Ciro Gomes estĂĄ
"saindo da toca" pela primeira vez desde a derrota nas eleições
presidenciais de 2022. Pelo menos, foi como definiu em discurso em reunião na
sede do PDT na última semana. Ex-governador do CearĂĄ e quatro vezes candidato à
presidĂȘncia (1998, 2002, 2018 e 2022), o político se reuniu com O GLOBO para
entrevista exclusiva, em que se diz "um amante não correspondido pelo Brasil".
· Disputa em família: Após rompimento com
irmão, Ciro Gomes perde força como cabo eleitoral no CearĂĄ
· Persona: Como se move Celso Amorim, o conselheiro de Lula em meio a falas
desastradas do presidente
Na conversa, Ciro
falou sobre seu futuro político e a decepção o último pleito presidencial.
Admitiu ainda seu isolamento político, com aliados próximos fazendo parte do
governo Lula, e
tratou do rompimento com o irmão, Cid Gomes.
Em um discurso na quinta-feira na sede
do PDT, o senhor disse que era a primeira vez que saía da toca desde quando
perdeu a eleição em 2022. Por que ficou recluso?
A eleição me chocou
profundamente e matou em mim a crença no sistema democrĂĄtico brasileiro. No
minuto que perdi a eleição, senti uma espécie de deslegitimação do meu direito
de participar.
Por causa dos 3% de votos que o senhor
recebeu?
Os 3% foram a consumação
desse processo. Nas outras eleições, tive 11%, 12%. Essa gente toda sucumbiu a
uma onda fascista. Eu sabia que Lula não tinha a menor condição de entregar a
tal esperança mistificadora que resumiu todo o drama para essa classe
escolarizada de artistas e intelectuais. Como se o problema fosse nos livrarmos
do Bolsonaro no primeiro turno, o que seria impossível. Bolsonaro não era um
produto marciano, e sim do encontro trĂĄgico da pior crise econômica da história
com o maior escândalo de corrupção (o petrolão) jĂĄ visto. Fiz um detox. Estou
tentando ver se encontro outros modos prazerosos de exercitar minha vocação.
Não quero mais depender da aprovação ou da crítica sebosa de eleitor.
Em entrevista, Ciro Gomes fala sobre isolamento político e briga com o irmão
Cid — Foto: Brenno Carvalho / AgĂȘncia O Globo
O senhor brigou contra a polarização,
mas ela permanece. Foi derrotado?
O Brasil estĂĄ
derrotado, porque isso aniquila o nosso país. Isso só se resolverĂĄ quando Lula
sair do jogo. Teve o 1Âș de maio vexaminoso, e a turma de Lula fica dizendo que
organizaram errado. Não foi isso. Eles quebraram a lógica de representatividade
da sociedade civil pela cooptação. O povo foi embora. E sabe quem estĂĄ falando
para eles? A direita. Não na agenda real, mas na de costumes. A esquerda
brasileira capitulou.
O senhor tem criticado o governo, mas o
presidente do seu partido, Carlos Lupi, virou ministro da PrevidĂȘncia e o seu
irmão Cid Gomes foi para o PSB, partido aliado do PT. O senhor estĂĄ ficando
isolado?
Completamente. Mas
minha posição não é anti-PT. É antimodelo. Não condeno ninguém. Lupi estĂĄ se
esforçando como ministro. E, repare, se ele não aceita, Lula tinha ido em cima
de um pedetista qualquer e estilhaçado o partido. Não vejo problema em
contribuir. Sou apaixonado pelo Brasil. Apenas sou um amante não correspondido.
Política envolve o convencimento de
outros, mas o senhor não tem conseguido convencer os que estão ao seu lado.
Virou uma batalha quixotesca?
Virou. Portanto,
tenho que mudar de linguagem. Tenho clareza disso. É a minha grande frustração.
Nunca tive a ilusão de que esse conjunto de ideias pudesse ser popular. Mas não
quero mais submetĂȘ-las a essa coisa eleitoral. Sou isolado? Sou. Imagina quantos
isolamentos sofreu Getúlio Vargas. Brizola também morreu completamente isolado.
O isolamento se reflete também nas
ofensas dirigidas à senadora Janaína Farias (PT), que resultaram numa denúncia
do Ministério Público contra o senhor por violĂȘncia política de gĂȘnero?
Uma confusão que
fizeram comigo, argumentando misoginia. Durante uma entrevista de 47 minutos,
fiz uma denúncia contra o ministro da Educação (Camilo Santana)
por dois minutos. Não foi contra a cidadã. Foi contra o ministro, que manipula
de forma absolutamente patrimonialista e corrupta o CearĂĄ. Um monstro que
ajudei a criar. Ele nomeou a primeira suplente para uma dessas secretarias para
dar passagem à segunda suplente (Janaína Farias). Faça quatro perguntas bĂĄsicas
a ela sobre geografia, economia, demografia do CearĂĄÂ
VocĂȘ vai ver. Se fosse um
homem, seria a mesma coisa. Mas, por ser mulher, não pode.
O senhor disse que ela era assessora
para "assuntos de cama" e a chamou de "cortesã". Não é machismo?
Eu disse isso depois,
porque é exatamente o que ela é. Falei que ela era incompetente e despreparada.
Nessa entrevista, eu disse que não se faz uma obra pública no CearĂĄ sem
cobrança de propina. Falei do patrimonialismo do Camilo Santana. Por isso, veio
a derivação para o sexismo. Então, a mulher entra na política e é imune? Ela é,
hoje, uma cortesã portando um mandato de senadora. Ela estĂĄ lĂĄ por um capricho
do Camilo Santana ou porque ele estĂĄ sendo chantageado. Não estou falando dela.
Estou falando do Camilo.
O senhor ficou anos tentando afastar a
pecha de ser machista após ter dito que a função da sua ex-mulher Patrícia
Pillar era dormir com o senhorÂ
Sabe por que eu enchi
o saco da política? Por isso. Aconteceu hĂĄ 20 anos, jĂĄ me desculpei. O filho do
Lula acabou de espancar a mulher e estĂĄ com medida protetiva do Tribunal de
Justiça e esse assunto não estĂĄ na imprensa. E a dona Gleisi do PT faz uma nota
me condenando por misoginia. Sou um cara sério, respeitador das mulheres.
Outra crítica que o senhor teve de
lidar em sua vida política foi a de ser brigão. Recentemente, o senhor brigou
até com seu irmãoÂ
Fui eu? Então, foi.
Lancei o Cid como candidato e me tornei inelegível no CearĂĄ por força da lei,
aos 50 anos. Eu era unanimidade no estado. De repente, comecei a ter aresta.
Todas para defender o Cid. Na última eleição, fui abandonado por todo mundo e
por ele também. Fui eu quem briguei? Nunca briguei com ele. Nunca trocamos uma
palavra ĂĄspera na vida.
Então, como foi o rompimento?
Simplesmente eu fui
lĂĄ e pedi a ele: "Não faça isso, vocĂȘ estĂĄ me abandonando, e eu estou sozinho".
Pedi para ele coordenar minha campanha, e ele disse que não.
VocĂȘs nunca mais se falaram? É algo que
pode ser emendado?
Não. Não quero mais.
Traição e ingratidão, sabe?
Após rompimento com Cid, houve
debandada no PDT. Agora, o prefeito de Fortaleza, que é aliado do senhor, deve
enfrentar dificuldades para a reeleição. O senhor se tornou um cabo eleitoral
frĂĄgil?
Isso é tudo bobagem.
Essa debandada não é para o Cid, que estĂĄ hospedado no partido (PSB) que é
presidido pelo pai do Camilo, que é do PT. O destino de todos os políticos é o
ocaso. A diferença minha é que eu sei disso e estou pronto. Sabe por quĂȘ? Porque
sou desapegado.
O senhor diz que não pretende se
candidatar a mais nada, mas Lupi falou na possibilidade de o senhor concorrer
ao governo do CearĂĄ, enquanto alguns dizem que o senhor pode ir para a Câmara
dos DeputadosÂ
Nem pensar. Não
pretendo abandonar o fazer política. Estou escrevendo um livro, tenho me
reencontrado prazerosamente com o Tasso Jereissati. Houve essa conversa de uma
federação com o PSDB. Lupi acha que é necessĂĄrio aprofundar um debate
programĂĄtico. Eu também acho.
Fonte: O globo