O fim do sigilo de trechos da delação premiada
do ex-policial militar Ronnie Lessa, assassino da vereadora Marielle Franco
(PSOL) e do motorista Anderson Gomes, revelou detalhes de quem participou e de
como foi elaborado o plano para o crime. Além disso, Lessa detalha a motivação
do homicídio e expõe a relação do bando com o delegado Rivaldo Barbosa, então
chefe da Polícia Civil do Rio de Janeiro.
Os trechos tornaram-se públicos por
decisão do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes,
nesta sexta-feira (7). Além disso, Moraes determinou a transferência de Ronnie
Lessa para o presídio de Tremembé, no interior de São Paulo.
Delegado
era "suporte de operação"
No depoimento, Ronnie Lessa afirmou que tinha a sensação de que o delegado
Rivaldo era o "suporte da operação". A conclusão de Lessa teria sido tomada
após uma reunião que ele teve com os irmãos Chiquinho Brazão (deputado federal)
e Domingos Brazão (conselheiro do Tribunal de Contas do Rio), indiciados pela
PF como mandantes do crime.
Diz um trecho do relatório da PF:
"Ronnie Lessa expõe as impressões que teve após a reação dos mandantes frente
ao diálogo: "a impressão que ele passa é que o Rivaldo é quase parte integrante
do plano inicial"".
As informações constam da delação
premiada de Lessa, que teve seu sigilo levantado nesta sexta-feira (7) por
ordem do ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF).
"Virando
o canhão para outro lado"
Conforme os documentos, Lessa afirmou que uma das funções de Rivaldo Barbosa
era mudar os rumos da investigação e que teria recebido dinheiro de Chiquinho e
Domingos Brazão para isso.
"Eles [irmãos Brazão] tranquilizaram a
gente o tempo todo, falaram o tempo todo que o Rivaldo estava vendo, que o
Rivaldo já está redirecionando e virando o canhão pra outro lado, que ele teria
de qualquer forma que resolver isso, essa questão, que já tinha recebido pra
isso no ano passado, no ano anterior, ele foi bem claro com isso", disse Lessa
aos investigadores
Planejamento
começou em 2017
Em trechos da delação, Lessa disse que testou a arma emprestada antes do crime.
"Fiz um teste mecânico da arma, disparando com o supressor de ruídos acoplado
(silenciador). É praxe que toda a arma que esteja com o supressor deve estar
muito bem alinhada, (pois) pode ocasionar um acidente grave com o atirador",
disse Lessa aos investigadores em 11 de agosto de 2023.
Segundo ele, a entrega da arma se deu em meados de setembro de 2017. Marielle e Anderson foram mortos em 14 de março de 2018. "Aí ele (Macalé) vem com a metralhadora MP5, eu achei até uma coisa (boa) porque eu sou fã da arma, tenho uma réplica em calibre 22, eu trabalhei com ela no BOPE, ou seja, eu era familiarizado com a arma, então aquilo ali pra mim foi uma coisa até bem interessante porque eu tinha acessórios pra ela que eu comprava para a minha." A MP5 é uma metralhadora da década de 1970 e, ao que indicam as investigações, foi roubada de um Quartel da PM do Rio nos anos 1980.
Dificuldades
para executar plano
Em vídeo, Lessa deu detalhes sobre o planejamento e a execução do crime,
fornecendo detalhes sobre as "dificuldades" de executar Marielle em seu
endereço. "Endereço dela era um lugar muito difícil. Com policiamento e sem
estacionamento. Tentativas sem êxito levaram que a gente procurasse outros
meios", disse em depoimento.
"A gente já tinha informações sobre
endereço dela, e a partir dali tentamos que fosse feito a partir dali, tentamos
algumas vezes em vão dar prosseguimento ao fato, só que sem sucesso. Ali é uma
área de difícil acesso, não tem onde parar, tem policiais andando na calçada,
ali é um lugar difícil de monitorar", detalhou.
