Mudanças no sistema previdenciário que passariam por desindexação do
salário mínimo, alteração no benefício assistencial e um sistema de
capitalização poderiam ajudar os cofres púbicos a economizarem R$ 875,1 bilhões
com a Previdência nos próximos 10 anos, defendem economistas.
Em 2023, o governo pagou R$ 898,8 bilhões em benefícios previdenciários,
o que ultrapassa 90% do orçamento da União – o que compromete gastos com
investimentos, por exemplo.
A última reforma da Previdência, aprovada em 2019, propunha economia de
R$ 621,3 bilhões para os cofres. Mas, de acordo com os economistas Paulo Tafner
e Fábio Giambiagi, não é sustentável. Por isso, mais mudanças devem ser feitas.
"Estamos caminhando para uma nova crise fiscal com desemprego e
recessão. E vamos continuar tendo déficit previdenciário. Portanto, apenas com
uma reforma mais ousada que vamos resolver os problemas", afirma Tafner, que
foi um dos pais da reforma aprovada em 2019.
Ele, junto a Giambiagi, escreveu o livro "A Reforma Inacabada – O futuro
da Previdência Social no Brasil", no qual alertam para o aumento da despesa
previdenciária e apresentam propostas para uma nova reforma.
A obra cita implicações diretas dos benefícios previdenciários nas
contas públicas e como insuficiências do INSS sobrecarregam a economia. Além
disso, como essas deficiências vão favorecer o aumento do déficit da
Previdência, caso não haja uma nova reforma.
Apesar da reforma da Previdência de 2019 ter sido a melhor da história
do Brasil, segundo os economistas, ela possui lacunas carregadas até das
mudanças anteriores. Em 1998, no segundo governo de Fernando Henrique Cardoso e
em 2003, no primeiro mandato de Luiz Inácio Lula da Silva.
"Com FHC se fez uma tentativa de uma reforma de certa ambição, enquanto,
no governo Lula, demos um passo importante com a incorporação de uma idade
mínima para se aposentar", explica Giambiagi.
"Uma reforma precisa ter um grande debate prévio", continua. O especialista
diz que é preciso entender que, para aprovar a "fruta madura" em 2019, houve um
processo intenso de discussão em 2017 e 2018.
Em 2019, a mudança acabou com a aposentadoria por tempo de contribuição,
reduziu a diferença de idade para aposentadoria entre homens e mulheres e
aumentou a idade para professores.
Para Giambiagi, também era essencial proibir aposentadorias tão precoces
de pessoas muito sadias – e isso foi feito. "Do ponto de vista fiscal, é um
benefício duplo ao governo. As receitas continuam entrando por muito mais anos
e a aposentadoria é paga bem mais para a frente", comenta.
Mas ficaram alguns buracos e existem quatro principais pontos negativos,
segundo eles:
· Aposentadoria Rural: foi um erro não alterar o cálculo do benefício aos
trabalhadores rurais e aumentar a diferença de idade de aposentadoria entre
mulheres e homens para 7 anos. Segundo os economistas, a Previdência rural
corresponde a 40% do déficit total.
· Igualdade de gênero: era preciso pelo menos tentar igualar a idade de
aposentadoria entre mulheres e homens. A diferença diminuiu de 5 para 3 anos.
Segundo os economistas, elas produzem um passivo previdenciário
proporcionalmente maior, já que vivem cerca de 7 anos a mais. Apesar de ser
muito difícil por questões políticas, há a necessidade de igualar
progressivamente.
· Aposentadoria masculina: Giambiagi explica que a idade para a aposentadoria
dos homens é de 65 anos desde 1998. Por isso, com o crescimento da expectativa
de vida, é o momento de pensarmos em aumentar essa faixa, com uma transição
suave e bem discutida.
· Benefício assistencial: para eles, é um equívoco econômico dar a Loas
(Lei Ordinária de Assistência Social) no mesmo valor e na mesma idade para quem
não contribuiu e quem contribuiu com o INSS. Para Giambiagi é preciso premiar
os contribuintes.
Além dessas questões métricas, os autores citam o envelhecimento
populacional como o principal inimigo da Previdência.
"A demografia conspira contra o nosso sistema de repartição. Rezamos
para que a geração futura financie seus próprios benefícios, mas não vai.
Tínhamos 7 ativos para financiar 1 inativo. Hoje, estamos em torno de 2, caminhando
para 1,5 para um", alerta Tafner.
De acordo com o economista, o envelhecimento demográfico exigiu uma
maior parcela do orçamento da União, comprimindo a capacidade de investimentos
públicos. A Previdência Social teve déficit de R$ 306 bilhões em 2023, segundo
o Boletim Estatístico da Previdência Social de dezembro de 2023.
"Estamos entrando numa fase de rápido envelhecimento pelos próximos 20
anos. Os trabalhadores ativos, que ainda são maioria, vão rapidamente para a
aposentadoria. O déficit vai aumentar de forma explosiva", diz Tafner.
