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Sem ordem judicial, PF pediu ao X informações sobre deputado federal

Por Blog do Elias Hacker 19/08/2024 às 07:09:25

Em um ofício de 16 de março de 2023, a que a CNN teve acesso com exclusividade, a Polícia Federal pediu ao X dados pessoais de dois perfis do deputado federal André Fernandes (PL-CE). O delegado Raphael Soares Astini deu um prazo de dois dias para que a rede social respondesse.

O texto do requerimento cita o artigo 2Âș, do parĂĄgrafo 1Âș da lei 12.830/2013 (que trata sobre investigação criminal conduzida pelo delegado de polícia) e o artigo 10Âș, do parĂĄgrafo terceiro da Lei do Marco Civil da Internet para fundamentar o pedido sem ordem judicial.

O trecho da lei de 2023, citado pela PF, diz que "ao delegado de polícia, na qualidade de autoridade policial, cabe a condução da investigação criminal por meio de inquérito policial ou outro procedimento previsto em lei, que tem como objetivo a apuração das circunstâncias, da materialidade e da autoria das infrações penais".

O documento enviado ao X pedia "nome, CPF, e-mail, endereços, terminais telefônicos utilizados e/ou cadastros, dados bancĂĄrios e do cartão de crédito cadastrados e logs de criação, contendo IP, data, hora, fuso horĂĄrio GMT/UTC e porta lógica da conta do usuĂĄrio", no caso, o deputado André Fernandes (PL-CE).

O escritório Bastian Advogados, contratado pelo X Brasil, respondeu à Polícia Federal e ao delegado Raphael Soares Astini, por meio de um ofício em 5 de abril de 2023.

Após mencionar os artigos 10, 15, e 22 do Marco Civil da Internet, o ofício afirma que "as operadoras do X estão impossibilitadas de fornecer os registros de acesso, até que seja proferida uma ordem judicial fundamentada e com indicação de período e descrição da utilidade, de forma a atender à exigĂȘncia criada pelo legislador para o regular trâmite do procedimento de quebra de sigilo".

O ofício reproduz os artigos citados do Marco Civil da Internet. O artigo 10, parĂĄgrafo 1Âș, diz que o provedor só serĂĄ obrigado a disponibilizar os registros mediante ordem judicial.

O artigo 15 diz que o provedor deverĂĄ manter os registros de acesso pelo prazo de 6 meses. O parĂĄgrafo 3Âș do mesmo artigo afirma que a disponibilização ao requerente dos registros deverĂĄ ser precedida de autorização judicial.

JĂĄ o artigo 22 diz que a parte interessada poderĂĄ requerer ao juiz que ordene ao responsĂĄvel pela guarda o fornecimento do registro.
Esse mesmo artigo cita que "o requerimento deverĂĄ conter, sob pena de inadmissibilidade, fundados indícios de ocorrĂȘncia do ilícito e justificativa motivada da utilidade dos registros solicitados".

Logo após citar os artigos do Marco Civil da Internet, o representante do X no Brasil afirma que não pode fornecer os registros.

"Operadoras do X estão impossibilitadas de fornecer os registros de acesso, até que seja proferida uma ordem judicial fundamentada e com indicação de período e descrição da utilidade, de forma a atender à exigĂȘncia pelo legislador para o regular trâmite do procedimento de quebra de sigilo. (…) Não se trata de preciosismo formalista, mas unicamente de observação atinente à obrigação legal imposta à empresa no tratamento de dados de usuĂĄrios", diz o Twitter Brasil.

Nas pĂĄginas cinco e seis, o documento cita o artigo 11, parĂĄgrafo 1Âș do decreto 8.771/2016, que regulamenta o Marco Civil da Internet para afirmar que a plataforma não armazena dados cadastrais. O artigo é reproduzido no ofício:

"§ 1Âș O provedor que não coletar dados cadastrais deverĂĄ informar tal fato à autoridade solicitante, ficando desobrigado de fornecer tais dados".

Em seguida, a plataforma afirma que "não hĂĄ, portanto, dados a fornecer".

O ofício do representante do Twitter no Brasil volta a citar a legislação brasileira em seguida e fala que dados disponíveis poderão ser apresentados mediante decisão judicial fundamentada, em obediĂȘncia aos dispositivos do Marco Civil da Internet.

"(…) destaca-se que inexiste previsão legal no ordenamento jurídico brasileiro determinando que os provedores de aplicação de internet preservem e forneçam conteúdo.

(…) Nesse contexto, o TWITTER BRASIL informa que as Operadoras do Twitter procederam à preservação dos dados atualmente disponíveis em seus servidores relativos aos usuĂĄrios em questão, e que poderão ser apresentados mediante decisão judicial fundamentada, em obediĂȘncia aos dispositivos do Marco Civil da Internet supracitados."

Após o Twitter negar fornecer as informações, a Polícia Federal descartou o pedido à plataforma.

O que diz cada lei
As investigações de perfis nas redes sociais no inquérito das milícias digitais abriram uma discussão no meio jurídico sobre a obrigatoriedade — ou não — de ordem judicial para acessar dados privados dos usuĂĄrios.

