São Paulo e Caracas, 31 – O Centro
Carter, a mais importante organização autorizada a monitorar a eleição na
Venezuela, declarou nesta quarta-feira, 31, que o processo não pode ser
considerado democrático. Fundado pelo ex-presidente dos EUA Jimmy Carter, o
centro apontou "graves violações" na suposta vitória do ditador Nicolás Maduro.
O relatório aumenta a pressão internacional sobre o chavismo e reforça
também a saia-justa que o Brasil enfrenta. Na terça-feira, o presidente
brasileiro, Luiz Inácio Lula da Silva, minimizou as evidências de fraude e
considerou "normal" a eleição na Venezuela. Seu assessor especial, Celso
Amorim, havia considerado que a opinião do Centro Carter balizaria a posição do
Brasil.
Acuado por protestos e forte oposição interna, Maduro concedeu ontem a
primeira entrevista após a eleição. Em tom duro, ele ameaçou "quem se meter"
com ele e citou uma "ala fascista" da qual fariam parte o ex-presidente
brasileiro Jair Bolsonaro (PL) e o presidente da Argentina, Javier Milei.
"Quem se meter comigo vai secar: a ala internacional fascista,
Bolsonaro, Milei, (o presidente do Equador, Daniel) Noboa, e repressor
assassino (o presidente de El Salvador, Nayib) Bukele, Vox e os
narcotraficantes assassinos da Colômbia", disse Maduro
Diplomacia
A OEA se reuniu ontem em caráter de emergência para discutir a crise na
Venezuela, mas não houve maioria para aprovar uma resolução que pedia
transparência na apuração. Foram 11 votos a favor do texto, mas eram
necessários 18. O Brasil se absteve.
A proclamada reeleição do ditador fez escalar o clima de tensão com os
vizinhos regionais. Ontem, a Venezuela rompeu relações diplomáticas com o Peru,
em resposta ao reconhecimento peruano do opositor Edmundo González Urrutia como
"presidente eleito".
O presidente colombiano, Gustavo Petro, quebrou o silêncio e pediu uma
apuração transparente. A crítica de Petro também deixou Lula mais isolado na
região, já que o Brasil negociava uma posição conjunta com Colômbia e México. A
maior parte dos países latino-americanos rejeitaram o resultado, incluindo
líderes de esquerda, como o presidente do Chile, Gabriel Boric.
No caso do México, há ainda uma diferença de posição entre o presidente,
Andrés Manuel López Obrador, e a presidente eleita, Claudia Sheinbaum. Ele diz
que não há provas de fraude. Ela pediu "transparência" no processo eleitoral.
Já os EUA preferiram ontem subir o tom e alertaram que a paciência com a
Venezuela está se esgotando. "Nossa paciência e a paciência da comunidade
internacional está se esgotando", disse o porta-voz do Conselho de Segurança
Nacional, John Kirby. "Está se esgotando à espera de que as autoridades
eleitorais venezuelanas digam a verdade e publiquem todos os dados detalhados
destas eleições para que todo mundo possa ver os resultados."
Mesmo sem a totalização dos votos, Maduro foi proclamado vencedor pelo
Conselho Nacional Eleitoral (CNE), que organiza a eleição na Venezuela e é
controlado pelo regime chavismo. "O fato de a autoridade eleitoral local não
ter anunciado resultados detalhados por mesa de votação é uma grave violação
dos princípios eleitorais", disse o Centro Carter, em comunicado
A organização exigiu a divulgação das atas de votação, sem as quais é
impossível saber de onde vieram os votos de Maduro. Brasil e EUA também pediram
o detalhamento dos resultados, seção por seção.
Em reação, Maduro apresentou ontem recurso ao Tribunal Supremo de
Justiça (TSJ), também controlado por ele, pedindo que se esclareça "tudo o que
for necessário" sobre as eleições. Ele disse que o partido governista está
pronto para apresentar "100% das atas", mas não explicou porque elas ainda não
foram publicadas. O Centro Carter questionou a capacidade do TSJ de realizar
uma perícia independente.
Observadores
Além do Centro Carter, apenas uma pequena delegação das Nações Unidas estava
autorizada a monitorar a eleição na Venezuela. No entanto, até o momento, os
monitores da ONU não comentaram os resultados.
Em resposta às suspeitas de fraude, milhares de venezuelanos saíram às
ruas para reivindicar a vitória de González Urrutia, em protestos que haviam
resultado em pelo menos 16 mortes e mais de 1.000 pessoas presas até o início
da noite de ontem.
Entre os detidos está o líder do partido Voluntad Popular, Freddy
Superlano. Aliados e parentes disseram ontem que ele estaria sendo torturado na
prisão, segundo informaram pessoas ligadas ao chavismo. O objetivo seria fazer
o líder "confessar um falso plano montado" para derrubar o regime.
Na entrevista de ontem, Maduro voltou a pedir a prisão dos dois líderes
da oposição, María Corina Machado e González Urrutia. "Essas pessoas têm de
estar atrás das grades. É preciso que haja justiça", disse o ditador.
Diante das ameaças, a Costa Rica ofereceu asilo político a María Corina
e Urrutia, na terça-feira. Ela recusou. "Agradeço a generosidade, mas minha
responsabilidade é continuar nesta luta ao lado do povo", escreveu a opositora
no X. (COM AGÊNCIAS INTERNACIONAIS)
Estadão Conteúdo