Em outro trecho, Lessa revela que havia
ordem de que o crime não acontecesse perto da Câmara dos Vereadores. "Teria que
ser a partir do endereço que logo depois o Macalé (Edmilson de Oliveira,
ex-sargento da Polícia Militar do Rio) trouxe, que seria o endereço da Rua do
Bispo", endereço da vereadora.
Questionado pelo delegado Guilhermo
Catramby sobre quem teria exigido que o crime não ocorresse próximo à Câmara
dos Vereadores do Rio de Janeiro, Lessa respondeu que a ordem partiu de Rivaldo
Barbosa, delegado da Polícia Civil.
"Ele foi bem firme nisso, foi
contundente (
) se o Diretor da Delegacia de Homicídios faz uma exigência
dessa, na minha concepção ele já tem uma linha traçada para desviar o assunto;
porque, se não pode ser daquela forma ali na Câmara de Vereadores, é justamente
para não chamar atenção de quem: de vereadores, concorda?", afirmou.
"Pedra
no caminho"
Ronnie Lessa também disse à Polícia Federal que a vereadora foi morta por ser
considerada uma "pedra no caminho" nos planos de milícia de concretizar um
loteamento no Rio de Janeiro.
Segundo o assassino confesso, o risco
representado por Marielle às intenções do grupo foi descoberto pelo miliciano
Laerte Silva de Lima, que se filiou ao PSOL em 2016. A missão era atuar como
infiltrado, vigiando de perto a vereadora. Lessa disse que a informação
levantada por Laerte foi repassada ao restante do grupo pelo ex-deputado
estadual Domingos Brazão, apontado pela PF como um dos mandantes.
Reuniões
foram o estopim
"O próprio Domingos, ele nos revelou que a Marielle ia entrar no caminho. E,
por informações do Laerte, infiltrado no PSOL, ela teria convocado algumas reuniões
ou uma reunião com várias lideranças comunitárias, se não me engano no Bairro
de Vargem Grande ou Vargem Pequena, naquela área lá de Jacarepaguá. E
justamente pra falar sobre esse assunto, para que não houvesse adesão a novos
loteamentos da milicia", afirmou Lessa, em depoimento prestado no dia 9 de
agosto de 2023, dentro do acordo de delação premiada firmado com a PF.
"Então, isso foi o que o Domingos
passou pra gente de uma forma rápida, até porque os nossos encontros não
duravam mais do que uma hora, em pé do lado de fora do carro", detalhou Lessa.
"Ele conseguiu passar toda a visão da coisa; o que deu pra entender é o
seguinte: a Mariele vai atrapalhar e nós vamos seguir isso aí. E, pra isso, ela
tem que sair do caminho", complementou o delator.
Pagamento
em terrenos
Ainda segundo Lessa, o pagamento pela execução da vereadora seria um loteamento
inteiro de terrenos. "A proposta era que ganharíamos um loteamento. Eram dois
loteamentos em questão. Um seria deles, dos mandantes, das pessoas envolvidas. E
[o segundo] seria da mão de obra", informou Lessa.
Lessa afirmou que a intenção era vender
cada lote por R$ 100 mil. O preço de todos os terrenos seguiria um padrão.
Isso, porque, segundo Lessa, se um dos proprietários vendesse mais barato, os
demais seriam prejudicados pela queda no preço.
Defesa
comemora transferência
"A referida Penitenciária, não é só reconhecida por receber presos em casos de
grande repercussão, mas também, reconhecida por garantir a segurança dos
detentos, e por garanti-los a sua ressocialização, o que motivou a escolha",
afirmou a defesa de Lessa em nota assinada pelo advogado Saulo Carvalho e
divulgada à imprensa.
A defesa também afirmou que as
comunicações e visitas de Lessa serão monitoradas, "garantindo maior segurança
aos que cogitam a ideia de que Ronnie Lessa irá furtar-se do seu compromisso
com a justiça".
Fonte: agoranoticiasbrasil.com.br/