A Câmara dos Deputados aprovou ontem o primeiro texto-base da
regulamentação da reforma tributária, com 336 votos favoráveis, 142 contrários
e duas abstenções. A proposta estabelece uma trava para a alíquota do novo
Imposto sobre Valor Agregado (IVA), que não deverá ultrapassar 26,5%, e amplia
a cesta básica com imposto zero e o alcance do mecanismo de devolução de parte
dos impostos ("cashback").
O texto votado inicialmente havia deixado a carne fora da lista de
produtos isentos. Mas após a votação, o relator da regulamentação da reforma
tributária na Câmara, deputado Reginaldo Lopes (PT-MG), anunciou em discurso
que mudaria outra vez o seu relatório para incluir também carnes, queijos,
peixes e sal na cesta básica zerada. "Estamos acolhendo no relatório da reforma
todas as proteínas. Carnes, peixes, queijos e, lógico, o sal, porque o sal
também é um ingrediente na culinária brasileira", afirmou Lopes, em plenário.
Pivô dos principais embates no Congresso nos últimos dias, a demanda
pela isenção das proteínas animais – defendida pelo setor de alimentos, pela
bancada do agronegócio e pelo próprio presidente Luiz Inácio Lula da Silva –
acabou sendo aprovada por meio de um destaque (sugestão de mudança ao texto
principal) do PL, que lidera a oposição. Encerrada a votação dos destaques, o
texto seguirá agora para análise do Senado.
A Proposta de Emenda à Constituição (PEC) da reforma tributária sobre
bens e serviços foi aprovada pelo Congresso no fim do ano passado, depois de
inúmeras tentativas nos últimos 30 dias para tentar desatar o nó tributário que
pesa hoje sobre cidadãos e empresas. A fase atual é de regulamentação do que
foi aprovado anteriormente. O governo ainda vai apresentar ao Congresso uma
proposta para mudar a tributação sobre renda e patrimônio.
O projeto aprovado ontem pela Câmara trouxe o coração do novo sistema de
impostos sobre consumo, com as regras para o funcionamento do IVA – que
unificará cinco tributos existentes hoje. Serão dois IVAs: um de competência do
governo federal, a Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS), e um de Estados e
municípios, o Imposto sobre Bens e Serviços (IBS).
Articulações
O dia foi de articulações dos partidos envolvendo o texto-base da
regulamentação, de forma a tentar acomodar os acordos de última hora. As
modificações foram negociadas em conjunto com a equipe técnica do Ministério da
Fazenda, que fez plantão na Câmara. O secretário extraordinário da reforma, Bernard
Appy, acompanhou as tratativas entre os deputados.
Desde as primeiras horas do dia, a bancada ruralista tentou incluir as
carnes na cesta básica com imposto zero, sem sucesso. A articulação foi
encampada pela Frente Parlamentar do Agropecuária (FPA), que conta com o apoio
de 324 deputados, sendo a maior bancada da Casa. Atualmente, as carnes estão na
alíquota reduzida, que conta com 60% de desconto na tributação.
A movimentação ganhou o reforço do Palácio do Planalto nos últimos dias,
com falas do presidente Luiz Inácio Lula da Silva em defesa da isenção das
carnes. Porém, se de um lado Lula afirmou que vai "ficar feliz se puder comprar
carne sem imposto", de outro o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL),
chegou a dizer que isentar as carnes poderia deixar o "preço pesado", em
referência ao impacto na alíquota-padrão do IVA.
Nos cálculos do Ministério da Fazenda, a alteração representaria uma
elevação de 0,53 ponto porcentual, o que faria a alíquota média passar de 26,5%
para 27%. Já nos cálculos do Banco Mundial, o impacto seria de 0,57 ponto.
Como antecipou o Estadão/Broadcast, diante do receio de aumento na
alíquota-padrão, os deputados incluíram no texto uma trava para evitar que a
alíquota do IVA ultrapasse 26,5%, como projetado inicialmente pela equipe
econômica.
A trava passaria a valer a partir de 2033, depois do período de
transição da reforma tributária, que começa em 2026. Caso a alíquota ultrapasse
o limite, o governo seria obrigado a formular, em conjunto com o Comitê Gestor
do IBS, um projeto de lei complementar com medidas para reduzir a carga
tributária.
A emenda constitucional da reforma tributária aprovada em dezembro já
contém uma trava para evitar aumento da carga tributária do País (medida pela
relação entre a arrecadação de impostos e o Produto Interno Bruto) na
comparação com a carga atual. A trava proposta agora na regulamentação, por sua
vez, diz respeito à alíquota média do IVA.
Medicamentos
Nos medicamentos, os deputados do grupo de trabalho concederam desconto
de 60% da alíquota-padrão para todos aqueles registrados na Anvisa ou
produzidos por farmácias de manipulação. Antes, esses medicamentos estavam
divididos entre desconto de 60% e alíquota cheia. Outra parte dos remédios
conta com isenção total – e isso não foi alterado.
O relator também contemplou demanda da bancada feminina e incluiu o DIU
(Dispositivo Intrauterino, um método anticoncepcional) na lista de dispositivos
médicos com redução de 60% do IVA.
O texto também autoriza que as empresas se creditem de planos de saúde coletivos
previstos em convenção, o que antes era proibido pela proposta enviada
inicialmente pelo Ministério da Fazenda. Os deputados também incluíram planos
de saúde de animais domésticos, os pets, com alíquota reduzida em 30%.
A proposta ainda amplia o "cashback", sistema de devolução de parte da
CBS à população de baixa renda, de 50% para 100%, nas operações de fornecimento
de energia elétrica, água, esgoto e gás natural encanado. Para o cálculo da
devolução, serão consideradas as compras nos CPFs de todos os membros da
unidade familiar, e não apenas do representante.
"Imposto do pecado"
O texto aprovado incluiu o carvão mineral na lista de produtos sujeitos
ao Imposto Seletivo, o chamado "imposto do pecado", que vai incidir sobre itens
considerados nocivos à saúde e ao meio ambiente. Por outro lado, o relator
estendeu a trava de 0,25% de alíquota para todos os bens minerais extraídos. No
texto anterior, esse limitador só se aplicava ao minério de ferro.
A Câmara já havia incluído os jogos de azar, físicos e digitais (como as
apostas esportivas, as "bets"), no Seletivo, além dos veículos elétricos.
Como revelou o Estadão, a inclusão dos elétricos no Seletivo foi uma
recomendação feita pelo Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio e
Serviços (MDIC), que justificou o pedido alegando não fazer distinção entre
veículos a combustão, híbridos e elétricos e citando a fabricação e descarte da
bateria como fatores poluentes. O "imposto do pecado" também vai incidir sobre
carros a combustão e híbridos, aeronaves, embarcações, cigarro, bebidas
alcoólicas e bebidas açucaradas.
Durante a votação de ontem, os deputados derrubaram destaque para
incluir armas e munições entre os itens do Seletivo.
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