo PCC,
incluindo a compra de imóveis de luxo em nome de laranjas, tanto em São Paulo
quanto no litoral, como no condomínio Riviera de São Lourenço, em Bertioga.
Gritzbach também revelou sua participação em
negócios feitos pela construtora Porte com integrantes da facção criminosa. Ele
atuou como gerente na empresa e conheceu os criminosos em transações
milionárias, fornecendo aos promotores provas como prints de conversas e fotos
de dinheiro vivo usado para pagamentos.
Em nota, a Porte Engenharia afirmou que não teve
conhecimento da delação, e se prontificou a colaborar com a investigação.
"Todos os negócios efetuados pela empresa respeitam a legislação brasileira e
as orientações dos órgãos de controle e das instituições financeiras", diz o
comunicado.
Provas da delação
Gritzbach entregou aos promotores cópias de mensagens, contratos, pacotes de
dinheiro e comprovantes de pagamentos de taxas para a Confederação Brasileira
de Futebol (CBF) e a Federação Paulista de Futebol. A delação aponta que os
criminosos negociaram jogadores com clubes como Corinthians, Grêmio,
Novorizontino, São Paulo, Real Madrid, Milan, Juventus e Nottingham Forest.
A delação também incluiu denúncias de corrupção
policial, envolvendo o Departamento de Homicídios, o Departamento Estadual de
Investigações Criminais e uma delegacia na Zona Leste de São Paulo. Como
resultado, novos inquéritos foram abertos para apurar o envolvimento de
policiais em crimes de corrupção e organização criminosa.Clubes, empresas e
autoridades se pronunciam sobre esquema do PCC revelado em delação.
Em meio a investigações envolvendo possíveis
vínculos de jogadores de futebol com membros do crime organizado, diferentes
clubes e empresas do esporte se pronunciaram, enquanto outros preferiram não
comentar sobre o assunto. O Ministério Público de São Paulo (MPSP) informou que
a investigação está sob segredo de Justiça, sem mais detalhes revelados. O
Departamento Estadual de Investigações Criminais (DEIC) informou que não tem
conhecimento do teor da delação premiada mencionada nas reportagens. Ressaltou
que Rafael Maeda não foi ouvido nem investigado nos inquéritos relacionados a
Antônio Vinícius Lopes Gritzbach, envolvido em crimes de lavagem de dinheiro e
financiamento de organização criminosa. O DEIC enfatizou que a delação só foi
possível devido ao inquérito instaurado pelo departamento, o qual resultou na
indisponibilidade e sequestro de 20 imóveis, liberados posteriormente em acordo
de colaboração premiada.
O DEIC reafirmou seu compromisso com a
transparência e legalidade em todas as suas investigações, prometendo continuar
atuando para garantir a segurança pública e a justiça. O São Paulo Futebol
Clube optou por não se manifestar sobre o caso. A diretoria do Sport Club
Corinthians Paulista expressou surpresa ao tomar conhecimento das denúncias de
que atletas, supostamente agenciados por integrantes do crime organizado,
teriam firmado contratos com o clube. A diretoria ressaltou que, segundo as
reportagens, esses contratos teriam sido celebrados antes da gestão atual. O
Corinthians reafirmou sua disposição em colaborar com as autoridades,
fornecendo documentos e esclarecimentos necessários para a completa apuração
dos fatos. O Grêmio Foot-Ball Porto Alegrense declarou que não tem nada a
comentar sobre o caso, afirmando que a questão não diz respeito ao clube. A
empresa UJ Football Talent esclareceu que opera como uma Eireli (Empresa
Individual de Responsabilidade Limitada), sendo conduzida de forma unipessoal.
Afirmou que Danilo Lima, citado na reportagem, não é e nunca foi sócio ou
participante da empresa. A UJ Football Talent repudiou qualquer associação com
as investigações em curso, afirmando que a citação de seu nome distorce a
verdade e poderá resultar em medidas judiciais. A empresa destacou que sempre
operou de forma transparente e ética, e se colocou à disposição para quaisquer
esclarecimentos adicionais. Rodrigo Paiva, representante da CBF, comentou que a
Confederação não tem envolvimento direto com os processos de inscrição de
jogadores nas competições organizadas pela entidade, esclarecendo que a
responsabilidade por esses processos recai sobre os clubes e seus agentes, que
precisam ser regulamentados pela Fifa, a Federação Mundial de Futebol. Paiva
destacou que a CBF não foi citada nas investigações até o momento.
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