A CNN ouviu juristas especialistas em Direito Digital que apontam divergĂȘncia entre as leis 12.830, de 2013, e o Marco Civil da Internet, de 2014.

A primeira não trata sobre a necessidade de ordem judicial para um delegado acessar dados cadastrais e endereço de IP para identificar o dono de um perfil nas redes. JĂĄ o Marco Civil exige pedido da Justiça para investigadores acessarem esses dados.

A lei 12.830/2013 — que trata sobre a investigação criminal conduzida pelo delegado de polícia — diz que "cabe ao delegado de polícia a requisição de perícia, informações, documentos e dados que interessem à apuração dos fatos".

"Art. 2Âș As funções de polícia judiciĂĄria e a apuração de infrações penais exercidas pelo delegado de polícia são de natureza jurídica, essenciais e exclusivas de Estado.

§ 1Âș Ao delegado de polícia, na qualidade de autoridade policial, cabe a condução da investigação criminal por meio de inquérito policial ou outro procedimento previsto em lei, que tem como objetivo a apuração das circunstâncias, da materialidade e da autoria das infrações penais.

§ 2Âș Durante a investigação criminal, cabe ao delegado de polícia a requisição de perícia, informações, documentos e dados que interessem à apuração dos fatos".

O trecho da lei 12.965/2014 (Marco Civil da Internet), que trata da proteção aos registros, aos dados pessoais e às comunicações privadas, cita que o provedor serĂĄ obrigado a disponibilizar registros mediante ordem judicial.

"Art. 10. A guarda e a disponibilização dos registros de conexão e de acesso a aplicações de internet de que trata esta Lei, bem como de dados pessoais e do conteúdo de comunicações privadas, devem atender à preservação da intimidade, da vida privada, da honra e da imagem das partes direta ou indiretamente envolvidas.

§ 1Âș O provedor responsĂĄvel pela guarda somente serĂĄ obrigado a disponibilizar os registros mencionados no caput, de forma autônoma ou associados a dados pessoais ou a outras informações que possam contribuir para a identificação do usuĂĄrio ou do terminal, mediante ordem judicial, na forma do disposto na Seção IV deste Capítulo, respeitado o disposto no art. 7Âș.

§ 2Âș O conteúdo das comunicações privadas somente poderĂĄ ser disponibilizado mediante ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer, respeitado o disposto nos incisos II e III do art. 7Âș."

Juristas ouvidos pela CNN
Para o advogado especialista em crimes cibernéticos, professor de Direito Digital da FGV e presidente da Comissão Nacional de Cibercrimes da ABRACRIM, Luiz Augusto Filizzola D" Urso, existe uma interpretação dúbia na lei.

"A meu ver, prevalece a necessidade de ordem judicial para apresentação desses dados, uma vez que o Marco Civil da Internet é claro, principalmente no artigo 10, parĂĄgrafo primeiro, que a decisão para que se quebre IP tem que ser judicial e que o delegado que deseje ter esses elementos no seu inquérito policial, que faça a representação e encaminhe para o fórum."

Para o advogado em Direito Constitucional e especialista em Direito Digital André Marsiglia, uma plataforma não deve ceder dados pessoais de um perfil sem uma autorização judicial, porque pode ser responsabilizada na Justiça pelo próprio usuĂĄrio.

"A polícia não pode fazer uma solicitação sem autorização judicial. Os artigos 18 e 19 do Marco Civil da Internet permitem a liberação de informações, mas teria que haver uma decisão justificada, explicando a pertinĂȘncia do pedido. E a justificativa não pode ser sigilosa. A necessidade de uma decisão judicial é uma forma de proteção para a plataforma. Se a plataforma cede os dados pessoais de um usuĂĄrio, ela pode ser responsabilizada frente ao usuĂĄrio", afirma Marsiglia.

Outros documentos a que a CNN teve acesso também mostram que, após o Twitter negar o compartilhamento de dados do parlamentar André Fernandes, a Polícia Federal descartou o envio de dados do Twitter, jĂĄ que a titularidade das duas contas na plataforma foi confirmada pelo próprio deputado em depoimento em 9 de maio de 2023 à Polícia Federal.

"Manifesto-me pela desistĂȘncia da diligĂȘncia representada no Ofício (…), haja vista que perdeu seu objeto, posto que, através dela, buscava-se a confirmação de titularidade das contas do TWITTER vinculadas ao investigado, o que foi obtido com a própria confirmação dele no seu depoimento constante nos autos do Inquérito intitulado."

Deputado federal citado
O deputado André Fernandes (PL-CE) é alvo de um inquérito no Supremo Tribunal Federal por condutas que se referem a postagens, em redes sociais, de um suposto incentivo aos atos do dia 8 de janeiro, recomendação da Procuradoria-Geral da República em janeiro de 2023.

No entanto, em julho de 2023, o subprocurador-Geral da República Carlos Frederico Santos recomendou o arquivamento do inquérito policial por considerar que "replicar um conteúdo em rede social conhecido por milhares torna impossível reconhecer o nível de influĂȘncia da postura do investigado".


Fonte: Por CNN

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