A prisão de bolsonaristas envolvidos em atos antidemocrĂĄticos em Brasília revelou uma mudança em relação à atenção aos direitos bĂĄsicos dos detentos. Um mĂȘs após a tentativa de golpe, quando quase mil acusados ainda estavam presos nas cadeias da capital, o número de atendimentos psiquiĂĄtricos nas detenções foi oito vezes maior do que no mesmo período do ano passado.
Dados obtidos pelo Metrópoles sobre consultas psiquiĂĄtricas de detentos do Distrito Federal mostram um grande aumento em 2023. Em fevereiro deste ano, foram 305 atendimentos, contra apenas 38 do mesmo período de 2022. Exatamente um mĂȘs após o 8/1, a Secretaria de Administração PenitenciĂĄria (Seape) ainda contabilizava 916 acusados pelos atos antidemocrĂĄticos detidos, do total de 1.398.
No anuĂĄrio da Seape de 2020-2021, período grave da pandemia, consta que os internos do sistema penitenciĂĄrio do DF só receberam 255 atendimentos psiquiĂĄtricos no ano, uma média de 21 atendimentos por mĂȘs. O total de consultas médicas, de todas as especialidades, foi de 27.961, sendo que 11.624 eram odontológicas.
Carol Barreto Lemos, coordenadora do Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura (MNPCT), fez parte de grupos que fiscalizaram as detenções da capital durante os últimos meses. Na visão dela, as violĂȘncias das condições de encarceramento tĂȘm grande impacto na saúde psiquiĂĄtrica.
"A privação da liberdade vai causar sofrimento mental, ainda mais em condições muito ruins de custódia. Aqui no DF, ainda tem um psiquiatra que atende todo o sistema, é aquém do necessĂĄrio, mas ainda hĂĄ algum tipo de atendimento. Tem estado que não tem médico", comenta.
Pontuando ainda que os detidos geralmente são "pessoas que jĂĄ são historicamente desumanizadas", Carol Barreto ressalta: "A gente faz parte da mesma sociedade, essa violĂȘncia volta para a gente".
"Percebo pessoas presas no dia 8 que talvez nunca pensassem que fossem presas e tiveram que se preocupar com algo que nunca se preocuparam antes. Inclusive políticos, que tinham discurso de "bandido bom é bandido morto"."
Entre os números e debates mais recentes, estava o caso de Anderson Torres, ex-ministro da Justiça de Jair Bolsonaro (PL) e ex-secretĂĄrio de Segurança do DF, investigado em inquérito do Supremo Tribunal Federal (STF) sobre a tentativa de golpe. Torres ficou 117 dias preso no DF e precisou de tratamento psicológico e psiquiĂĄtrico, inclusive com uso de medicação.
Laudos apresentados pela defesa do ex-ministro à época da privação da liberdade citavam pioras significativas, crises de ansiedade seguidas e crises de choro. O deputado bolsonarista Sanderson (PL-RS) o visitou e afirmou que havia risco de suicídio.
O autoextermínio também é um problema difícil de se identificar nas cadeias. Em resposta ao questionamento da reportagem via Lei de Acesso à Informação, a Seape informou que "geralmente não constam nas certidões de óbitos dos detentos as circunstâncias da morte, tal qual suicídio". "E esta gerĂȘncia não possui acesso a exames periciais os quais buscam apontar as reais circunstâncias."
Porém, entre dados de óbitos declarados por suicídio nas cadeias, coletados apenas em ocorrĂȘncias administrativas das unidades prisionais, os primeiros quatro meses de 2023 jĂĄ registraram um resultado preocupante. Foram trĂȘs suicídios neste ano, mesmo número de todo o ano de 2022 e mais do que o quantitativo de duas mortes anuais, em 2019, 2020 e 2021.
Fonte: Metropoles