O ministro do Supremo Tribunal
Federal (STF), Alexandre de Moraes, deixou de incluir nos documentos públicos
do inquérito das milícias digitais qualquer menção ao envolvimento da
Assessoria Especial de Enfrentamento à Desinformação (AEED), do Tribunal Superior
Eleitoral (TSE), na produção de relatórios que embasam as investigações. Já no
inquérito das fake news, embora o órgão seja citado nos atos processuais que
não estão sob sigilo, não há referência de que a ordem para produzir relatórios
tenha partido do gabinete de Moraes.
O Estadão analisou quase 7 mil
páginas de 700 peças públicas (documentos que compõem o inquérito, como
ofícios, petições de defesa, procurações e decisões) referentes ao inquérito
das milícias digitais disponíveis no sistema do Supremo.
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Na última terça-feira (13), uma
reportagem da Folha de S. Paulo mostrou que Moraes ordenou, de forma não
oficial, a produção de relatórios pelo TSE para embasar suas decisões contra
aliados do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL).
Em resposta às revelações, Moraes
afirmou que, no curso dos dois inquéritos, "diversas determinações, requisições
e solicitações foram feitas a inúmeros órgãos, inclusive ao Tribunal Superior
Eleitoral", que "os relatórios simplesmente descreviam as postagens ilícitas
realizadas nas redes sociais, de maneira objetiva, em virtude de estarem
diretamente ligadas às investigações de milícias digitais" e que "vários desses
relatórios foram juntados nessas investigações e em outras conexas e enviadas à
Polícia Federal para a continuidade das diligências necessárias, sempre com
ciência à Procuradoria Geral da República."
Juristas ouvidos pelo Estadão
avaliam que, embora as atribuições constitucionais permitam os atos praticados
pelo ministro, tanto a ausência de menção ao órgão no inquérito das milícias
digitais quanto a falta de transparência no inquérito das fake news sobre o
fato de que a determinação para a AEED produzir relatórios partiu de Moraes
prejudicam as partes envolvidas e comprometem a legitimidade e a reputação da
Corte.
O jurista e professor do Insper,
Luiz Gomes Esteves, ressalta que a menção ao órgão do TSE nas peças do
inquérito das milícias digitais é fundamental para garantir a devida transparência
às partes investigadas e para fortalecer a legitimidade da instituição perante
a sociedade.
– Se esses documentos não existem
ou se não constam nos autos do inquérito, eu acho que isso é um problema, um
problema de transparência significativo. Sobretudo se considerarmos que as
pessoas que estão sendo investigadas e seus defensores precisam ter acesso ao
material utilizado para a realização desta investigação. Então, eu imagino que,
sim, há um problema de transparência ali – disse.
Para o professor de direito penal
da USP Gustavo Badaró, o fato de que, no inquérito das fake news, não esteja
claramente expresso que os pedidos à AEED foram feitos por determinação do
ministro, também é passível de críticas, já que, em sua avaliação, a conduta
fere a transparência da decisão.
– Não há menor dúvida: tanto a
solicitação quanto a informação elaborada pelo TSE deveriam ser juntadas aos
autos [no STF]. O correto seria a própria requisição estar documentada no
inquérito. Se um juiz pode solicitar ao setor de desinformação do TSE esse tipo
de informação, o correto seria que constasse um ofício nos autos dos
inquéritos, ainda que, fisicamente, seja a mesma pessoa, Alexandre de Moraes. O
correto seria que houvesse um ofício, um registro, dizendo: "Nesta data,
solicita-se ao órgão tal do TSE um relatório sobre fulano de tal" – comentou.
Na mesma linha, o criminalista e
jurista Alberto Toron avalia que o comportamento de Moraes, marcado pela
ausência de determinação ao órgão do TSE nas decisões do inquérito das fake
news, pode colocar em dúvida sua imparcialidade.
– Grave é isso aparecer como algo
espontâneo, quando não o foi, e sim por ordem do ministro. Pior ainda é, no
exercício da jurisdição no STF, a clara perda da imparcialidade. Isso me parece
grave – pontuou.
ACÚMULO DE FUNÇÕES NÃO JUSTIFICA
FALTA DE TRANSPARÊNCIA
O acúmulo de funções e poder no Judiciário, decorrente do desenho
constitucional brasileiro, que permite a um mesmo ministro atuar
simultaneamente como relator no STF e presidente do TSE, não justifica, por si
só, a falta de transparência e de ritos formais na atuação de Moraes nesses
casos, conforme explica Luiz Gomes Esteves.
O jurista também ressalta que a
comunicação em um processo jurídico deve zelar pela impessoalidade e
formalidade, predicados que, segundo ele, faltaram aos assessores do ministro
– É muito importante que a
comunicação seja formalizada, pois todos esses agentes são servidores públicos
e precisam fundamentar suas decisões, especialmente aquelas tomadas no âmbito
de uma investigação criminal – falou.
Esteves apontou ainda que o
próprio escopo de atuação do órgão, que em tese deveria se limitar ao âmbito
eleitoral, aparentemente foi utilizado para outros temas e investigações,
extrapolando sua competência jurisdicional.
– Essa assessoria do TSE tem um
papel limitado a questões relacionadas ao processo eleitoral; não é uma
assessoria que pode produzir informações ou exercer o poder de polícia,
sobretudo. Portanto, ela está limitada a questões relacionadas a eleições.
Nesse contexto, eu diria que é ainda mais importante, além da elaboração de um
ofício ou documento formalizado, compreender se os pedidos de investigação ou
de produção de informações estão realmente relacionados ao papel que o TSE
desempenha no nosso sistema político – disse.
E acrescentou:
– O escopo do inquérito das fake
news não se confunde com o da justiça eleitoral. Existem alguns temas
investigados no inquérito das fake news que não são relacionados a eleições,
assim como há temas de competência da justiça eleitoral que não estão
vinculados ao inquérito das fake news. Portanto, é necessário separar as duas
coisas e olhar com muito cuidado todas as decisões tomadas no âmbito do
inquérito e as decisões relacionadas ao TSE, para entender se alguma dessas
decisões tomadas pelo ministro Alexandre de Moraes, ou algum dos pedidos
realizados por ele, ultrapassa os limites de sua atuação, seja como relator do
inquérito das fake news, seja como presidente do TSE.
Fonte: *Com informações AE