Considerado um dos gigantes do varejo
brasileiro, com quase um século de história, o Grupo Americanas surpreendeu o
país quando, em janeiro do ano passado, anunciou "inconsistências contábeis" de
mais de R$ 20 bilhões, até então desconhecida de investidores, fornecedores,
credores, trabalhadores e da sociedade brasileira, como um todo.
Uma análise por parte da área contábil
da empresa havia identificado operações de financiamentos de compras de cerca
de R$ 20 bilhões, que fizeram com que a Americanas ficasse devendo a
instituições financeiras. Mas essas dívidas não estavam "adequadamente
refletidas na conta fornecedores" nas demonstrações financeiras da companhia.
Logo após o anúncio, o Grupo Americanas
entrou com um pedido de recuperação judicial, de forma a se proteger das
cobranças de dívidas imediatas e proteger seus negócios e patrimônios.
Mas as surpresas não parariam por aí.
Alguns meses depois, a própria empresa lançou uma nova bomba: as
inconsistências eram fruto de fraudes. Depois de uma auditoria independente, a
Americanas verificou indícios de manipulação de dados contábeis por parte de
sua antiga diretoria, que chegavam a R$ 25,3 bilhões.
Segundo a empresa, foram identificados
diversos contratos de verbas de propaganda cooperada (VPC), que teriam sido
artificialmente criados para melhorar os resultados operacionais da empresa.
Isso era lançado na contabilidade como uma forma de reduzir os custos, mas não
havia efetiva contratação de fornecedores para o serviço.
VPC são verbas em dinheiro ou em
produtos bonificados disponibilizados por grandes fabricantes para incentivar a
venda de seus produtos, nas lojas varejistas, por exemplo, a instalação de
gôndolas específicas para o item no ponto de venda, a colocação do produto em
destaque ou ações promocionais.
O problema é que, no caso da Americanas,
bilhões de reais em VPC fictícias foram lançados em seus balanços contábeis, de
forma intencional, segundo a própria empresa, por seus ex-dirigentes, que
estavam na gestão da empresa pelo menos até o fim de 2022.
Além disso, foram identificadas
operações de risco sacado, que consistiam na antecipação de pagamento aos
fornecedores, através da contratação de empréstimos junto aos bancos. O
problema é que essas operações, que envolvem o pagamento de juros às
instituições financeiras, não eram devidamente lançadas na contabilidade da
empresa, ocultando bilhões em dívidas.
"Em adição às operações de VPC, e como
forma de gerar o caixa necessário para a continuidade das operações das
Americanas, a Diretoria anterior da Companhia contratou uma série de financiamentos
nos quais a Companhia é devedora perante instituições financeiras, sem as
devidas aprovações societárias, todas inadequadamente contabilizadas no balanço
patrimonial da Companhia de 30 de setembro de 2022 na conta fornecedores",
informou a empresa, em um comunicado ao mercado em junho do ano passado.
Além disso, a empresa constatou
lançamentos redutores na conta de fornecedores provenientes de juros sobre
operações financeiras, "que deveriam ter transitado pelo resultado da Companhia
ao longo do tempo".
Ex-diretores da empresa são
investigados pela Polícia Federal (PF). Dois deles, que estavam no exterior,
chegaram a ter prisão preventiva decretada no fim de junho, mas os mandados
foram depois convertidos em medida cautelar de retenção, para impedir que eles
saiam do país. Segundo o Ministério Público Federal (MPF), a
investigação segue sob sigilo.
Segundo o relatório final da Comissão
Parlamentar de Inquérito (CPI) instalada na Câmara dos Deputados para apurar a
situação da empresa, divulgado em setembro de 2023, a dívida da empresa com
seus credores, já consideradas as inconsistências contábeis, superava os R$ 42
bilhões.
História
"Nada além de 2 mil réis". Era assim
que a primeira das Lojas Americanas se apresentava aos consumidores da cidade
de Niterói, na região metropolitana do Rio de Janeiro, quando abriu suas
portas, em 1929. O estabelecimento foi fundado por quatro empresários
americanos, que haviam trabalhado em uma loja de produtos five and ten
cents (algo no estilo "loja de R$ 1,99").
Eles se juntaram a um austríaco e a um
brasileiro para colocar em prática seus planos. Após mais de uma década de
expansão de seus negócios, a Americanas se tornou uma sociedade anônima, com
abertura de capital na Bolsa de Valores, ainda na década de 40.
No início dos anos 2000, lançou-se na
internet e começou aquisições de empresas como Shoptime,
Ingresso.com e Submarino. Atualmente, o Grupo Americanas combina lojas
digitais, locais de venda física, franquias, fintech e até
varejo de hortifrúti.
Na última terça-feira, a empresa
anunciou o fim dos sites de venda Shoptime e
Submarino. "A decisão contemplou o alinhamento com a nova estratégia de
negócios, que foca em uma operação mais ágil, rentável e eficiente para
oferecer uma experiência de compra ainda mais completa", explicou em
comunicado.
Fonte: Portal Correio