As redes sociais Instagram e Threads, ambas da Meta, ganharam um novo recurso em março de 2024. A novidade é um "filtro" que reduz a quantidade de postagens sobre política recomendadas pelo algoritmo, em especial de contas que você não segue.
A ideia da empresa, também dona de Facebook e WhatsApp, é permitir que usuários recebam menos conteúdos de governos, eleições e outros temas sociais — a não ser que busquem ou sigam ativamente perfis ou publicações do tipo.
Em um blog post divulgado em fevereiro, a big tech explicou que o filtro não fechará todas as portas: ele só funciona para conteúdos recomendados no feed, Reels e na aba Explorar, no caso do Instagram. Se o usuário mantém contato com páginas e contas que falam de política, eventualmente verá postagens sobre o assunto.
Em testes realizados pelo TecMundo, o novo filtro já está disponível no Instagram. Segundo a Meta, ele deve chegar em breve no Facebook. (Imagem: Carlos Palmeira/TecMundo)
"Se você decidir seguir contas que publicam conteúdo político, não impediremos sua visualização desse tipo de publicação", diz o comunicado do Instagram.
Apesar disso, a novidade vai ao encontro de declarações do CEO do Instagram, Adam Mosseri: o executivo chegou a dizer que o Threads "não é para notícias e política" — apesar do formato similar ao X, o antigo Twitter.
Essa movimentação parece agradar parte da comunidade, que estaria saturada ou cansada de ver esse tipo de conteúdo, especialmente em um espaço originalmente feito para lazer e distrações.
A cientista política Maria do Socorro Sousa Braga, da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), defende que o usuário precisa ter autonomia para olhar e interagir ou não com os conteúdos que quiser.
"Quanto mais acesso à boa informação, melhor. Se não forem fake news, a pessoa pode ganhar maior grau de conscientização [vendo conteúdo político nas redes]", destaca.
Apesar de destacar os pontos positivos de interagir com conteúdos responsáveis, a especialista aponta que as big techs não parecem tão interessadas em promover este tipo de coisa. Ela própria mantém um perfil no Instagram e divulga palestras, debates e vídeos sobre política, mas não enxerga muito retorno.
"A interação [do público com as postagens] é bastante pequena. Então estar nas redes não significa necessariamente que as pessoas estão ampliando o grau de informação", destaca.
Uma das consequência de filtros de conteúdo é a formação de bolhas em redes sociais. (Imagem: Getty Images)Fonte: GettyImages
Uriã Fancelli, mestre em Relações Internacionais e autor do livro "Populismo e Negacionismo", também nota um lado positivo e outro negativo na medida. O benefício é justamente dar mais controle, mas a limitação pode ser arriscada.
"Se o usuário segue exclusivamente pessoas com as quais já concorda, o que é comum, ele pode se tornar mais suscetível a radicalizações. Isso ocorre porque a falta de exposição a opiniões divergentes pode limitar a capacidade de desenvolver um senso crítico", diz.
Fancelli discorda da Meta de que pautas políticas sejam consideradas "sensíveis". Mesmo que eventualmente caminhem para discussões, ele acha importante manter debates sobre temas relacionados ao desenvolvimento da sociedade.
Segundo o estudo Digital News Report 2023, feito pelo Reuters Institute, é notável uma espécie de "fadiga" no consumo de conteúdo político no formato de notícias, além do aumento na desconfiança em relação aos veículos de imprensa e a curadoria de conteúdo dos algoritmos.
Ou seja, a política está longe de ser um tema unânime entre quem acessa redes sociais com frequência, apesar da presença cada vez maior de postagens sobre o assunto nos últimos anos.
O analista de infraestrutura Mauricio Rocha é uma das pessoas dispostas a adotar a novidade da Meta. Ele considera redes sociais como espaços para descontração, consumo de conteúdos interessantes e contato com amigos, mas tem se deparado cada vez mais com publicações de desinformação e discurso de ódio.
