Na segunda-feira (20/5), o país
assistiu a uma deterioração generalizada das projeções para os principais
indicadores econômicos do país. Numa só tacada, o mercado piorou as estimativas
para a taxa básica de juros (a Selic), a inflação, o dólar e o Produto Interno
Bruto (PIB) em 2024, conforme mostrou o Boletim Focus, divulgado pelo Banco
Central (BC). O problema é que, para muitos especialistas, esse estrago ainda
não terminou.
Na avaliação de diversos economistas,
há fortes – e até crescentes – incertezas no ambiente econômico e elas têm
impacto direto no mau humor com as projeções. No cenário externo, dizem os
técnicos, as dúvidas estão centradas na eventual queda dos juros dos Estados
Unidos, hoje fixados no intervalo entre 5,25% e 5,50%, o maior patamar desde
2001.
A manutenção da taxa nesse nível
aumenta a atração dos investidores pelos títulos do Tesouro americano, em
detrimento de aportes em outros ativos, principalmente em países emergentes,
como é o caso do Brasil. No início do ano, a expectativa era de que os juros
começassem a cair em março nos EUA. Agora, essa previsão, mesmo entre
otimistas, foi empurrada para o fim do ano.
No cenário interno, as incertezas
passam pela questão fiscal – em miúdos, pelos gastos do governo. Isso além de
aumentarem com solavancos provocados por episódios como a recente troca de
comando na Petrobras. Elas também se ampliaram nas últimas semanas com a
tragédia no Rio Grande do Sul. Para além do drama humano, o desastre gaúcho vai
deixar uma conta para a reconstrução do estado cujo tamanho ainda é
desconhecido.
Racha
no Copom
O economista Alexandre Schwartsman, ex-diretor do Banco Central, acrescenta a
esse rol de incertezas a recente divisão do Comitê de Política Monetária
(Copom), do BC, que define os juros básicos do país, a Selic. No último
encontro, no início deste mês, o grupo de nove integrantes do órgão rachou.
Cinco deles, incluindo o presidente do
BC, Roberto Campos Neto, votaram por um corte de 0,25 ponto percentual. Outros
quatro, todos indicados pelo atual governo, optaram pela redução de 0,50 ponto
percentual. O time do 0,25 ponto venceu a peleja e a Selic foi fixada em 10,50%
ao ano.
Para Schwartsman, essa divisão pode
afetar as projeções de indicadores como juros, inflação e dólar. Isso porque,
diz o economista, o mercado já começa a acreditar que o BC poderá ser mais
leniente com a inflação num futuro próximo, à medida que o Copom passe a ser
formado por uma maioria favorável ao governo. Campos Neto, por exemplo, só
ficará no cargo até 31 de dezembro. Schwartsman acrescenta que as previsões do
PIB e da inflação de 2024 também poderão ser afetadas nas próximas semanas,
mas, nesse caso, pela catástrofe no RS.
Deterioração
"discreta"
Para Emerson Marçal, professor da Escola de Economia de São Paulo da Fundação
Getulio Vargas (FGV EESP), a situação fiscal (a relação entre gastos e despesas
do governo) "está mais desafiadora e os agentes econômicos veem com mais
ceticismo a disposição do governo e do Congresso em promover ajustes
importantes".
Marçal os agentes econômicos também
estão tentando entender como será a política monetária, definida pelo BC com o
corte de juros, daqui para frente. Assim, ele acredita em uma deterioração nas
próximas semanas dos indicadores de juros e inflação. "Mas de forma discreta",
diz.
"Voracidade do mercado"
Para Carla Beni, economista e professora de MBAs da FGV, a piora dos
indicadores "sinaliza uma precificação voraz do mercado financeiro por mais
juros" dos títulos públicos, depois da tragédia provocada pelas chuvas entre os
gaúchos. "Isso como se não fosse uma função do Estado reconstruir o Rio Grande
do Sul diante de tal tragédia", afirma.
A economista também acredita que as
projeções dos indicadores econômicos podem piorar nas próximas semanas. "Ainda
não se sabe o tempo que vai levar a reconstrução do estado, nem o orçamento
necessário para isso, é possível esse ponto que tenha impacto tanto nos índices
de inflação como na área fiscal", afirma.
Visão
otimista
Mauro Rochlin, que também é professor da FGV, afirma que "continua um pouco
otimista". Ele considera que não é impossível que os juros cedam nos EUA,
embora ressalte que tal perspectiva ainda não esteja no radar. "Mas é cedo para
falar que as coisas estão piorando de maneira irreversível", diz. "A piora dos
indicadores foi reflexo imediato do que ocorreu no Rio Grande do Sul, mas não
foi tão aguda. E ainda uma taxa de juros menor pode acontecer, assim como um
dólar mais barato e mesmo uma inflação mais comportada."
Fonte: agoranoticiasbrasil.com.br/