O especialista é pessimista quanto ao cenário econômico, caso não haja
uma reforma. De acordo com ele, para corrigir o gasto acelerado atualmente, é
preciso aumentar a carga tributária, que seria voltada ao setor privado.
"Assim, perdemos eficiência econômica. Estamos em uma encruzilhada", afirma.
Giambiagi complementa e diz que vai ter déficit da Previdência por
muitos anos, o que não pode ocorrer é o resultado negativo do governo. Ou seja,
é preciso evitar o crescimento do déficit do INSS e controlar as despesas do
Tesouro.
Apesar da dificuldade política para aprovar mudanças na Previdência,
Giambiagi diz que, se fosse presidente, pediria as propostas mais importantes
para mudar, visto que é preciso fazer sacrifícios políticos.
Portanto, os economistas listaram algumas propostas que, somadas à atual
legislação, pode resultar numa economia de R$ 875,1 bilhões em 10 anos para o
INSS.
Desindexação do salário mínimo
Hoje o piso salarial da aposentadoria está atrelado ao salário mínimo. Ou seja,
todo aumento no benefício gera o mesmo efeito na Previdência. Para os
economistas, isso não faz sentido.
"60% dos benefícios previdenciários têm valor igual ao mínimo. Então,
toda vez que há aumento real, aumentam-se as despesas em 45% em termos reais",
explica Tafner.
A proposta é que um piso da aposentadoria seja fixado independentemente.
Dessa forma, qualquer aumento no salário mínimo não afetaria os gastos do INSS.
"Ele poderia chegar a R$ 5 mil e o piso continuaria sendo corrigido pela
inflação para garantir o poder de compra dos idosos. Aliás, funciona assim com
todos os aposentados que ganham mais que o mínimo. Não tem ganho real e não
precisa ter", completa.
Tafner diz ainda que, em termos técnicos, quem ganha salário mínimo não
é pobre. "Por mais cruel que seja essa frase, se alguém ganha o benefício, já
saiu da linha da pobreza. Ao aumentar o mínimo, não se está reduzindo a
pobreza, está apenas afastando os pobres mais ainda da faixa da pobreza",
opina.
Adaptação à demografia
Os especialistas propõem uma reforma paramétrica com ajustes na idade da
aposentadoria e no benefício rural que ajudam a mitigar o crescimento da
despesa previdenciária. É uma adaptação à um cenário de longevidade
populacional com mais beneficiários e menos contribuintes.
"A demografia atual não repõe a população. A taxa de fecundidade está em
1,5, ou seja, um casal não se repõe. A população brasileira vai começar a cair
e será cedo", atenta Paulo Tafner.
Sistema de capitalização
Como alternativa para aliviar as despesas do INSS, os autores divergem sobre um
sistema de capitalização.
Tafner explica que a repartição atual não resolve o problema e que uma
capitalização por meio de um fundo de previdência diminuiria muito o déficit.
"O cálculo de contribuição média ainda valeria, mas só até dois salários
mínimos. A partir disso até o teto do benefício, a pessoa e o empregador
contribuem para um fundo de previdência. Quando se aposentar, recebe o valor
anual dividido pela expectativa de vida".
Segundo ele, o sistema não geraria passivo ao INSS e ainda estimularia o
trabalhador a poupar durante a vida para ganhar mais lá na frente. Porém, Giambiagi
levanta a ressalva do custo de transição.
"Se todas as contribuições se voltassem a um sistema privado, o INSS
deixaria de receber essa receita, que equivale a 5% do PIB. Esse impacto fiscal
de curto prazo, que podem ser de décadas, levaria o déficit público à lua",
afirma.
O economista diz que o benefício fiscal é de muito longo prazo com um
custo-benefício político muito alto.
Benefício assistencial
Sobre a Lei Orgânica de Assistência Social, conhecida como Loas, Fábio
Giambiagi defende uma mudança coerente com os contribuintes e com a expectativa
de vida da população.
O benefício, no valor de R$ 1.412, é destinado para idosos e pessoas com
deficiência que tenham renda familiar inferior a um quarto do salário mínimo.
"Se alguém ganha cerca de um mínimo, porque ela vai contribuir se,
quando se aposentar, voltará a receber o salário mínimo? O benefício pode
continuar, mas precisamos premiar quem contribui", afirma Giambiagi.
E continua: "há uma ideia de quem defende uma reforma defende o fim do
benefício assistencial. É uma mentira, não conheço nenhum reformista que
defenda isso".
Como o benefício está em lei ordinária, a ideia dos economistas é adiar
o pagamento do Loas alguns anos e antecipar, para a data de aposentadoria (hoje
de 65 anos), para os contribuintes. "As pessoas recebem o benefício por 20
anos, porque começam aos 65 e a expectativa de vida só aumentou", completa.
Giambiagi explica que, quando se discute Previdência, olha-se 50 anos no
futuro. Na sua visão, se não houver uma reforma, o déficit vai continuar se
agravando.
Para 2025, os economistas projetam um déficit da Previdência de R$ 340
bilhões. "Ficar velho é ruim, mas ficar velho e pobre é terrível. E o Brasil
está escolhendo isso", afirma Tafner.
Por CNN