"Ter conteúdo sobre politica e pessoas interessadas é muito importante, mostra que o povo tem interesse em mudar e melhorar, e está mais antenado com tudo que ocorre. Mas vejo que existem muitos grupos que acabam fazendo o desserviço de espalhar muito mais desinformação do que informações válidas, prejudicando muito o cenário politico e a própria sociedade", argumenta.
Conteúdos políticos acumulados podem cansar parte da comunidade. (Imagem: Getty Images)Fonte: GettyImages
Ao mesmo tempo, ativar o filtro não significa fechar os olhos para o tema. "Quando quero ver sobre política eu vou em sites e paginas de noticias especializadas e que tenham conteúdo verificado", explica Rocha.
A nutricionista Letícia Rosa diz achar o debate político importante e considera prejudicial excluir o "outro lado" de suas visões de mundo. Porém, ela faz uma ressalva quanto ao extremismo.
"Existe um lado hoje em dia que é muito radical. Hoje essas pessoas não querem discutir e vivem disseminando em massa fake news e desinformação nas redes sociais", argumenta.
Parte dos usuários das redes sociais estão atento ao fenômeno das disseminação de desinformações. (Imagem: Getty Images)
Por causa disso, a jovem cita que pretende ativar o filtro que desabilita sugestões de conteúdos políticos de páginas que ela não segue. Ela ressalta que também não enxerga as mídias sociais como o melhor ambiente para se "politizar".
"Eu prefiro buscar informações em locais confiáveis. Então quando quero saber sobre algo político costumo ler livros, assistir ao noticiário, entrar em sites e ouvir podcasts especializados", conclui.
Limitar a visibilidade de postagens pelo tema (e não por infringirem as regras da plataforma, por exemplo) é uma solução mais fácil do que ampliar a moderação, por exemplo. Porém, outros caminhos poderiam ser pensados para garantir um futuro menos turbulento nas plataformas digitais.
"A política é o tema do momento, pois o acirramento cresceu muito nos últimos anos. E nós ainda veremos muitos debates e conversas sobre isso no futuro", reforça Maria do Socorro Sousa Braga. Por outro lado, segundo a pesquisadora, a falta de contato com opiniões e conteúdos diferentes forma uma "sociedade de guetos" com visões bastante limitadas, que pode ter consequências bem danosas para futuros relacionamentos.
Seguir contas de assuntos do seu interesse é uma alternativa para escapar de temas controversos. (Imagem: Divulgação/Meta)
Fonte: GettyImages
Entre as consequências, a cientista política cita a falta de um leque de visões de mundo, criação de animosidades entre usuários, dificuldade nas relações interpessoais, intolerância e, na pior das hipóteses, o aumento do grau da violência nas redes e fora delas.
E como impedir que esse cenário se desenvolva? Indo contra a ideia da Meta, uma das possibilidades é a de não barrar a visibilidade dos conteúdos, mas justamente entrar em contato com eles para entendê-los.
"Puxe a cadeira e prepare-se para o desconforto: siga contas que confrontem cada uma de suas crenças queridas, adicionando um toque de acidez à sua bolha social. Trate as redes sociais como um aperitivo e não como o prato principal, mergulhando em fontes mais confiáveis, como a imprensa tradicional, para uma verdadeira refeição informativa", finaliza Uriã Fancelli.
O TecMundo entrou em contato com a Meta para verificar mais detalhes acerca da decisão de lançar um filtro que esconde conteúdos políticos e sociais de contas que você não segue. Contudo, a empresa não quis se posicionar sobre o assunto e comentou que tudo o que há para compartilhar no momento está no blog post divulgado em fevereiro que fala sobre a nova classificação.
Na postagem oficial, a big tech afirma querer "que todos tenham boas experiências no Instagram e no Threads". A gigante pontua que o filtro atinge somente Contas Públicas e que Contas profissionais poderão verificar se estão sendo afetadas ou não.
"Estamos sempre trabalhando para melhorar os nossos sistemas de recomendação e dar às pessoas o controle para que possamos conectá-las com as publicações que sejam mais relevantes para elas. Vamos implementar essas mudanças de forma lenta e gradual para garantir que estamos no caminho certo", defende a companhia.
Fonte: Instagram - Reuters Institute