O presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), ainda não
oficializou o grupo de trabalho que irá formular uma nova proposta do projeto
de lei das Fake News, anunciado pelo próprio parlamentar há 20 dias.
A ideia de retomar as discussões sobre o PL, que está travado na Casa há
quase um ano sem consenso, ocorreu na esteira do embate entre o ministro
Alexandre de Moraes, do STF (Supremo Tribunal Federal), e o empresário Elon
Musk, dono da rede social X (antigo Twitter), no começo do mês.
O líder do governo na Câmara, José Guimarães (PT-CE), levou aos líderes
e a Lira a necessidade de voltarem as discussões sobre o projeto de lei. A
avaliação dos parlamentares, no entanto, foi a de que o parecer elaborado por
Orlando Silva (PC do B-SP) foi contaminado pela polarização política e não
teria votos para avançar.
Lira sugeriu que fosse criado um grupo de trabalho para elaborar nova
proposta. Na prática, o processo de discussão em torno da regulamentação das
redes sociais começará praticamente do zero.
"O projeto não teria como ir à pauta. Nós estamos formando hoje um grupo
de trabalho composto por parlamentares de partidos que queiram fazer parte da
confecção desse tema (
) para ver se a gente consegue, no curto espaço de
tempo, fazer uma construção de um texto que tenha oportunidade de vir ao
plenário e ser aprovado sem as disputas políticas e ideológicas que estão em
torno do [PL] 2630. Ele estava fadado, não ia a canto algum", disse Lira à
imprensa no último dia 9.
Até o momento, no entanto, o grupo não foi formalizado, assim como não
foram discutidos o formato ou objeto de trabalho.
Deputados ouvidos pela reportagem dizem que isso sinaliza que a regulação
das redes não deverá voltar ao radar das discussões da Câmara no futuro
próximo. Eles avaliam, por outro lado, que a depender do que ocorrer durante as
eleições municipais, o debate poderá se mostrar inevitável.
Parlamentares de esquerda criticaram a iniciativa de Lira, afirmando que
isso emperra a discussão em torno do tema. Eles dizem que era preciso empenho
para destravar a votação do parecer já elaborado por Silva e que foi discutido
pelos parlamentares ao longo do ano passado.
De outro lado, representantes do centrão defendem que seja escolhido um
deputado do centro para relatar uma eventual nova proposta.
O projeto de lei prevê, entre outros pontos, responsabilizar as
plataformas por conteúdos criminosos publicados. Aprovado no Senado, o texto
teve a tramitação travada na Câmara no primeiro semestre de 2023, após a
oposição ganhar terreno no debate.
Há um consenso entre os deputados, no entanto, que a demora da Câmara em
debater o tema levará o Judiciário a legislar sobre o assunto.
Um líder do centrão afirma, sob reserva, que era necessário dar uma
resposta ao embate entre Moraes e Musk e, por isso, a sugestão do grupo de
trabalho, mas que não há clima agora para retomar as discussões.
Ele diz que esse é um tema espinhoso e que poderá contaminar a
tramitação de outras matérias tidas como prioritárias para o Legislativo e o
Executivo, como os projetos da regulamentação da reforma tributária.
"Os líderes discutiram fazer um grupo de trabalho para retomar essa matéria,
sem nenhum compromisso de data e de conteúdo do que vai sair dessa discussão,
já que o projeto do Orlando morreu", diz o líder do PL na Câmara, Altineu
Côrtes (RJ).
É discutida, por exemplo, a possibilidade de incluir no âmbito dos
trabalhos do grupo o tema de regulação da inteligência artificial (IA), assunto
que preocupa o Congresso às vésperas das eleições municipais.
Segundo a assessoria de imprensa de Lira, o presidente da Câmara quer
indicar os membros do grupo de trabalho "no menor prazo possível", mas ainda
não há uma sinalização de quando isso irá ocorrer.
"Não criou até agora porque está avaliando o melhor momento para isso, e
as indicações dos líderes partidários. O presidente Arthur Lira entende que é
possível destravar o tema na Câmara dos Deputados desde de que haja uma
predisposição de todos os partidos no sentido de construir uma proposta
consensual", diz em nota.
Guimarães é um dos que defende celeridade no processo e diz que é
"fundamental" a instalação do grupo. "Para que a gente enfrente essa discussão.
Não podemos ficar omissos", diz.
O próprio Orlando Silva tem indicado a parlamentares que é necessário
descobrir qual o objeto do grupo antes de decidir se irá ou não integrá-lo.
À Folha Silva afirma que enxerga uma "postura cautelosa" de Lira. "Minha
impressão sempre foi dele sinalizar favorável a regulação de plataformas
digitais. Ele procura o melhor caminho", diz.
"É um tema sensível, há polêmicas, mas o mundo tem dado passos adiante
na regulação de plataformas digitais", afirma. "No Brasil, inventaram um
fantasma: a censura. Não me consta que as regras europeias, que nos inspiram,
tenham essa consequência. Ao contrário, o debate brasileiro elaborou mecanismos
para proteger a liberdade de expressão. No mais, é narrativa."
Na avaliação de parlamentares, a ofensiva de Musk contra Moraes
fortaleceu o discurso crítico de aliados do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL)
em relação à proposta e dificultou a articulação de governistas em favor do
texto. Nesse sentido, deputados que integram a base aliada de Lula (PT) cobram
um maior empenho por parte do governo para destravar a votação.
Fonte: VICTORIO AZEVEDO BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS)